Minority Report – A Nova Lei Chegou

Filme de ficção científica dirigido por Steven Spielberg, lançado em 2002 e estrelado por Tom Cruise, Max von Sydow e Colin Farell, é baseado no conto com o mesmo título escrito por Philip K.Dick, se passa no ano de 2054 em que há um sistema que permite que crimes sejam previstos com precisão, o que faz a taxa de assassinatos cair para zero. O problema começa quando o detetive John Anderton (Tom Cruise), um dos principais agentes do combate ao crime, descobre que foi previsto um assassinato que ele mesmo irá cometer, colocando em dúvida sua reputação e a confiabilidade do sistema largamente baseado na ideia de “pré-crime”, conhecimento prévio de atos delituais fornecido por três videntes chamados “precogs”, tema central trata da questão do livre arbítrio contra o determinismo.

Muito bem, isto dito, nesta terça-feira, 16, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol teve seu mandato de deputado federal cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por decisão unânime de seus sete ministros, a ação apresentada pela Federação Brasil da Esperança (PT, PCdoB e PV) e pelo PMN questionava o registro de candidatura de Dallagnol, principalmente pelo argumento de tentativa de burlar a Lei de Inelegibilidade e da Ficha Limpa, ao deixar o cargo de procurador enquanto era alvo de sindicâncias que eventualmente poderiam resultar em aposentadoria compulsória ou demissão, ao pedir exoneração antes do início dos procedimentos administrativos teria, portanto, incorrido em manobra para evitar a condenação.

Os ministros do TSE entenderam que ele cometeu irregularidade ao pedir sua exoneração para concorrer as eleições de 2022 enquanto respondia a sindicâncias internas antes da instauração formal de procedimentos administrativos que ao seu final poderiam eventualmente levar a aplicação de penalidades, “o pedido de exoneração teve o propósito claro e específico de burlar a incidência da inelegibilidade”, escreveu o ministro Benedito Gonçalves, relator do caso.

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É dizer Minority Report chegou em nossos dias, não somente o judiciário eleitoral está neste caso tratando de combater o “pré-crime” como está de igual forma promovendo um julgamento “pró-futuro”, em uma tacada só a vidência neste episódio prevê com antecedência sem igual que os atos pelos quais o ex-procurador respondia em sindicâncias internas antes de ser instaurado procedimento próprio com direito a coleta de provas, testemunhos, instrução, assegurado contraditório e ampla defesa (pelo menos de se esperar que fossem princípios observados) já se configuravam como delitos, como também lançou ao futuro a sua visão ao concluir que tais procedimentos se instaurados levariam inexoravelmente a penalidade de aposentadoria compulsória ou demissão.

A permanecer este estado de coisas não há mais o que ser feito, Dallagnol não pode se defender de algo que a si não foi imputado formalmente em procedimento próprio como também não pode recorrer de uma penalidade que não lhe foi aplicada visto que inexistente o dito procedimento, isto tudo só vale para a interrupção de seu mandato haja vista o precedente agora adotado pela Corte Eleitoral de que o “pré-crime” que pode levar a uma possível condenação “pro-futuro” já basta para configurar a irregularidade ante o pedido de exoneração para concorrer as eleições.

Desnecessário mencionar o precedente perigosíssimo que temos, desrespeito a garantias constitucionais, devido processo, julgamento com base em entendimentos do que eventualmente haveria de acontecer, dentre outros.

Em outra faceta de eventos dignos de filmes de ficção como sói ser este em que nos embasamos, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que isenta partidos políticos de multa por casos de descumprimento de cotas de gênero e raça, dentre outras irregularidades, desde 2015.

Projeto com ampla aceitação, governo e oposição, PT e PL de mãos dadas como nunca antes se viu na história deste País, se aprovada esta anistia poderá custar aos cofres públicos cifras que giram em torno de R$6 a R$22 bilhões, fora o custo financeiro ter-se-á o maior retrocesso na luta incansável de homens e mulheres pela paridade de gênero e raça, sim, posto que hoje ao ingressar com candidaturas devem os partidos por força de lei reservar 30% de suas vagas para mulheres e negros, garantindo equidade na distribuição de recursos, além de materiais de campanha, tempo de rádio e tv, todos partidos sem exceção, incluso o Partido da Mulher Brasileira, acabam de inobservando em algum aspecto esta lei e por isso multas pesadas são aplicadas.

Com a medida que se quer impor via emenda constitucional, ao ver deste articulista mesmo sendo emenda a Constituição já nasce contrária ao princípio da vedação de retrocesso e por isso em seu nascedouro é inconstitucional, instaura-se a impunidade não só no presente como também “pró-futuro”, afinal que partido irá observar a lei de cotas se pode contar com o futuro perdão e anistia de eventual penalidade aplicada?

Por último, mas não menos importante, neste passeio nada ficcional que fazemos, a Ordem dos Advogados do Brasil diante de todo o debate recente sobre controle e combate as fake news, propôs regulamentação de plataforma digital, com vaga em “Conselho de Políticas Digitais”.

De acordo com a proposta encaminhada pela Comissão Especial de Direito Digital do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), o sistema regulador será composto por três órgãos, sendo eles: Conselho de Políticas Digitais (CPD), Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e Entidade de autorregulação, com importante detalhe, a Ordem já pleiteia uma vaga junto ao sugerido Conselho de Políticas Digitais com mandato de dois anos e permitida a recondução.

Independente da viabilidade e das questões políticas envolvidas, principalmente no que pertine a regulamentação do projeto de lei 2630/20 (PL das fake news) com a existência de um órgão ou sistema de controle de notícias, temos a Ordem silente com questões as mais variadas, só para ficar na área da comunicação, nada disse ou fez diante da aplicação de penalidades inexistentes ao aplicativo de mensagens Telegram, fica silente diante da violação de direitos dos advogados dos mais de 800 denunciados nos atos de 08 de janeiro que não conseguem acesso integral aos autos e o conteúdo das investigações, nada disse ou fez efetivamente para que as sustentações orais fossem devidamente apreciadas pelos ministros (há notícias de casos em que mesmo com a entrega gravada da sustentação oral o voto e julgamento já estavam proferidos), sequenciais violações as garantias processuais, direitos humanos ficam ao largo sem qualquer manifestação e na aparente falta de causas a defender não somente a classe da advocacia, mas de toda a sociedade vem propor algo em um projeto em que diversos juristas já se manifestaram que vai ao encontro do constitucional direito à liberdade de expressão.

Detalhe importante, na sugestão de formação deste tal Conselho de Políticas Digitais pleiteia-se uma vaga para a Ordem, mas nada diz (como parece estar sendo corriqueiro) quanto a participação e garantia de vaga ao setor de mídia, com a inclusão de jornalistas, profissionais de comunicação, pessoas que efetivamente vivem da e para notícia.

Enfim, Minority Report chegou, só espero que não para ficar do contrário é cada um por si, construindo bunkers como diria o professor Lenio Streck, aguardando o juízo final.

Anderson F. Fonseca é professor de Direito Constitucional, advogado e especialista em comércio exterior e Zona Franca de Manaus.

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(*)Advogado; Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB Nacional); Professor de Direito Constitucional e Internacional. Coordenador da International Religious Liberty Association (IRLA) para a Região Noroeste do Brasil; Mestre e Doutorando em Direito.

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