Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium
MANAUS — “Inacreditável”, “vergonhosa”, “grotesca”, “inaceitável”, assim definiram líderes do movimento negro, políticos e o presidente da Comunidade Congolesa no Brasil, Fernando Mupapa, em críticas à fala de Sérgio Camargo, titular da Fundação Palmares, após ele ter feito uma postagem nas redes sociais chamando de “vagabundo” o congolês Moïse Kabagambe, de 24 anos, assassinado em um quiosque no Rio de Janeiro.
Para o jurista militante da causa racial e presidente do Instituto Nacional Afro Origem (Inaô), Christian Rocha, Moïse foi vítima do racismo estrutural que existe no Brasil. “Se para um brasileiro o mercado de trabalho é difícil, você imagina para um africano nato. O Moïse não era um vagabundo, ele só é o resultado de todo esse processo do racismo estrutural que existe em nosso País. Quer um exemplo? Depois que aconteceu isso (o assassinato dele), rapidinho a família dele ganhou um quiosque”, destacou Christian Rocha.
Veja também: No Rio de Janeiro, polícia prende três suspeitos pela morte de congolês
O líder do movimento negro afirma que não entende Sérgio Camargo que, mesmo estando em uma pasta para promover a igualdade racial, não atua em defesa da comunidade. “Eu não consigo entender como alguém, que é contra a luta da comunidade negra, goste de estar e quer ficar à frente (da fundação). Parece que o presidente tem um certo interesse em tentar desconstruir a luta do movimento e da comunidade negra”, elencou o jurista.
À REVISTA CENARIUM, Christian Rocha fez uma análise sobre a postura do presidente da Fundação Palmares e criticou falta de ações quando acontecem crimes contra negros. Na avaliação do militante, Sérgio Camargo está digladiando com a comunidade negra, em geral, no Brasil, que por séculos sofreu com a escravidão e cujos reflexos desse período ainda permanecem na sociedade.
“As pessoas se revoltam contra o Holocausto ou quando falam alguma coisa contra os judeus, assim como eu me revolto, mas você já percebeu que não existe a mesma revolta quando alguém fala da comunidade negra? E o Sérgio Camargo se aproveita dessa sensação. Parece que todos têm uma autoridade, que todos têm uma carta-branca para matar negros e é esse ‘viralatismo’ que nos deixa tristes”, lamentou Rocha.
‘Mais uma vez’
Para o ativista do movimento negro e presidente da União de Negros pela Igualdade do Amazonas (Unegro-AM), Ruan Wendell, é inacreditável que falas como a de Sérgio Camargo, mais uma vez, sejam vistas e ouvidas. O militante afirma que as declarações do presidente da Fundação Palmares fortalecem as desigualdades sociais e o racismo no Brasil.
“Em 2022, é inacreditável que ainda tenhamos que ver e ouvir publicações e falas como essa. Mais uma vez observarmos o quanto esse governo é despreparado e sem responsabilidade com os direitos humanos. Falas desse porte, de uma figura pública, ainda mais de um negro, só fortalecem as desigualdades sociais e o racismo no Brasil. Deixamos claro que esses tipos de atitudes são combatidas com muita força pelo movimento Negro brasileiro”, disse Ruan Wendell à REVISTA CENARIUM.
Wendell afirma que o Brasil foi construído em três pilares de preconceitos, são eles: o machismo, o racismo e o patriarcado, caracterizados, respectivamente, pela recusa da igualdade entre homens e mulheres; pelo preconceito e discriminação motivada pela cor da pele ou origem étnica; e pelo sistema sociopolítico de favorecimento do homem, colocando-os no poder.
“Por esse motivo, precisamos desenvolver mecanismos que derrubem esses sistemas que são implementados para pessoas de cor no Brasil. O racismo estrutural não só isola (as pessoas) das oportunidades, como exclui e mata pretos e pretas diariamente. A postura de Sérgio Camargo é de um elitista, que não conhece a necessidade das favelas brasileiras”, comentou Ruan Wendell.
“Precisamos deixar claro que Moïse foi morto com requintes de crueldades. Nós, do movimento Negro de todo o País, estamos se movimentando para que esse crime não fiquei impune, e que todos os responsáveis sejam presos e paguem pelo crime”, reforçou o ativista.
Naturalizado
O racismo estrutural é o termo usado para designar estruturas de organização da sociedade e das instituições baseadas na discriminação que privilegia determinado grupo social ou étnico. Para o jurista Christian Rocha, essa categoria de racismo está naturalizado no Brasil.
“As pessoas naturalizaram o racismo no Brasil e é por isso que pessoas como Sérgio Camargo podem dar essas declarações, porque as pessoas confundem liberdade de expressão com direito de ofender. E o nosso instituto vem combatendo isso de uma forma educativa, levando as pessoas a um campo de reflexão”, salientou Christian Rocha.
“Lamento muito a declaração de Sérgio e gostaria muito que ele expressasse a nobreza em deixar esse cargo e colocasse pessoas que querem, realmente, promover a igualdade no Brasil. Ele, nesse cargo, não tem nada a ver com a comunidade negra, mas com a destruição daquilo que já foi conquistado”, finalizou.
Compartilhe:
Comentários