México descriminaliza o aborto em decisão unânime e inédita da Suprema Corte

A decisão permite que os demais estados também legalizem o procedimento(Daniel Becerril/Reuters)

Com informações da Folha de São Paulo

BUENOS AIRES – A Suprema Corte do México descriminalizou o aborto no país em um julgamento nesta terça-feira, 7. Os magistrados decidiram, de forma unânime, que é inconstitucional o uso de artigos do Código Penal para condenar a interrupção voluntária da gravidez de acordo com a vontade da mulher.

A prática já é legalizada nos Estados de Oaxaca, Veracruz e Hidalgo e na capital federal, a Cidade do México — nos quatro casos, até a 12ª semana de gestação. Nos demais, só é permitido realizar o aborto em casos de estupro e risco de morte da mãe.

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Na prática, a decisão desta terça-feira, 7, permite que os demais Estados também legalizem o procedimento.

No México, são os entes subnacionais que definem como devem funcionar as leis sobre os direitos civis. Ou seja, para que o aborto seja permitido em todo o País, é necessário que os legislativos regionais o regulamentem; o julgamento da Suprema Corte facilita que eles avancem na formulação desses textos.

“Não tem cabimento dentro da doutrina jurisprudencial deste tribunal um cenário no qual uma mulher e as pessoas com capacidade de gestar não possam decidir se continuam ou não com a gravidez”, disse o juiz Luis María Aguilar ao votar. Arturo Zaldivar, presidente do tribunal, afirmou que o dia é histórico. “Trata-se de um divisor de águas na história dos direitos de todas as mulheres, em especial as mais vulneráveis.”

Sessão

Os debates sobre o tema na Suprema Corte tiveram início na segunda-feira, 6, a partir de um caso no Estado de Coahuila. A ação questionava a constitucionalidade de artigos do Código Penal local que, entre outras coisas, previam condenações de até três anos de prisão a mulheres que fizessem um aborto.

No debate no tribunal, que adentrou a noite e se estendeu por uma segunda sessão nessa terça-feira, 7, os dez juízes que votaram, dos 11 que compõem a corte, manifestaram-se contra a pena — oito deles já haviam declarado seu voto na segunda-feira, 6, estabelecendo uma maioria.

Desde a noite anterior, houve manifestações contra e a favor da medida diante do prédio da Suprema Corte. Os que se posicionavam contrários ao aborto levavam cartazes dizendo “salvemos as duas vidas”, além de imagens religiosas e rosários.

Entre os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o México é o que tem a maior taxa de gravidez entre adolescentes, com 77 nascimentos por mil mulheres entre 15 e 19 anos. A estimativa do Ministério da Saúde é a de que sejam praticados mais de 800 mil abortos clandestinos todos os anos no país.

Segundo Diego Valadés, ex-juiz da Suprema Corte, ao jornal The Washington Post, a decisão vai definir um critério para mudanças nas leis estaduais, mas também servir para tirar da cadeia mulheres que eventualmente tenham sido presas depois de abortos ilegais.

Manifestantes antiaborto reunidos em frente à Suprema Corte (Reprodução/ Reuters)

Descriminalização

O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, apesar de estar mais à esquerda, é conservador em termos de costumes e havia se posicionado contra a descriminalização. Em público, AMLO, como ele é conhecido, dizia que o tema, por ser “muito delicado e polêmico”, deveria ser resolvido por meio de um plebiscito, sua forma preferida de debater e legislar sobre diferentes assuntos.

O Partido de Ação Nacional (PAN), hoje na oposição, criticou a decisão da Suprema Corte, dizendo-se em um comunicado favorável “à defesa da vida desde sua concepção até a morte natural”. A sigla pediu a adoção de medidas para lutar contra o aborto, que incluem o aprimoramento do sistema de adoção de crianças e da rede de assistência a grávidas.

A AMLO vem sofrendo pressão do movimento feminista mexicano, que nos últimos anos tem ganhado voz em um dos países de tradição católica mais forte no continente. A nova onda ganhou ainda mais força com a atual configuração do Congresso, agora com 50% de legisladoras mulheres.

As feministas enfrentam López Obrador em outros assuntos, como os feminicídios. No último ano, foram assassinadas 3.952 mulheres, aumento de 13% em relação a 2019. As marchas feministas que vêm sendo realizadas no país têm no direito ao aborto e na luta contra o assassinato de mulheres suas principais bandeiras. O México é um país de forte tradição conservadora, e cerca de 80% dos seus 130 milhões de habitantes se declaram católicos.

Com a descriminalização nessa terça-feira, 7, agora a nação depende das leis estaduais para se juntar a outras da América Latina que permitem a interrupção da gravidez pela vontade da mulher. Em dezembro de 2020, a Argentina aprovou uma lei nesse sentido, autorizando a prática até a 14ª semana de gestação — decisão criticada pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que disse que, enquanto ele estiver no poder, não aprovará uma medida do tipo; no país, o procedimento é autorizado em casos de estupro, risco à vida da mulher ou anencefalia do feto.

Na região, o aborto também está legalizado, até a 14ª semana, no Uruguai, em Cuba e na Guiana. A decisão mexicana contrasta também com a do Texas, Estado dos EUA que faz fronteira com o país. Na semana passada, também após decisão envolvendo a Suprema Corte do país, o Texas implantou uma lei antiaborto muito restritiva, que virtualmente bane a prática.

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