Modulação epigenética: é possível que a alimentação balanceada ‘zere’ genes de doenças entre pais e filhos?
04 de março de 2022
Ilustração de uma molécula de DNA. (Reprodução/ Internet)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS — A influenciadora digital Maíra Cardi causou polêmica nas redes sociais após declarar, em entrevista ao programa Hora do Faro, da emissora Record, que fez “modulação epigenética” antes de engravidar. Segundo a coach, ela e o marido, Arthur Aguiar, participante do Big Brother Brasil 22, mudaram a alimentação antes da gravidez da pequena Sophia Cardi, de 3 anos, para “zerar a genética de doenças”. Os principais questionamentos que surgiram com a declaração foram: o método tem eficácia comprovada pela ciência? É possível zerar genes e não transmitir doenças de pais para filhos?
A biomédica geneticista Andrea Leite conversou com a CENARIUM nesta sexta-feira, 4, e explicou que a epigenética é a capacidade que o corpo humano desenvolveu de ativar ou desativar alguns dos genes de acordo com o ambiente ou o estilo de vida que se leva, mas sem alterar o DNA.
“A epigenética estuda a capacidade do nosso organismo de modificar a expressão de genes por meio do ambiente e hábitos de vida. Essa mudança na expressão é reversível, ou seja, em determinado momento um gene pode ser expresso e em outro não. Uma boa analogia seria a de um interruptor, por meio de diferentes mecanismos existentes nos nossos genes que podem ser ligados ou desligados. O que ocorre nas doenças genéticas são alterações nas sequências do DNA como, por exemplo, deleções, duplicações, inversões, e outras mudanças na sequência do material genético”, explicou.
A biomédica geneticista Andrea Leite. (Reprodução/ Instagram)
Ainda segundo a biomédica, os alimentos e o estilo de vida não são capazes de mudar essa sequência, portanto é impossível “zerar” genes. Se um indivíduo tem uma mutação responsável pelo aumento do risco de desenvolver uma doença, a alimentação não será capaz de alterar essa mutação.
“O que pode acontecer é apenas a modulação da expressão, permitindo que o interruptor seja acionado para ligar ou desligar os genes. Os estudos na área de epigenética nos mostram que por meio de uma boa alimentação e a prática de bons hábitos como atividade física frequente podem criar um ambiente que auxilie na prevenção de determinadas doenças. Portanto, é impossível zerar genes por meio da epigenética”, reforça ela.
A nutricionista especializada na área clínica Bianca Menezes reforça a análise da biomédica e enfatiza que a modulação genética para zerar genes “não tem fundamento” e que há estudos que comprovam que dependendo do estilo de vida da pessoa e de alguns fatores externos podem haver pequenas alterações no processo químico em torno dos genes, porém, não é possível transferir para um descendente.
“Um determinado tempo de dieta não muda um gene. A epigenética citada por ela é uma pesquisa científica que estuda as modificações das funções genéticas que são herdadas, mas que não alteram a sequência de DNA do indivíduo. Com isso, podemos desconsiderar essa ideia imposta”, explica ainda.
A declaração da influenciadora repercutiu nas redes sociais (Twitter)
Riscos da desinformação
A biomédica geneticista Andrea Leite ainda pontua os riscos que declarações como a que foi feita pela influenciadora Maíra Cardi podem trazer riscos para a sociedade.
“Essa informação pode fazer com que algumas pessoas acreditem que nunca desenvolverão uma doença como o câncer, por exemplo. O que pode implicar num menor cuidado com a saúde uma vez que acredita-se ter ‘zerado’ aquele gene. Também pode influenciar em outras ações como diminuição do diagnóstico precoce e a possibilidade de um tratamento mais eficaz quando a doença é descoberta em seu início”, explica ela.
Ela também acrescentou. “E ainda tem o sentimento de culpa que pode gerar desnecessariamente em pais e mães que vão se sentir responsáveis pelas doenças dos seus filhos”, reforçou.
Já a nutricionista Bianca Menezes aponta que a desinformação é “um grande desserviço para sociedade”. A falta de informação pode trazer prejuízos, por desviar totalmente o foco real dos benefícios de uma alimentação saudável, colocando uma expectativa que não será suprida”, finaliza.
A nutricionista Bianca Menezes. (Reprodução/ Arquivo Pessoal)
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