Militar ajuda mineradoras do Canadá a fechar contrato na Amazônia

Stan Bharti (na esq.), do banco F&M, e o general Barroso Magno Filho se reuniram com o vice-presidente (Caco Bressane/ Agência Pública)
Com informações do UOL

CANADÁ – O banco canadense Forbes & Manhattan (F&M) enfrentava dificuldades com seus negócios na Amazônia antes da posse do presidente Jair Bolsonaro (PL). Aos poucos, o grupo se aproximou de membros ligados às Forças Armadas no Executivo, chegando até o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB) —com quem tratou diretamente, em reuniões exclusivas em Brasília, segundo um conjunto de documentos obtidos pela Agência Pública.

Nos encontros, um general de brigada do Exército atuou pelos interesses de F&M e suas mineradoras junto à cúpula do governo. Cláudio Barroso Magno Filho é um veterano da missão de paz da ONU no Haiti e entrou no ramo de consultorias e venda de equipamentos para as Forças Armadas e empreiteiras desde sua ida para a reserva, nos anos 2000. Desde 2019, o militar atua em prol do F&M no Brasil.

Há mais de dez anos o grupo tenta liberar os licenciamentos ambientais de suas mineradoras na Amazônia, Belo Sun e Potássio do Brasil, que impactam assentados, indígenas e ribeirinhos no Amazonas e no Pará. Belo Sun é o caso mais conhecido, com quem F&M partilha alguns de seus principais executivos —caso do seu fundador e executivo-chefe, Stan Bharti.

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Acordo por garimpo de Belo Sun

Belo Sun planeja construir a maior mina de ouro a céu aberto do mundo na Volta Grande do Xingu, a mais de 800 km de Belém (PA). Caso consiga, a companhia canadense instalará em Senador Porfírio (PA) uma barragem de rejeitos maior que a da Vale rompida em Mariana (MG).

“Da parte do governo, há uma pressão para liberar o projeto Volta Grande”, diz Elisângela Côrtes, defensora pública que coordena o núcleo regional de Direitos Humanos em Altamira (PA) e atua no caso. “Para nós, o projeto é inviável acima de tudo, seja pela perspectiva social, seja pela ambiental”, diz.

Segundo documentos obtidos pela reportagem, os planos da mineradora ligada ao F&M caminharam conforme o general de brigada Barroso Magno envolveu-se nas tratativas. A agenda oficial o coloca nas conversas de Belo Sun com o governo Bolsonaro desde 2019.

Em setembro daquele ano ele esteve reunido, em nome de Belo Sun, com a cúpula da secretaria de Geologia e Mineração do ministério de Minas e Energia. Já em maio de 2021, novo encontro com o governo, mais uma vez com a presença de Barroso Magno em nome da mineradora canadense.

O general de brigada não consta nas listas de diretores, de gestores ou de qualquer outro cargo no site da Belo Sun, enquanto é creditado pelo governo como consultor da mineradora.

O encontro mais recente de Barroso Magno com o governo se deu na véspera de um acordo de Belo Sun com o Incra, em 25 de novembro de 2021. O acordo liberará áreas originalmente destinadas à reforma agrária para que a mineradora instale um garimpo de ouro no Pará.

Presente na comitiva em nome de Belo Sun, Barroso Magno se reuniu com o presidente do conselho diretor do Incra, Geraldo de Melo Filho, e com o diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do órgão, Giuseppe Serra Seca Vieira

No dia seguinte, 26, foi “firmado entre a Presidência do Incra e a empresa Belo Sun Mineração Ltda.” um contrato para “a concessão de uso de uma área de 2.428 hectares, sendo 1.439 hectares sobrepostos ao Projeto de Assentamento Ressaca e 989 hectares sobrepostos a Gleba Ituna, localizada no município de Senador José Porfírio, no Estado do Pará”, para “fins de exploração minerária”. Mesmo sob suspeita, o acordo já foi publicado no Diário Oficial da União.

À Agência Pública, o general de brigada afirmou que trabalha apenas com a Potássio do Brasil, outra mineradora de Forbes & Manhattan. “Não conheço nenhum outro projeto [do grupo canadense]”, disse.

Um dos materiais obtidos pela reportagem, porém, credita Cláudio Barroso Magno Filho como “vice-presidente de relações governamentais” do grupo canadense no Brasil. “Não sou lobista de abre portas, mas de desenvolvimento de projetos: fui contratado, de certa forma, pela minha experiência com gestão”, afirmou o militar.

O Incra argumentou que a concessão de uso das terras para Belo Sun “representa cerca de 3,5% [da área total] do assentamento Ressaca”, que “não houve desafetação da área” — ou seja, as terras ainda não foram repassadas ao grupo canadense — e que, “caso haja necessidade de remanejamento dos moradores, este [sic] será discutido no processo de licenciamento ambiental junto ao órgão estadual de meio ambiente”. O órgão também se manifestou publicamente sobre o caso.

A trajetória no Exército teria garantido trânsito a Cláudio Barroso Magno Filho junto a membros influentes no atual governo. O militar conhece, por exemplo, o vice-presidente Mourão há mais de 40 anos — ambos cursaram a Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) na mesma época.

“O Exército é uma grande família, pois comungamos muitas ‘coisas’ [sic] em comum, mas, apesar de ser contemporâneo do Gen [general] Mourão, não somos amigos”, disse o general de brigada à Pública.

Logo no segundo mês de governo, o militar visitou Hamilton Mourão oficialmente. Não se conhece a pauta do encontro, mas sabe-se que em junho de 2019 Barroso Magno participou da primeira reunião exclusiva do executivo-chefe do F&M com o vice-presidente da República.

Dali em diante, o militar reuniu-se com o governo ora como assessor, ora como consultor do grupo canadense e suas mineradoras. No mesmo período, F&M estreitou relações com o governo.

Em um vídeo institucional de 4 de novembro de 2019, o executivo-chefe do grupo, Stan Bharti, diz: “este é um pôster interessante, temos uma companhia – Potássio do Brasil, a Brazil Potash – que estamos desenvolvendo, deve entrar em produção logo”.

Uma semana depois, em meio ao encontro da cúpula dos Brics em Brasília, Stan Bharti e Tao Yang — presidente da construtora chinesa Citic, parceira da mineradora Potássio do Brasil— discutiram os planos da companhia com o vice-presidente Mourão, como mostra a agenda do Planalto.

Entre 2020 e 2021 houve pelo menos outras sete reuniões do Executivo só com representantes da mineradora. No mesmo período, o governo federal criou a Pró-Minerais Estratégicos, uma política federal que dá “apoio ao licenciamento ambiental” de ambas as mineradoras ligadas ao F&M na Amazônia.

Um dos documentos mostra que, em 2020, ao menos uma destas companhias —a Potássio do Brasil— já antecipava a futura classificação de seu projeto como “estratégico” pelo governo.

No material, há um slide com fotos da assinatura de contratos entre a mineradora e o governo Bolsonaro, com a presença de Stan Bharti e Hamilton Mourão. “Potássio do Brasil é considerada de ‘importância nacional’ pelo ‘governo federal'”, diz o documento. Procurada, a vice-presidência da República não respondeu até a publicação.

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