MPF recomenda que banco cancele crédito de R$ 1 milhão para fazenda em Flona do Jamanxim

Área desmatada para produção agropecuária dentro da Floresta Nacional do Jamanxim (Daniel Beltrá/Greenpeace)
Raisa de Araújo – Da Revista Cenarium

BELÉM (PA) – O Ministério Público Federal (MPF) recomendou a 12 bancos que desclassifiquem ou liquidem antecipadamente créditos concedidos a propriedades em terras indígenas, unidades de conservação e florestas públicas na Amazônia. Um desses empreendimentos é a Fazenda São Miguel, no distrito de Castelo dos Sonhos, na BR-316, em Altamira, no Pará, próximo à Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim.

Com valor financiado que ultrapassa R$ 1 milhão, a fazenda está localizada em uma das regiões com maior desmatamento da Amazõnia. No inicio deste mês, uma ação movida pela MPF pediu a retirada de gado ilegal da Flona. A região é historicamente conhecida pela atuação ilegal de grileiros de terra e pela expansão da derrubada de árvores.

De acordo com o relatório do Greenpeace, a propriedade apresenta irregularidades como crédito para imóvel rural com embargo ambiental e com sobreposição com Floresta Pública Não Destinada (FPND)* e Cadastro Ambiental Rural (CAR) suspenso, além de apresentar ausência de critério de rastreabilidade do gado. O seu principal financiador foi o Banco da Amazônia, mesmo tendo cerca 75% de seu CAR sobrepondo-se à Gleba Gorotire, uma FPND.

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Área da Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim (Reprodução)

Se, historicamente, essa região é conhecida por ser o “coração do desmatamento da Amazônia” como esses financiamentos são liberados e por que? O Greenpeace responde com nome e sobrenome: Bianor Emílio Dal Magro. A prática de fraudar o CAR para conseguir financiamentos na região tem em Bianor um facilitador. 

“Em 2022, o Intercept identificou que engenheiros e corretores do sul do Pará usam seus conhecimentos para favorecer a apropriação de terras da União. A reportagem, focada na região da BR-163, mostrou que poucos profissionais têm uma clientela tão vasta quanto Bianor Emílio Dal Magro, de Novo Progresso. A busca no sistema do CAR no Pará resultou em nada menos do que 35 páginas consecutivas de propriedades registradas por ele”, diz o relatório.

Em 2016, Bianor Emílio Dal Magro foi contratado para conseguir R$ 67,5 mil do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), supostamente para comprar gado. Sem propriedade real, ele registrou uma fazenda fictícia no CAR em nome de um laranja para obter o empréstimo do Banco da Amazônia, lesando o interesse público federal. Já em 2022 o proprietário da Fazenda São Miguel, depois de modificar três vezes o limite do seu CAR, conseguiu junto ao Banco da Amazônia um empréstimo para compra de gado.

Recomendação

Os bancos têm 30 dias para responder e casos de sobreposição devem ser reportados ao Ministério Público Federal (MPF) em 60 dias, para terras indígenas, e 180 dias para unidades de conservação ou florestas públicas.

A recomendação surge após a divulgação do relatório “Bancando a Extinção”, do Greenpeace, divulgado em abril deste ano, que examinou propriedades financiadas pelo crédito rural na Amazônia, entre 2018 e 2023 e revelou financiamentos controversos, totalizando R$43 milhões destinados a estes empreendimentos, durante o período analisado. 

O relatório explica que os recursos financeiros, como costuma ocorrer, são liberados a partir da apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), composto por informações que os próprios fazendeiros incluem no registro. As normas do crédito rural restringem a concessão de crédito a áreas que não tenham inscrição no CAR, ou que este se encontre cancelado ou suspenso. No entanto, até que os cadastros sejam analisados pelos estados, os fazendeiros podem driblar a restrição registrando novos CARs. 

