MPF processa Vale, União e Pará por contaminação de indígenas
Por: Fabyo Cruz (*)
26 de fevereiro de 2025
BELÉM (PA) – A contaminação da população indígena Xikrin do Cateté por metais pesados pode estar diretamente ligada às operações da mineradora Vale, apontam estudos técnicos da Universidade Federal do Pará (UFPA). Com base nessas evidências, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação na Justiça para exigir atendimento médico imediato aos afetados e responsabilizar a empresa, a União e o Estado do Pará pelos danos ambientais e à saúde dos indígenas.
A ação, protocolada na Justiça Federal no último dia 21 de fevereiro, pede que a Vale arque integralmente com os custos de consultas, exames e medicamentos necessários para a descontaminação dos indígenas. Além disso, o MPF cobra a implementação de um programa de monitoramento contínuo da saúde da comunidade, com apresentação de relatórios semestrais sobre a situação. A União e o Estado do Pará também são alvos do processo, sendo cobrados a oferecer suporte técnico e administrativo e fiscalizar as obrigações ambientais estabelecidas no licenciamento da mina de níquel Onça-Puma, operada pela Vale.
O procurador da República Rafael Martins da Silva destacou a gravidade da situação e comparou o caso ao dos Yanomami, que levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos a determinar medidas urgentes em 2023 para conter a contaminação por mercúrio em terras indígenas. Segundo ele, a Vale tem responsabilidade objetiva sobre os danos causados, conforme a legislação ambiental brasileira.
Contaminação
A Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté, onde vivem cerca de 1,7 mil indígenas, está localizada no sudeste do Pará e é atravessada pelos rios Cateté e Itacaiúnas. A região é cercada por empreendimentos da Vale, sendo Onça-Puma um dos mais significativos.
Segundo o MPF, a contaminação dos indígenas por metais pesados já foi amplamente comprovada por estudos técnicos. O “Relatório da campanha de averiguação de metais pesados em excesso nos organismos dos indígenas Xikrin do Cateté”, coordenado pelo professor Reginaldo Saboia de Paiva, da UFPA, revelou que 99,7% dos 720 indígenas analisados apresentavam níveis elevados de substâncias tóxicas. Desses, 98,5% foram diagnosticados com contaminação por metais perigosos, como chumbo, mercúrio, bário, lítio e manganês.
O estudo, realizado em maio de 2024, apontou casos alarmantes, como o de uma jovem de 19 anos com níveis de níquel 2.326% acima do limite seguro, e de uma criança de um ano com altas concentrações de alumínio, bário e chumbo no organismo.
“A contaminação humana por excesso de metais pesados é calamitosa e praticamente exibida em 99% dos indivíduos da reserva. É necessário atendimento médico especializado e imediato para desintoxicação”, alerta o professor Reginaldo Saboia.
Além dos impactos diretos na saúde, o procurador Rafael Martins da Silva destaca que a poluição compromete fontes tradicionais de subsistência dos Xikrin, como a pesca e o uso da água para consumo e atividades diárias, ampliando o ciclo de doenças e degradação socioambiental.
Posicionamentos
Em resposta à reportagem, a Vale afirmou, por meio de nota, que “laudos judiciais elaborados por peritos nomeados pela Vara Federal de Redenção (PA), concluíram que as operações da companhia não são fonte de contaminação do rio Cateté, não tendo relação com a situação alegada pelo MPF. A empresa segue realizando monitoramento da qualidade de água em torno dos seus empreendimentos e os reporta anualmente para os órgãos ambientais”.
A Vale informou ainda, que “em razão de acordo celebrado judicialmente com a Comunidade Indígena Xikrin, aprovado pelo MPF e homologado pelo Poder Judiciário, repassa recursos para aplicação em ações de saúde, bem como fornece à Comunidade Indígena Xikrin do Cateté serviços complementares de saúde ao que já é prestado pelo Poder Público”.
A empresa reforçou que “mantém diálogo constante com Povos Indígenas e que atua alinhada às principais referências internacionais relacionadas ao tema, como a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A Vale informa que não foi intimada oficialmente da referida ação e que analisará o processo assim que tiver acesso”.
A reportagem também solicitou posicionamentos do Governo do Pará e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), mas ainda não obteve resposta.