Motoristas por aplicativo formam rede de apoio para enfrentar desassistência de plataformas
28 de dezembro de 2023
Pessoa com as mãos no volante de um carro (Rovena Rosa/Agência Brasil)
Filipe Távora – Da Revista Cenarium Amazônia
MANAUS (AM) – Para contornar a ausência de garantias trabalhistas e precarização da atividade, motoristas por aplicativos de Manaus têm montado redes de apoio a fim de garantir manutenção da renda perdida quando adoecem ou sofrem acidente durante o cumprimento da função.
Antônio da Costa Lima, 54, líder de um grupo de condutores de aplicativo, explica que quando um dos membros é acometido de uma enfermidade, as alianças encarregam-se de conseguir verbas para ajudar os necessitados.
“Planejei uma feijoada para levantar dinheiro por causa de um motorista cuja casa pegou fogo. Quando cheguei no local, chorei. Tudo pegou fogo, ele ficou só com as roupas do corpo. Queremos arrecadar R$ 5 mil para ajudar. Também chegamos a atender um motorista cujos rins foram paralisados devido à falta de ingestão de água”, contou.
O motorista de aplicativo Antônio da Costa Lima (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Segundo o condutor, existem dois fatores que atrapalham a maximização do lucro adquirido por esses profissionais: o percentual cobrado pelas plataformas sobre as corridas e o preço da gasolina. Além desses elementos, o motorista também gasta dinheiro com compra/aluguel de veículo e sua manutenção. “O percentual cobrado pelas plataformas é injusto e fadiga o condutor, que é obrigado a trabalhar até quatorze horas por dia”, disse.
Menos rendimento
O sociólogo e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marcelo Seráfico sustenta que, hoje, os trabalhadores precisam trabalhar muito mais para ganhar menos. Para ele, a perda de direitos trabalhistas, característica de trabalhos informais, representa um retrocesso do ponto de vista de condição de vida.
“Aquelas conquistas que redundaram em direitos na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) começam a ser retiradas sob o argumento de que as pessoas têm duas alternativas: ou ter direitos e não ter renda, ou não ter direitos e ter acesso à renda. Há uma inversão do debate, que torna a questão da renda estritamente individual, de escolha de cada um, e não como um problema político que envolve toda a sociedade”, declarou.
O cientista social e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Marcelo Seráfico
Segundo Seráfico, o motivo da precarização das relações de trabalho relaciona-se a uma reestruturação produtiva do capitalismo, caracterizada pela intensificação do uso de tecnologias nos processos produtivos, o que gera redução do uso de forças de trabalho.
“Isso cria um enorme contingente de trabalhadores ociosos preparados, muitos deles, mas sem oportunidades de trabalho. Essa situação levou a uma série de modificações na legislação trabalhista do mundo inteiro que fragilizaram a posição dos trabalhadores em relação aos grandes empresários”, disse.
Precarização
No site da empresa, a Uber informou ter 1 milhão de motoristas e entregadores parceiros no País, segundo dados do primeiro trimestre de 2022. Em setembro deste ano, a empresa foi condenada, em primeira instância, a pagar indenização de R$ 1 bilhão a colaboradores e a contratar, formalmente, com carteira de trabalho, todos os condutores registrados no aplicativo.
A decisão foi emitida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região (TRT-2) em 14 de setembro. Cabe recurso.
Na avaliação do sociólogo Israel Pinheiro, o processo de precarização do trabalho começou nos anos 1990 e perdura até hoje. Segundo o profissional, uma das pautas de reivindicação dos motoristas de aplicativo de mobilidade urbana é o fato de que há uma relação de prestação de serviços desses profissionais, às empresas, sem que haja um contrato de vínculo trabalhista.
“Não se tem um contrato junto à empresa, mas um contrato de relação de serviço, ou seja: de prestação de serviços a partir da demanda da empresa. Esse processo de precarização tende a se agravar e fazer com que diversos trabalhadores extrapolem o horário de trabalho. Muitas vezes, motoristas de aplicativo precisam alugar um carro ou moto. As jornadas são mais de oito horas de trabalho para atingir uma meta diária”, afirmou.
O sociólogo Israel Pinheiro (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Pinheiro declarou, ainda, que é necessário que a comunidade científica amazonense produza material de pesquisa a respeito das condições de trabalho dos motoristas de aplicativo no Amazonas. Conforme ele, o trabalho desses servidores ocorre “nas piores condições possíveis”.
Perda de direitos
O Brasil registrou uma taxa de informalidade de 39,1%, no mercado de trabalho, no trimestre até agosto de 2023. Havia 38,933 milhões de trabalhadores atuando na informalidade durante esse período, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) apurada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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