MPF-PA contesta licenciamento de portos em Santarém por falta de estudos
05 de agosto de 2024

Fabyo Cruz – Da Cenarium
BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) moveu uma ação na Justiça Federal, em caráter emergencial, para que o Estado do Pará e o município de Santarém, no oeste paraense, incluam nos processos de licenciamento ambiental de portos e hidrovias da cidade os requisitos estabelecidos pela legislação. Se as exigências não forem cumpridas, o MPF busca a revogação das licenças e a imposição de penalidades financeiras.
Na ação presente no processo 1014317-12.2024.4.01.3902, a autarquia solicita que o Poder Judiciário ordene a elaboração de um estudo sobre os impactos causados ao meio ambiente, que leve em consideração as comunidades indígenas e quilombolas. Também foi requerida a inclusão do estudo de impacto climático como requisito prévio para a renovação da licença de operação de portos que estão em funcionamento.
O MPF ressalta a obrigatoriedade da realização da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) das populações indígenas e locais que possam ser afetadas, a ser conduzida por um órgão governamental antes da emissão de licenças prévias (LPs), de instalação, de operação e da renovação da licença de operação.

Os itens mencionados pelo órgão devem ser cumpridos para garantir a execução dessas tarefas com urgência devido ao histórico de irregularidades em obras portuárias no município e ao interesse de empresas em construir novos portos. A ação destaca que a operação de vários portos na mesma região pode provocar consequências decorrentes do acúmulo de impactos e da interação entre eles, resultando em maior pressão sobre o meio ambiente e o clima, além de intensificar os conflitos e a especulação de terras.
Embora os itens mencionados sejam listados como essenciais, o MPF sinaliza a urgência em assegurar o cumprimento dessas obrigações, considerando o histórico de obras portuárias irregulares no município e o interesse de empresas em estabelecer novos portos. A entidade frisou no documento que a operação de vários portos em uma mesma área pode levar a efeitos decorrentes da soma de seus impactos e da interação entre eles, aumentando a pressão sobre o meio ambiente e o clima, além de intensificar conflitos e a especulação imobiliária, entre outros problemas.
Cenário de irregularidades
Um estudo conduzido pela organização de defesa dos direitos humanos Terra de Direitos evidenciou que o número de portos na região do Tapajós dobrou nos últimos dez anos. Ao menos 50% dos 27 portos em funcionamento apresentaram alguma irregularidade no processo de licenciamento ambiental, causando impactos para os povos e comunidades tradicionais da área, conforme destaca o procurador da República Vitor Vieira Alves.
Na ação, o MPF apresenta um histórico de processos movidos pela instituição que evidenciam o constante descumprimento, tanto pelo Estado do Pará quanto pelo município de Santarém, das exigências relacionadas à realização de estudos de impactos ambientais e à consulta prévia aos povos e comunidades tradicionais que possam ser afetados. Exemplos disso incluem os terminais portuários das empresas Cargill, Embraps e Atem’s.
Em um dos casos ligados ao porto da Atem’s, o órgão também denuncia irregularidades no licenciamento, pois a empresa solicitou e obteve licenças ambientais em duas fases diferentes com a intenção de acelerar a análise, resultando em dois trâmites administrativos. Além disso, no primeiro pedido, foi omitido o nível de risco associado ao tipo de carga manipulada nas operações portuárias.
Novas ameaças
De acordo com uma pesquisa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), grandes empresas demonstram interesse em construir portos graneleiros em Santarém, especificamente na região do Lago do Maicá. A publicação adverte que “haverá sérias ameaças à qualidade de vida dos sujeitos que têm suas vidas ligadas ao rio, como os ribeirinhos, pescadores, indígenas, quilombolas que residem próximos aos locais onde se pretende a instalação destes portos”.
O MPF afirma que existem riscos de novas violações de direitos, não apenas devido ao histórico de repetidas irregularidades no licenciamento ambiental de obras portuárias, mas também pela compra de áreas estratégicas por outras empresas do setor agroindustrial que visam a construção de novos portos
Santarém está sendo progressivamente integrada ao denominado Corredor Logístico Tapajós-Xingu, principalmente devido à construção de novos terminais portuários. Esse corredor consiste em uma série de obras de infraestrutura de transporte, cuja finalidade é facilitar a exportação de grãos cultivados na região centro-oeste do Brasil. Essa iniciativa integra um projeto mais amplo, conhecido como Arco Norte, que abrange também corredores de exportação nas bacias dos rios Madeira e Tocantins.
Novas infrações
Representantes de populações indígenas, comunidades ribeirinhas, pescadores, agricultores familiares, trabalhadores urbanos, organizações que atuam na defesa de direitos socioambientais, além de membros do meio acadêmico e científico, afirmam que as ações já implementadas para a criação do Corredor Logístico Tapajós-Xingu têm intensificado as pressões sobre os territórios. Isso inclui a grilagem de terras públicas, a especulação imobiliária, a extração ilegal de madeira, o desmatamento e queimadas ilegais, a poluição dos corpos d’água que abastecem a população e as ameaças a líderes que lutam pelos direitos humanos e pelos direitos da natureza.
Um indicativo significativo desse problema é que o atual Plano Diretor da cidade de Santarém classificou o Lago do Maicá – principal corpo hídrico destinado à pesca na região – como área portuária, apontada como uma decisão que vai de encontro à posição expressa por indígenas, quilombolas e pescadores artesanais em uma audiência pública realizada durante o processo legislativo, conforme ressaltado pelo MPF.
A ação também leva em conta que portos e hidrovias, como infraestrutura logística, que incentivam a expansão da agroindústria na região, com a eliminação da vegetação nativa para o uso alternativo do solo e, consequentemente, a liberação de carbono na atmosfera.
A reportagem solicitou um posicionamento do Estado do Pará e do município de Santarém, mas até esta publicação não obteve respostas.
Leia a íntegra da ação: