MPF apura uso de transporte indígena para evento do Governo do Pará


Por: Mayra Leal

05 de fevereiro de 2025
MPF apura uso de transporte indígena para evento do Governo do Pará
Transporte foi utilizado para levar indígenas a evento com Helder Barbalho (Composição: Weslley Santos/CENARIUM)

BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) no Pará informou à CENARIUM que investiga suspeita de uso de transporte de saúde indígena no Pará para deslocamento de indígenas a um evento político do governador do Estado, Helder Barbalho (MDB). A informação foi confirmada com exclusividade à reportagem nessa terça-feira, 4.

Denúncia publicada pelo Tapajós de Fato aponta que indígenas de Oriximiná, no oeste do Pará, foram mobilizados e levados à capital do Estado pela Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) para participarem de reunião com Helder Barbalho, na qual foi apresentada proposta para a criação da Política Estadual de Educação Escolar Indígena. O encontro ocorreu no Palácio do Governo, em Belém (PA), na segunda-feira, 3.

Fotos e vídeos mostram indígenas que estiveram presentes na reunião sendo transportados, na capital, em vans e aeronaves destinadas à saúde indígena. Há, também, requisições de voos que indicam a utilização deste meio de transporte para o deslocamento de passageiros que não têm ligação com a saúde indígena.

A CENARIUM questionou o MPF sobre o caso. A instituição instaurou, então, investigação, mas afirmou que não entra em detalhes sobre o assunto. “O Ministério Público Federal (MPF) investiga o caso. Nessa fase inicial de investigação, a instituição não vai se manifestar sobre o tema.”, alegou, por meio de nota.

Confirmação do MPF no Pará à CENARIUM (Reprodução)
Denúncia

Na segunda-feira, Helder Barbalho se reuniu com lideranças e representações indígenas de diferentes regiões do Estado e apresentou proposta de Projeto de Lei (PL) para a criação da Política Estadual de Educação Escolar Indígena. Nessa quarta-feira, 4, nova reunião foi realizada com o grupo para detalhar a proposta. 

A CENARIUM obteve a requisição de voo assinada eletronicamente por Purupamare Lima Gavião, coordenadora distrital de Saúde Indígena no Distrito Guamá-Tocantins (DSEI GUATOC), na qual solicitou voos para transporte de carga e passageiros. O documento, datado do dia 3 de fevereiro, requisitou voos para três destinos: um de Oriximiná (PA) para a capital Belém; outro de Belém para Santarém; e o terceiro de Santarém para Oriximiná.

Os dois últimos voos transportavam equipes da saúde, medicamentos e material de expediente, conforme descreve o documento. Porém os passageiros que foram de Oriximiná para Belém não eram pacientes e nem profissionais da saúde.

Trecho do documento de solicitação dos voos (Reprodução)
Solicitação foi assinada eletronicamente por Purupamare Lima Gavião (Reprodução)

Os quatro ocupantes da aeronave listados na requisição são indígenas da etnia Wai Wai e viajaram até a capital do Estado para participar de evento promovido pelo Governo do Estado, conforme registrado em imagens publicadas pelo passageiro Valnei Pawney (com blusa de manga comprida, na cor verde) no voo da cidade de Oriximiná a Belém.

Com Valnei Pawney ao centro, indígenas chegam a reunião com Governo do Pará (Reprodução/Redes Sociais)

O avião pertence à Piquiatuba Táxi Aéreo, empresa de aviação localizada em Santarém, contratada pelo Ministério da Saúde para transporte de equipes, pacientes, materiais e equipamentos ligados à saúde indígena. A empresa e seus dois sócios são réus por mineração ilegal na Justiça Federal do Pará. Ela firmou contrato de R$ 14 milhões com o governo federal, no ano passado, conforme denúncia feita pelo Estadão e amplamente divulgada na imprensa.

Além dos voo para Belém, a denúncia também mostra o uso de micro-ônibus destinados à saúde indígena sendo utilizados para transporte de passageiros dentro de Belém. Os veículos foram fotografados no Parque dos Igarapés, espaço onde os indígenas participantes da reunião com o Governo do Estado ficaram hospedados.

Os registros foram feitos pelo movimento de indígenas que reivindica a derrubada da Lei 10.820/2024, e que ocupa a Secretaria de Educação Indígena do Pará há mais de 20 dias.

A reportagem procurou o Ministério da Saúde, a Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa) e o Governo do Pará, e aguarda resposta. A CENARUM também entrou em contato com a coordenadora distrital de Saúde Indígena no Distrito Guamá-Tocantins, Purupamare Lima Gavião, responsável pela requisição do voo, e com Valnei Pawney Wai Wai, passageiro que aparece nas imagens, mas ainda não obteve retorno.

Para André Carneiro Buna, cientista político e pesquisador, a utilização dos recursos da saúde indígena para além de antiético e imoral, é considerada uma atitude ilegal pois interfere em bem público para utilização de ganhos políticos individuais. “A gente não pode retroceder a esse ponto no Estado que está a beira de uma COP”, analisou o especialista.

Reunião não foi com indígenas da ocupação da Seduc

Os indígenas participantes da reunião foram mobilizados pela Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), conforme divulgado pela própria federação em página oficial nas redes sociais. O grupo não é o mesmo que ocupa o prédio da Secretaria de Educação do Pará desde o dia 14 de janeiro e pede a revogação da Lei 10.820/2024, que reestrutura o magistério no Pará e estabelece novas regras para o ensino público no Estado.

A legislação pode extinguir o Sistema Modular de Ensino (Some) e o sistema aplicado nas comunidades tradicionais, o Somei, substituindo a educação indígena por aulas à distância, o que o governo nega. O movimento também pede a exoneração do secretário de Educação do Pará, Rossieli Soares.

Nesta quarta-feira, 5, o governador Helder Barbalho assinou Termo de Compromisso para a revogação da lei. O documento também foi assinado pela vice-governadora, Hana Ghassan, pelo presidente da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa), deputado Chicão (MDB), e por outros parlamentares.

O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Educação Pública do Pará (Sintepp) informou que ainda não definiu se assinará o Termo de Compromisso. Os professores se reunirão em assembleia para discutir o que está proposto no documento.

Leia também: DPU processa Governo do Pará por divulgações falsas sobre indígenas
Editado por Marcela Leiros e Izaías Godinho

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