MPF diz que restrição da Funai à autodeclaração indígena é inconstitucional

De máscara, líder indígena Ninawa Inu Huni Kui, 40, protesta contra a exploração de petróleo na Amazônia.(Mauro Pimentel/AFP)

Com informações da UOL

MANAUS – O MPF (Ministério Público Federal) recomendou hoje à Funai (Fundação Nacional do Índio (Funai) a revogação imediata da Resolução 4/2021, editada pelo órgão em 22 de janeiro, que estabelece novos critérios de heteroidentificação de povos e indivíduos indígenas para fins de execução de políticas públicas, complementares à autodeclaração. A medida, segundo o MPF, é inconstitucional.

Em nota pública elaborada pela 6CCR (Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais), o MPF destaca que a Constituição garante aos povos indígenas o direito à autodeterminação, o que implica reconhecer sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.

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Desta forma, “está no plano da autonomia dos povos indígenas a definição, implícita na própria cultura, de critérios de pertencimento ao grupo e, portanto, a capacidade de reconhecer quem são seus membros”, aponta o documento.

Além disso, a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) é expressa ao estabelecer que “a consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos que se aplicam as disposições da presente Convenção”, ou seja, para determinar quem são os povos indígenas.

Critérios ambíguos

Para o MPF, os critérios definidos pela Funai são “ambíguos e permitem interpretações descabidas acerca da identidade indígena, como se esta fosse mera cristalização de diferenças biológicas ou culturais entre grupos humanos”.

Os argumentos usados pela Funai, como a necessidade de proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios, não podem ser usados para retirar o direito desses povos de afirmarem suas identidades, nem para limitar seu acesso a políticas públicas, como a atenção à saúde diferenciada, por exemplo, acrescenta a 6CCR.

“Não há razão alguma para a criação de nova normativa, considerando que se trata matéria afeta aos valores, práticas e instituições das coletividades indígenas, que devem ser integralmente respeitados e protegidos pelo Estado brasileiro”, conclui.

“Padronização”

A Resolução 4/2021, segundo a Funai, tem como objetivo padronizar e dar segurança jurídica ao processo de heteroidentificação, de modo a proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população.

De acordo com a nova resolução, os critérios definidos para heteroidentificação são:

  • vínculo histórico e tradicional de ocupação ou habitação entre a etnia e algum ponto do território soberano brasileiro;
  • consciência íntima declarada sobre ser índio (autodeclaração);
  • origem e ascendência pré-colombiana (o cumprimento do primeiro item automaticamente inclui este terceiro, uma vez que o Brasil se insere na própria territorialidade pré-colombiana);
  • identificação do indivíduo por grupo étnico existente, conforme definição baseada em critérios técnicos/científicos, e cujas características culturais sejam distintas daquelas presentes na sociedade não indígena.

Segundo o presidente da Funai, Marcelo Xavier, ainda que se considere que a identidade e o pertencimento étnico não sejam conceitos estáticos, mas processos dinâmicos de construção individual e social, a ausência de critérios na heteroidentificação poderia gerar uma banalização da identidade indígena.

“A Funai acredita que a política indigenista deve ser fundamentada em três pilares: dignidade, pacificação dos conflitos e segurança jurídica. Dessa forma, temos trabalhado para construir uma nova realidade para os indígenas, pautada no respeito e na proteção dos direitos dessas populações”, defendeu ele à época da publicação da resolução.

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