Metropolização em Manaus amplia desigualdades, diz estudo de professora da UEA
Por: Fred Santana e Lucas Thiago
10 de setembro de 2025
MANAUS (AM) – A Região Metropolitana de Manaus (RMM), composta por 13 municípios e oficializada em 2007, tem experimentado transformações intensas que expõem contradições e reforçam desigualdades socioespaciais. Essa realidade foi detalhada na tese “A metropolização regional periférica aquém da metrópole: a região metropolitana de Manaus vista do lado de lá”, da professora Susane Patrícia Melo de Lima, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
No estudo, a docente analisou como a capital amazonense se tornou um polo de atração para serviços, comércio e empregos, enquanto os municípios vizinhos permanecem dependentes e desassistidos em diversas áreas. O resultado é um processo que se apresenta como moderno e conectado ao cenário global, mas que, na prática, mantém características periféricas e desiguais.
“Eu queria enxergar a cidade a partir de quem nós somos, de como nos reproduzimos, porque pensar a metropolização aqui não é o mesmo que pensar na França ou na Itália. Precisamos refletir a partir da nossa realidade, de como o processo é produzido pelos moradores e considerando a vastidão da Amazônia, com toda a sua grandiosidade, sua sócio-biodiversidade, formada por uma multiplicidade de povos – quilombolas, ribeirinhos, indígenas – e também pela riqueza biológica dos rios e florestas”, afirmou a pesquisadora.

Metropolização e reprimarização
Na tese, Susane se dedicou a explicar duas noções fundamentais para entender a realidade amazônica: metropolização e reprimarização. Metropolização é o processo em que uma grande cidade se expande e passa a influenciar fortemente os municípios do entorno, concentrando serviços e atividades econômicas. No caso da RMM, Manaus exerce esse papel central, mas de forma desigual.
“Quando falamos em serviços de educação, saneamento básico, transporte ou um sistema metropolitano estruturado, vemos que não dispomos disso, porque a configuração da nossa região metropolitana não nasceu com esse sentido ou interesse. Ainda assim, temos, ao nosso modo, uma interação espacial entre os municípios: compartilhamos serviços, e Manaus se configura como uma metrópole atrativa”, explicou.
Já a reprimarização diz respeito ao retorno da economia à dependência de produtos primários – matérias-primas e recursos naturais – em vez de diversificar a produção com setores industriais ou de serviços. Para Susane, essa é uma marca persistente na Amazônia. “Se antes extraíamos as chamadas ‘drogas do sertão’, agora exploramos minérios com nova roupagem e tecnologia. Continuamos apropriando-nos do espaço amazônico a partir de seus recursos naturais, com destaque para o agronegócio e os bens da terra”, afirmou.

A pesquisadora cita exemplos práticos dessa lógica em municípios da RMM. “Silves e Itapiranga estão inseridos nesse contexto da reprimarização, onde grandes grupos econômicos exploram o gás. O escoamento do gás liquefeito dali segue para outros destinos, passando pela região”, lembrou.
“O processo de metropolização regional periférica na Região Metropolitana de Manaus se dá pelo avanço das fronteiras do agronegócio, da reprimarização da economia com aportes financeiros modernos e da implementação de grandes projetos que introjetam no espaço metropolitano novas formas, novos conteúdos, novos valores que se espelham nas metrópoles”, apontou a pesquisadora durante entrevista à CENARIUM.

Desigualdades cotidianas
Segundo a professora, a chegada de comércio e serviços às cidades vizinhas a Manaus ocorre de forma precária. “Na minha tese, a metropolização regional periférica se evidencia, sobretudo, a partir do comércio e dos serviços. Esses chegam aos municípios de forma precarizada, mas sempre com o desejo de se assemelhar ao que acontece na metrópole. Entretanto, essa chegada ocorre de modo periférico, desigual e distante daquilo que a população do interior almeja”, explicou Susane.
Para a docente, essa dinâmica reforça a centralidade da capital e aprofunda as desigualdades entre os municípios. Muitas famílias precisam recorrer a Manaus para acessar serviços básicos, numa relação de dependência que se repete diariamente.
O reconhecimento acadêmico
O trabalho rendeu à pesquisadora o Prêmio José Aldemir de Oliveira, concedido pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Amazonas (PPGEOG/Ufam). A distinção homenageia as melhores teses defendidas na área e tem valor especial para Susane. “É uma honra que transcende a simples conquista acadêmica. Representa um compromisso sério com a pesquisa e a produção do conhecimento na Amazônia, sobre a Amazônia, por uma amazônida”, celebrou a docente.

Ela destacou ainda a emoção por receber um prêmio que leva o nome de seu ex-professor. “O prêmio leva o nome de José Aldemir de Oliveira, de quem fui aluna. Ele deixou um legado importante no estudo das cidades amazônicas. Receber esse reconhecimento foi profundamente emocionante, sobretudo por refletir a Amazônia a partir de nós mesmos – uma Amazônia pensada por uma amazônida”, lembrou Susane.