MPF mostra frigoríficos com irregularidades na Amazônia e mira varejo


Por: Ana Cláudia Leocádio

14 de maio de 2025
MPF mostra frigoríficos com irregularidades na Amazônia e mira varejo
Embalamento de carnes em frigorífico (Neto Lucena/Secom)

BRASÍLIA (DF) – Resultado da auditoria do Programa Carne Legal da cadeia pecuária na Amazônia, divulgada nesta quarta-feira, 14, pelo Ministério Público Federal (MPF), em Brasília, mostra que 4% dos frigoríficos auditados apresentaram irregularidades em suas operações na região, um resultado 13 vezes menor se comparado aos empreendimentos sem auditoria. Os procuradores agora miram os supermercados de todo o País que adquirem carne advindas de frigoríficos irregulares do bioma.

Os dados fazem parte do segundo ciclo unificado de auditorias na cadeia pecuária da Amazônia Legal, que avaliou 89 frigoríficos dos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins. O MPF analisa o cumprimento de critérios socioambientais nas compras de gado realizadas de janeiro a dezembro de 2022, consolidando as informações em auditorias realizadas em 2024 e 2025.

A auditoria analisa se os frigoríficos que assinaram o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne Legal cumpriram os requisitos para oferecer carne de origem legal ao mercado consumidor, interno e externo, que não seja oriunda do comércio de animais criados em áreas de desmatamento ilegal, trabalho escravo, invasões a unidades de conservação e terras indígenas ou quilombolas.

Auditoria do Programa Carne Legal da cadeia pecuária na Amazônia foi realizada pelo MPF (Ana Cláudia Leocádio/CENARIUM)

Este segundo ciclo unificado trouxe uma diferença dos demais porque, mesmo os frigoríficos que não assinaram o TAC ou não contrataram auditoria para verificar as conformidades da origem da carne, passaram por uma auditoria automática, que atestou 52% deles em não conformidade, o que preocupa o MPF, pois é 13 vezes superior à taxa de conformidade dos que contrataram empresas de auditoria, com 4%.

Após a apresentação dos resultados, o MPF reuniu representantes governamentais, da sociedade civil, do agronegócio, da rede bancária e de universidades para discutir como melhorar o cumprimento do TAC e estuda expandir para outros biomas como o Cerrado. A ideia é estimular a adesão para evitar o comércio e exportação de carne oriunda de áreas que causam desmatamento, por exemplo.

Resultado dos Estados

Dos cinco estados auditados, apenas o Pará já passou por mais auditorias, seis no total, e tem o maior número de frigoríficos auditados. Dos 56 convocados, 16 concluíram o processo de auditoria e representam 81% do volume de gado para abate ou exportação no Estado.

A média de irregularidades entre as 15 empresas convocadas e que fizeram a auditoria foi de 2,2%, com cinco empresas apresentando 100% de conformidade com o TAC (Agroexport, Frigol, Mafrinorte, Masterboi e Minerva), resultado comemorado pelos procuradores. Por outro lado, quatro frigoríficos tiveram altos índices de irregularidade de 45,8% a 73,3%.

Entre os 23 empreendimentos que não contrataram auditorias independentes, mas passaram por análises automáticas, o índice de inconformidade foi de 46%, com percentuais de empresas que vão de 27% a 69% de irregularidades. Situação pior foi identificada entre os frigoríficos do Pará que não assinaram o TAC e nem fizeram as auditorias, com média de 64% de irregularidades. Três frigoríficos tiveram 100% de irregularidades e os demais com percentuais que variam de 29% a 87%.

O Estado de Tocantins respondeu positivamente à auditoria da Carne Legal. De sete frigoríficos convocados, seis concluíram o processo de análise, representando 73% do volume de gado para abate ou exportação no Estado. O índice de irregularidade foi de 2% na média, com quatro frigoríficos sem nenhuma inconformidade (Cooperfrigu, Masterboi, Minerva e Plena), um com 8,1% e outro, com 2% de irregularidades identificadas.

No Mato Grosso, de 14 frigoríficos convocados, nove concluíram o processo de auditoria, o que representa 82% do volume de gado comercializado, com média de 2,2% de inconformidades. Dos nove auditados, três não tiveram nenhuma irregularidade identificada (Marfrig, Minerva e Vale Grande), e três tiveram inconformidades abaixo de 3%. Entre aqueles que não apresentaram auditoria, foram 38% de irregularidades em média.

Apresentação de auditorias (Ana Cláudia Leocádio/CENARIUM)

Em Rondônia, dois, dos três frigoríficos convocados, concluíram as etapas de auditoria e um frigorífico não convocado concluiu o processo, representando um total de 41% do volume de gado para abate ou exportação no Estado. O resultado foi de 0,1% de irregularidades, em média, ou seja, os três auditados tiveram quase 100% de conformidade (Minerva e Mafrinorte). A única empresa sem auditoria apresentou 67,6% de irregularidades na análise automática.

