MP processa mulher de vice-governador do AM, juiz absolve e promotor recorre após omissão

Tarciana e Carlos Almeida: processo polêmico perdura há mais de dez anos (Reprodução)
Paula Litaiff – Da Cenarium

MANAUS – Acusada de alterar o nome do próprio pai na certidão de nascimento para receber a pensão da mãe, que ela mesma interditou, e denunciada por fraude em documentos empresariais para concorrer em licitações, a mulher do vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida, a estudante Tarciana Almeida, 32 anos, responde na Justiça por três crimes: falsificação de documentos, uso de documentos falsos e estelionato.

Em tramitação desde 2010, a ação penal contra Tarciana só foi julgada em 2020, quando Carlos estava no segundo ano de mandato. Apesar das provas e testemunhas apresentadas pelo Ministério Público (MP-AM) em um processo com quase 500 páginas, Tarciana foi absolvida pelo juiz Áldrin Henrique de Castro, que ignorou as denúncias de fraudes e foi chamado de “omisso” pelo promotor de Justiça Daniel Brito Leite. Em julho, completará um ano que o magistrado “analisa” o embargo do MP-AM.

(Reprodução/TJAM)

Conhecido pela numeração no Código de Processo Penal (CPP), o estelionato está previsto no Artigo 171 do CPP e classifica como crime o ato de obter para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, cuja pena é de um a cinco anos e multa.

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(Reprodução/TJAM)

No Código Penal, os artigos 297 e 304 descrevem os crimes de falsificação de documento público e uso de documento falsificado, respectivamente, com pena de até seis anos.

A mulher de Carlos Almeida negou as ilegalidades, as quais ela foi acusada junto com o ex-marido e ex-sócio, à época, Glenis Steckel, o “Catatau”. Ele é réu em outras quatro ações penais, entre elas a de falsificação de documentos para obter a restituição do Imposto de Renda (IR).

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Em 2010, Glenis e Tarciana formavam um casal (Reprodução/TJAM)

Origem e denúncia

Tarciana e Glenis foram denunciados, em 2010, pelo empresário Ricardo Luiz Ribeiro da Silva, cunhado de Tarciana, primo de Glenis e “compadre” do casal. Em documento formalizado ao procurador-geral de Justiça do Amazonas, Ricardo declarou que os dois usavam documentos falsos para receber contratos da Prefeitura do Município de Carauari (a 780 quilômetros de Manaus).

Formalização da denúncia contra Tarciana Almeida (Reprodução/TJAM)

Constatou-se que no sistema Infoseg (Segurança Pública), há informação da existência de uma empresa com nome comercial J. G. Construções Ltda., e no sistema da Receita Federal consta que Glenis Gomes Steckel utilizou-se do nome de Glenis Albrecht Steckel para criá-la. Já Tarciana, que, na época, tinha o sobrenome “Marques Evangelista Steckel”, usou o nome de Tarciana Marques Porto no contrato de constituição da empresa Steckel e Porto Ltda.

(Reprodução/TJAM)

As duas empresas do casal e a da de Ricardo Luiz, a Ribeirão Construções Ltda., passariam a participar dos processos de licitação em prefeituras no interior do Amazonas. O acordo, segundo o denunciante, no caso de contratação da empresa de Ricardo, seria de ele repassar parte do valor a Tarciana.  

(Reprodução/TJAM)

No processo de “organização” das três empresas para participar das concorrências públicas em Carauari, Ricardo Luiz viu distorções nos documentos civis de Tarciana, mulher de Carlos Almeida. No registro da empresa dela, ela assinou como “Tarciana Marques Porto”, mas no Registro Geral de Identidade, ela se identificou como “Tarciana Marques Evangelista”.

Paternidade controversa

Ricardo Luizque é marido da irmã de Tarciana Almeida, estranhou o sobrenome paterno “Porto” no registro da empresa dela, uma vez que ela assinava o último nome com “Evangelista”, oriundo do juiz falecido João Raymundo Evangelista, sogro dele.

Com o sobrenome do pai juiz, Tarciana ficou responsável pela pensão deixada por ele à mulher, mãe dela, Gracinha Carmem Marques Evangelista, após conseguir a interdição de Gracinha por esquizofrenia. A mulher de Ricardo e irmã de Tarciana não obteve o direito de receber a pensão, porque, segundo o processo, sofre da mesma doença.

Ao investigar por conta própria as diferenças dos nomes paternos de Tarciana Almeida, o empresário Ricardo Luiz descobriu que o juiz, o qual ela mantém na certidão de nascimento como pai, faleceu um ano antes de ela nascer. João Raymundo morreu em 1988 e Tarciana nasceu em 1989.

(Reprodução/TJAM)
(Reprodução/TJAM)

Ricardo Luiz chegou a documentos que levavam a outro pai de Tarciana, Adaynor Barroso Porto. Com base nas contradições, a delegada que acompanhou as investigações das denúncias de Ricardo encaminhou um documento à Justiça do Amazonas, suspendendo, na época, o direito de Tarciana receber a pensão pela mãe e irmã.

(Reprodução/TJAM)

Crimes compensados

Na sentença em que absolve Tarciana e Glenis, o juiz Áldrin Henrique de Castro não se manifesta sobre os crimes de falsificação de documento público (Art. 297 do CPP) e de uso de documento falsificado (Art. 304 do CPP) sob a alegação de que a acusação de estelionato se sobressai às outras duas práticas ilegais.

No desfecho, o magistrado diz que “é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência que o crime de falsificação de documentos é considerado meio para o crime-fim que é o estelionato. Na realidade, em tais circunstâncias o agente visa exclusivamente a obtenção de vantagem patrimonial indevida. Seu dolo dirige-se para este único objetivo. Nesse sentido, o crime que serve de meio para o delito de estelionato é absorvido por este”.

Só que ao julgar o crime de estelionato contra Tarciana e Glenis, Áldrin Henrique de Castro alega que “faltou provas”. “Para a configuração do delito de estelionato há a necessidade de coexistir, além da comprovação da materialidade e autoria delitiva, a presença dos elementos configuradores (…)  A falta de qualquer destes elementos descaracteriza o crime previsto no art. 171 do Código Penal”, conclui o juiz.

A reportagem tentou contato com o magistrado, mas não obteve retorno. Na instrução do processo, Tarciana Almeida e Glenis Steckel negam todas as acusações do Ministério Público.  

Veja a sentença aqui

‘Premissas errôneas’

Ao reafirmar a tese da acusação no Embargo de Declarações, o promotor Daniel Leite Brito diz que a sentença do juiz Áldrin Henrique de Castro partiu de “premissas errôneas” ao considerar que a fraude utilizada para a prática do crime do estelionato foi a utilização dos documentos falsos de constituição das empresas J. G. Construções Ltda. e Steckel e Porto Ltda.

Acesse o embargo aqui

“Em verdade, o estelionato foi praticado pelos réus, e provado durante a instrução criminal de forma inequívoca, mediante a utilização de contratação fraudulenta da empresa Ribeirão Construções Ltda.”, apontou o promotor.

Daniel Brito rebate ainda que houve um equívoco na análise do caso concreto, levando o magistrado a proferir sentença com “omissão”, referente à existência do crime de estelionato, tomando-se como base a falsidade de contratação da empresa Ribeirão Construções.

O embargo de declaração do Ministério Público contra a decisão do juiz Áldrin Henrique de Castro foi protocolado no sistema do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) no dia 19 de julho de 2020 e até, hoje, 30 de maio de 2021, o magistrado não analisou o documento.

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