MPF cobra União e Pará por falhas contra tuberculose entre indígenas Kayapó


Por: Fabyo Cruz

17 de junho de 2025
MPF cobra União e Pará por falhas contra tuberculose entre indígenas Kayapó
Indígenas Kayapó de Cumaru do Norte (Foto: David Alves)

BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação na Justiça Federal para exigir que a União e o Estado do Pará apresentem, no prazo de 15 dias, um plano emergencial voltado ao enfrentamento da tuberculose entre os indígenas da etnia Kayapó, no sul do Pará. A demanda foi protocolada na Vara Federal de Redenção e aguarda manifestação do Judiciário. A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou prazo de cinco dias para se manifestar sobre o pedido, mas até o momento não há decisão judicial. O valor simbólico da causa foi fixado em R$ 10 mil.

A ação foi tomada após a constatação de um cenário de colapso nos serviços de saúde voltados à população indígena, especialmente nas áreas atendidas pelo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Kayapó. O MPF destacou que a omissão das autoridades e a desorganização dos fluxos de atendimento como violações diretas ao direito constitucional à saúde, além de lembrar que o Brasil assumiu compromissos internacionais para erradicar a tuberculose até 2035, conforme metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).

A ação tem duas fases. A primeira, de caráter emergencial, solicita que a União e o Estado do Pará forneçam todos os exames, medicamentos e materiais necessários para desbloquear a demanda represada. A segunda fase, de caráter estrutural, prevê a inclusão dos municípios envolvidos para que se estabeleça um plano de médio e longo prazo com o objetivo de erradicar a tuberculose das aldeias Kayapó.

De acordo com informações reunidas pelo MPF, o Dsei Kayapó não possui recursos laboratoriais para diagnóstico da doença e depende da estrutura dos municípios – que, por sua vez, restringem severamente o acesso a exames essenciais como baciloscopia de escarro e raio-X. Em alguns locais, a oferta é limitada a apenas três ou cinco exames por dia, número considerado insuficiente para a demanda da população indígena.

Escassez de materiais

Reconhecida oficialmente em 1991, a Terra Indígena (TI) Kayapó ocupa uma área superior a três milhões de hectares, localizada nos municípios paraenses de São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte, Cumaru do Norte e Bannach. A região é habitada por mais de 6.300 indígenas de ao menos quatro etnias, além de contar com a presença dos indígenas isolados do Rio Fresco, distribuídos em 67 aldeias.

A maior parte das aldeias Kayapó está localizada no município de Cumaru do Norte, onde, segundo o MPF, não há qualquer oferta de exames à população indígena. A precariedade inclui desde a indisponibilidade de testes laboratoriais até a inexistência de encaminhamentos para exames de maior complexidade, como cultura de micobactéria com teste de sensibilidade e testes rápidos moleculares.

Atendimento de saúde aos indígenas Kayapó, na aldeia Kenopyre, no município de Tucumã (Foto: Marcelo Seabra/Agência Pará)

Além das dificuldades com exames, a distribuição de medicamentos para tuberculose também apresenta falhas. Em casos recentes, o Dsei precisou buscar medicações diretamente nas regionais de saúde estaduais, enfrentando atrasos, desencontros logísticos e até envio de medicamentos para municípios errados, como ocorreu com o fármaco Pirazinamida 500 mg, essencial para o tratamento pediátrico da doença.

Incidência da doença

A ação destaca que a taxa de incidência de tuberculose entre indígenas brasileiros é dez vezes superior à média nacional. No Norte do País, os casos superam em duas vezes os padrões esperados pelo Ministério da Saúde. O documento também reforça que o Brasil está entre os poucos países das Américas com alta carga de tuberculose e tuberculose associada ao HIV, o que agrava ainda mais o cenário epidemiológico.

Posicionamento

Procurada pela CENARIUM, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informou, por meio de nota, que “de janeiro a 13 de junho de 2025, foram confirmados 19 casos novos de tuberculose na população indígena Kaiapó, na região do Araguaia, o que não caracteriza situação alarmante do ponto de vista epidemiológico”.

No entanto, para conter o avanço da doença, a Sespa disse que, “em conjunto com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei Kayapó), está trabalhando junto aos municípios envolvidos e demais instância do SUS, para garantir à assistência à população indígena afetada”.

Para isso, a pasta informou que enviou “uma equipe que já está atuando nas ações de diagnóstico imediato e tratamento da tuberculose (incluindo Teste Rápido Molecular) no município de Redenção e, depois, segue para Cumaru do Norte”.

A Sesma finalizou a nota informando que outras ações que estão sendo realizadas: “capacitação de equipes multiprofissionais para o controle de contatos por meio de treinamento na aplicação e leitura de Prova Tuberculínica e manejo clínico da tuberculose; Integração entre os sistemas de informação (Sinan e Siasi); ações de educação em saúde com abordagem bilíngue e respeitosa à cultura indígena”.

O Ministério da Saúde (MS) também procurado. Leia abaixo a nota enviada pela pasta na íntegra:

“O Ministério da Saúde atua na ampliação da cobertura vacinal como forma de prevenção à tuberculose. Em 2024, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Kayapó do Pará alcançou 100% de cobertura vacinal com a aplicação de 724 doses da vacina BCG em crianças menores de 5 anos. No primeiro trimestre deste ano, foram aplicadas 643 doses, o que representa uma cobertura de 95,7%, acima da meta de 90% estipulada pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).

Responsável pela atenção primária à saúde da população indígena da região, o DSEI Kayapó monitora casos sintomáticos de tuberculose, realiza busca ativa e encaminha os pacientes aos serviços de referência do SUS, conforme o fluxo estabelecido pela Rede de Atenção. Nessas unidades, o diagnóstico e o tratamento são ofertados por estados e municípios. Ao distrito cabe o acompanhamento dos casos confirmados e a realização do tratamento diretamente observado (TDO)”.

A reportagem também solicitou posicionamento à Prefeitura de Cumaru do Norte. Até o momento não houve retorno. A CENARIUM segue à disposição para esclarecimentos.

Leia mais: Há três dias, indígenas Kayapó ocupam sede da Norte Energia no Pará

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