Baixa adesão

Os frigoríficos dos estados do Amazonas e Acre apresentaram baixa adesão à auditoria prevista no TAC do Ministério Público Federal, e os que aderiram representam uma média de 30% do gado comercializado.

No Acre, dos 13 frigoríficos convocados, dois concluíram o processo de auditoria, o que abrange 32% do volume de gado para abate ou exportação no Estado. E destes dois que passaram pela análise, um 65,1% de irregularidades identificadas e o outro, 1,9%. E os demais que não apresentaram auditoria, a média de irregularidades chega a 63%, um dado preocupante para o MPF.

No Amazonas, dos nove frigoríficos convocados, 3 concluíram o processo de auditoria, representando 37% do volume de gado para abate ou exportação no Estado. Desses três, a média de irregularidades chegou a 36%, com um frigorífico apresentando 84% de inconformidade. Os outros dois tiveram resultado positivo com 100% regulares (Agropam e Frigotefé). Nas empresas sem auditoria que foram analisadas automaticamente, a média de irregularidades chega a 46%.

O MPF também começou a analisar a cadeia do fornecedor indireto, de quem os frigoríficos compram os animais para o abate. Nas análises realizadas entre janeiro de 2020 e dezembro de 2021, 38% do gado de fornecedores indiretos estavam em conformidade, 27% apresentavam potencial de não-conformidade e 35% não tinham correspondência com o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Entre as não-conformidades estão gado de áreas de desmatamento (38%), 23% de área com embargo, 3% gado em áreas protegidas e menos de 1% associado a trabalho escravo.

Próximas etapas

Segundo o coordenador substituto do Grupo da Amazônia Legal da 4ª Câmara do MPF, procurador Ricardo Negrini, alguns dos problemas encontrados para fazer a auditoria são as bases de dados, que em alguns Estados estão mais consistentes que em outros. O ideal seria que fossem homogêneas, atualizadas e precisas, integradas em nível federal.

Negrini também avaliou os motivos para o baixo número de auditorias apresentadas. Dos 89 convocados, 39 apresentaram auditorias, que devem ser contratadas pelas empresas, não pelo MPF, que apenas analisa os dados fornecidos. Para o procurador, as empresas sem auditoria operam sob a lógica de custo-benefício, em saber até que ponto vale a pena contratar uma auditoria e participar do TAC porque, ao final, não sofrerão nenhuma penalidade, como multa, processo judicial, por exemplo.

“Por outro lado, eles entendem que fazer esse trabalho todo de monitoramento, auditoria tem um custo, reduz o mercado e tal, eles vão fazer esse cálculo e vão ficar de fora, isso acontece principalmente com os menores que conseguem operar num nível local, trabalhando com um varejo local também, supermercados que não tem um grande controle, e isso acaba então reduzindo os riscos pro frigorífico”, explicou.

Com base nos dados, o MPF dará início a ações judiciais contra os frigoríficos com irregularidades, com pedidos de indenizações milionárias, calculadas em cima do número de cabeça de gado que os frigoríficos adquiriram sem nenhuma análise e com grandes indícios de não conformidade.

“Eles compraram um certo número de cabeças de gado irregulares, então é feito um cálculo ali por cabeças de gado e é cobrado um valor de indenização desses frigoríficos e aqueles que tinham um TAC assinado com MPF, a gente executa o TAC”, disse Negrini.

De olho no varejo

Com base na experiência do TAC da Carne Legal, que teve início em 2009, o MPF deve focar as investigações na rede de varejo, identificando os supermercados que comercializam carne de animais provenientes da Amazônia Legal, processadas por frigoríficos com irregularidades.

Ricardo Negrini disse que, apesar da instituição ter o número de supermercados que comercializam carne advinda ilegalmente da Amazônia, não é possível divugá-los porque são informações que precisam ser validadas, verificadas e melhor investigadas.

“A gente quer validar esses dados e aprofundar antes de dizer, olha, são esses aqui que estão contribuindo para o desmatamento, porque a gente sabe que isso tem uma consequência econômica, de investimento, de capital e tudo mais”, justificou.

A ideia, segundo Negrini, é dar a oportunidade para o varejo se defender e, quem sabe, de assinar um acordo, fazer uma auditoria, um monitoramento, ou pagar uma multa, antes de ser exposto. O procurador disse esperar que esse trabalho possa ser concluído ainda neste ano, ou no início de 2026.

Veja os dados na íntegra:

Leia mais: MPF processa Vale, União e Pará por contaminação de indígenas
Editado por Izaías Godinho

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