Morar, comer e se locomover ficou mais caro com alta recorde do IPCA em quase 30 anos

O IPCA já acumula alta de 10,25% com a soma dos últimos 12 meses, sendo que mais da metade disso ocorreu apenas desde o início de 2021: 6,90%. (Reprodução/Internet)
Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – Ter onde morar, meios para se locomover e alimentos sobre a mesa passou a custar ainda mais para o bolso do brasileiro, em setembro, mesmo que a elevação dos preços não seja mais uma novidade. Habitação, Transporte, Alimentos e Bebidas estão entre os grupos de produtos que mais encareceram no último mês, como resultado da alta recorde de 1,16% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Esta é a maior variação do IPCA para um mês de setembro em quase 30 anos: 0,29 ponto porcentual (p.p) em relação à taxa de 0,87% registrada sobre o índice de preços em agosto deste ano. O salto é quase o dobro do observado em setembro de 2020, que foi de 0,64%, de acordo com os dados divulgados na sexta-feira, 8, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), sendo também o mais expressivo desde 1994, quando o indicador bateu aumento de 1,53%. 

Necessidades básicas, preços nas alturas

Ao todo, oito grupos ficaram com preços mais elevados no mês passado, mas foram os setores de Habitação, Transportes, Alimentação e Bebidas que mais encareceram. Juntos, representam 86% do resultado. 

GrupoVariação em agosto (%)Variação em setembro (%)
Índice geral0,871,16
Alimentação e Bebidas1,391,02
Habitação0,682,56
Artigos de Residência0,990,90
Vestuário1,020,31
Transportes1,461,82
Saúde e Cuidados Pessoais-0,040,39
Despesas Pessoais0,640,56
Educação0,28-0,01
Comunicação0,230,02
Fonte: IBGE/IPCA

O IPCA já acumula alta de 10,25% com a soma dos últimos 12 meses, sendo que mais da metade disso ocorreu apenas desde o início de 2021: 6,90%. Para a economista Denise Kassama, que também é vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), o significado é um só: o brasileiro leva cada vez menos sacolas para casa.
 
“Sabe aquela sensação, ao fazer compras, de que você está levando cada vez menos com o mesmo recurso? Infelizmente não é uma sensação”, avaliou a especialista que observa uma forte tendência inflacionária na economia do País. 

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Sofrimento acentuado

A economista avalia que o aumento dos preços é muito mais prejudicial para as classes mais baixas da população devido à alteração dos valores cobrados por aluguel de imóveis e da tabela de preços dos alimentos, além dos itens de primeira necessidade. “O aumento sistemático de itens da cesta básica tem corroborado para a perda do poder de compra dos salários, aumentando assim os indicadores de pobreza na população brasileira”, detalhou Kassama.

Alta dos preços tira o poder de compra dos salários, segundo a economista Denise Kassama. (Reprodução/Acervo pessoal)

Para o sociólogo, advogado e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Helso Ribeiro, a “bola de neve” de instabilidade pela qual passa o sistema financeiro brasileiro também é muito mais desastrosa para as famílias de baixa renda, contribuindo para o aumento da extrema pobreza, que atinge, apenas na região Norte, quase 12% da população.

“Quando esse aumento se dá, os chamados hipossuficientes são os primeiros da cadeia da sociedade que sofrem esse impacto. A classe média e a classe mais abastada têm como combater essas altas – mesmo até com aplicação de seu dinheiro para tentar se prevenir -, mas, as classes C e D, não. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco”, avaliou Ribeiro.

“O aumento gera uma escassez de um leque de alimentos que poderiam ser comprados. Aí, a população, principalmente, das classes C, D e E acabam tendo de se resumir a produtos de qualidades questionáveis e não tão diversificados, colocando essas pessoas fora do padrão de alimentação mínima”, destacou o especialista.

Para o sociólogo, advogado e professor Helso Ribeiro, quem mais sofre são as classes C, D e E. (Reprodução/Acervo pessoal)

O sociólogo aponta também que apesar de o Norte brasileiro ter grande potencial com empreendimentos como o Polo Industrial de Manaus, no Amazonas, e, até mesmo a grande expansão agrícola de Rondônia, disparidades internas são observadas.

“As cicatrizes do aumento da pobreza vêm em cascata, com outros resultados: aumento da criminalidade e evasão escolar, por exemplo, tendo em vista que pais colocam crianças para trabalhar muito cedo por conta dessa dificuldade (…) isso gera um abismo imenso entre abastados e uma grande população excluída, o que não é só da região, é do Brasil. Porém, no Norte, é muito visível”, lamentou. 

“Resta aos abastados aumentar seguranças e muros de seus condomínios. E, ao resto da população, aguentar a violência, por exemplo. Mais uma vez, uma lástima da população brasileira”, acrescentou o sociólogo, advogado e professor.

Escolhas e consequências

Na opinião de Helso Ribeiro, assim como se ensina para a população com menor poder aquisitivo como substituir alimentos caros, falta ainda aprender a substituir representantes políticos com responsabilidade.

“Muitas pessoas necessitam do combustível fóssil para o trabalho como diesel, gasolina e etanol. E, tá lá o preço: na bomba. Não há como falar que vai abastecer sua máquina com energia eólica ou solar. Cabe ao cidadão, ao eleitor, àquela pessoa, individualmente, fazer cobranças, sim, aos seus representantes”, disse. “E as escolhas feitas, principalmente, pela equipe de economia do ministro Paulo Guedes têm mostrado que não são escolhas dignas de aplausos”, disse. 

“A perspectiva da equipe econômica do governo seria de uma inflação de 3,8%. “Ou seja, a direção da economia brasileira está fora dos trilhos nessa perspectiva de fazer planos, porque já se sabe que a inflação será acima de 10%”, afirmou Helso Ribeiro. 

Insatisfeita, a economista Denise Kassama concorda com a avaliação de Ribeiro. “A atual política monetária de aumento da taxa de juros não tem se demonstrado eficiente para controlar a inflação, uma vez que a tendência de alta dos preços não foi contida. Cabe lembrar que o índice de desemprego no País ainda está na faixa de 14%, mas, se considerarmos os desalentados e os subempregados, essa taxa é maior ainda”, ressaltou a vice-presidente do Cofecon.

“Atualmente, cerca de 27 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. É preciso que as políticas econômicas estimulem o retorno da atividade econômica, estimulando a produção, e, consequentemente, a geração de emprego e renda no País”, finalizou Kassama.

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