Movimento pela ‘independência’ da Amazônia busca instalação de um País no norte do Brasil

Movimento pela 'independência' da Amazônia encontra resistência total nos políticos da região(Reprodução/Divulgação)

Mencius Melo – da Revista Cenarium

MANAUS/BELÉM – “O Brasil é uma nação invasora da Amazônia”, assim falou de Belém, no Pará, à reportagem da REVISTA CENARIUM, o sociólogo Ângelo Madson Tupinambá, diretor de comunicação da “Associação Cultural dos Povos da Amazônia”, Organização Não Governamental fundada em 2019 e registrada oficialmente em Manaus, no Amazonas.

Manifestação com participação das bandeiras do movimento independentista nas ruas de Belém do Pará (Reprodução/ Divulgação)

O movimento ‘independentista’ e não ‘separatista’ – como quer que seja reconhecido – segundo o historiador Julian Machado, de Manaus, é inspirado na maior revolução popular que aconteceu no norte do Brasil: a Cabanagem. Não é à toa que o movimento é chamado de ‘Cabanagem 2.0’.

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Entre as pautas independentistas estão a adoção de uma bandeira única do futuro País ‘República dos Povos da Amazônia’, cuja capital seria Santarém, no Pará, que se tornaria um distrito neutro e formaria uma espécie de corredor diagonal para interligar as grandes cidades de Belém (PA), Manaus (AM) e Porto Velho (RO).

“Sempre existiu esse sentimento de pertencimento a uma nação que tem uma história e uma cultura única e um único povo que é o povo amazônida”, destacou Ângelo Tupinambá.

Endocolonialismo

Para o sociólogo, é preciso romper com o endocolonialismo do Estado nacional brasileiro e com as ideias que estão cristalizadas no imaginário popular e no discurso oficial. “Tudo que acontece de ruim com a nossa região tem o dedo do Brasil”, criticou Ângelo.

Manauaras e belenenses com a bandeira da República dos Povos da Amazônia, nas escadarias do Teatro da Paz, em Belém (Reprodução/ Internet)

“Vivemos subjugados ao longo da história, história essa alicerçada na retórica demográfica de que a Amazônia é um ‘grande vazio humano’, o que, obviamente, não é verdade”, observou.

Já o historiador manauara Julian Machado reforça que é questionável o papel atribuído ao Estado brasileiro, na formação geopolítica da Região Norte. Ele reforça que Portugal tinha duas colônias: o Brasil e o Grão – Pará.

“O Grão – Pará não dialogava com o Rio de Janeiro (então capital da colônia) e era uma província totalmente ligada a Portugal, tanto é que nossa anexação ao Brasil tem exatos 197 anos, só que isso não é ensinado nas nossas escolas”, observou o historiador.

Por sua vez, para o sociólogo paraense, a cultura de relegar ao norte um papel secundário está na raiz da história. “A Amazônia e o Brasil têm histórias completamente diferentes e a nossa primeira luta é convencer o nosso povo sobre essa realidade”, declarou.

Tentáculos

Como o movimento é recente, a organização está buscando tentacular em todos os Estados da Amazônia. Com núcleo político em Belém e em Manaus, Ângelo informa que já existem adeptos em Roraima, Rondônia, Tocantins e Amapá, além de Pará e Amazonas, claro.

Militante com a bandeira antropológica da República Amazônica, em Humaitá, no Amazonas (Reprodução/ Internet)

“Estamos buscando aliados no Acre, que é o único Estado que ainda não conseguimos avançar”, acrescentou Ângelo Tupinambá.

Apesar de lembrar movimentos divisionistas, como os que atuaram na Espanha e na Irlanda até os anos 1990, a organização descarta qualquer propensão à luta armada e avalia no futuro tornar-se um partido político.

“Nossa organização é cultural e o plebiscito é a nossa bandeira, por isso acreditamos que nosso viés tem um papel sedutor, pois precisamos ganhar corações e mentes”, definiu Tupinambá.

Como exemplo, Ângelo cita o próximo passo cultural do grupo que é lembrar, no dia 16 de outubro, o “Massacre do Brigue Palhaço*” ocorrido em Belém, no ano de 1823. “Precisamos resgatar essas datas que são muito importantes para a reafirmação da nossa história”, comentou.

“Nossa luta prioritária é conseguir fazer com que a história da Amazônia passe a fazer parte da grade curricular do ensino básico na nossa região”, declarou Julian Machado.

“É uma aventura…”

Para o professor de Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio, a proposta de independência da Amazônia não tem amparo na realidade.

Com a proposta de recuperar o Nheengatú – a língua geral dos povos da Amazônia – o movimento tem amplo material de divulgação na internet (Reprodução/ Divulgação)

“É até romântica, bonita, motivacional, folclórica, mas é completamente irreal. É uma aventura”, sintetizou.

Segundo o sociólogo, é possível entender a revolta, mas é preciso compreender que estar no ‘centro’ das decisões não significa ter melhor qualidade de vida.

“Se fosse esse o caso, bairros periféricos de Manaus, que abrigaram o palácio do governo como o Santa Etelvina (periferia da Zona Norte de Manaus), seriam uma maravilha. Aliás, o bairro da Compensa (Zona Oeste de Manaus) abriga hoje as sedes do governo e da prefeitura da cidade, nem por isso a Compensa é um brinco, pelo contrário…”, realçou.

Ainda segundo Luiz Antônio, não é preciso se descolar de Brasília para obter ganhos. “A questão é que precisamos ter robustas políticas nacionais, por exemplo: antes do governo Lula, tínhamos poucas escolas técnicas, ao final de seu governo, foram construídas 400 escolas espalhadas por todo o Brasil, inclusive nos Estados da Amazônia”, observou.

“Um desligamento do Brasil nos forçaria a construir o Poder Judiciário, Legislativo, Executivo, a estrutura de saúde, educação, segurança, alimentação, fora que, para se configurar em realidade nacional, teríamos também que ter uma base de ciência, tecnologia, comércio e indústria. Não é simples”, observou.

Para concluir, o acadêmico considerou: “É muito mais sofisticado que essas pessoas lutem para fazer política de qualidade”, finalizou.

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