Financiamentos

Dos R$ 43 milhões do total de financiamento rural, R$ 14,5 milhões foram destinados a fazendas no Pará, ficando atrás apenas do Acre, que recebeu R$ 18,9 milhões. A fazenda São Miguel, chama atenção por estar em uma área muito proxima a da retirada de gado ilegal da Flona do Jamanxim. 

Além do Banco da Amazônia e do Banco do Brasil, outros dez bancos estão na mira do relatório: Caixa Econômica Federal, Banco De Lage Landen Brasil (DLL), Banco Sicredi, Bradesco, Itaú e Santander.

O que diz o Banco da Amazônia

O Banco da Amazônia, ao lado do Banco do Brasil, aparece como o maior financiador de empreendimentos irregulares. Cada um concedeu sete financiamentos, a maioria em conjunto, para um dos 12 empreendimentos irregulares.  

A REVISTA CENARIUM procurou o Banco da Amazônia para esclarecimentos e em nota, a instituição financeira informou que “reafirma o seu compromisso com a sustentabilidade na região amazônica, ressaltando sua liderança tanto no mercado quanto na conformidade com a legislação ambiental”.

O banco ainda completou dizendo que segue em constante aprimoramento de critérios de avaliação de riscos socioambientais e climáticos, mas não deixou claro o que irá fazer a respeito da notificação do MPF. 

“Atualmente, esses critérios incluem a verificação automática de sobreposição com áreas indígenas, quilombolas, reservas públicas, unidades de conservação e embargos, demonstrando nosso compromisso com a preservação do meio ambiente e o respeito às comunidades locais”, diz trecho da nota.

Veja valores e bancos financiadores

Acre – Total: R$ 18.988.307,51

FazendaLocalEstadoValorBancos
Fazenda Barcelona IManoel UrbanoAcreR$ 327.500,00Sicredi, Financial Solutions Partner
Fazenda Valentina SenaMadureiraAcreR$ 1.867.996,90Banco da Amazônia, Banco do Brasil
Fazenda ArizonaRio BrancoAcreR$ 16.701.788,34Banco da Amazônia, Banco do Brasil
Fazenda EncontroXapuriAcreR$ 91.022,27Banco do Brasil

Pará – Total: R$ 14.499.614,27

FazendaLocalEstadoValorBancos
Fazenda São MiguelCastelo dos SonhosParáR$ 1.092.500,00Banco da Amazônia
Fazenda Mata VerdeDom EliseuParáR$ 975.800,00Rabobank
Fazenda FlorestaUilianópolisParáR$ 1.999.971,00Bradesco
Fazenda TayassuDom EliseuParáR$ 9.545.593,27Banco da Amazônia, Banco do Brasil, Sicoob, Santander, John Deere
Fazenda Cachoeira DouradaNovo RepartimentoParáR$ 885.750,00Banco da Amazônia, JBS

Amazonas – Total: R$ 9.448.316,62

FazendaLocalEstadoValorBancos
Sitio Monte MoriáN. Sra das Cachoeiras do ItuxiAmazonasR$ 155.000,00Sicredi, JBS
Fazenda N. Sra das Cachoeiras do ItuxiLábreaAmazonasR$ 4.293.316,62Banco da Amazônia
Fazenda Mato GrossoCanutamaAmazonasR$ 5.000.000,00Banco da Amazônia

Rondônia – Total: R$ 508.097,65

FazendaLocalEstadoValorBancos
Sitio PinducaTIUEWWRondôniaR$ 87.275,25Banco do Brasil, JBS
Lotes 54, 56 e 58TIUEWWRondôniaR$ 200.254,78Banco do Brasil, JBS
Lote 14 da Gleba 39TIUEWWRondôniaR$ 220.567,62Banco do Brasil
Fonte: Greenpeace
(*) Áreas de Florestas Públicas Não Destinadas são áreas da União ou dos Estados que ainda não foram transformadas em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou Quilombolas, e nem foram transferidas para privados por meio de processos de regularização fundiária.
Leia mais: Com apoio de Helder Barbalho, produtores de gado resistem em sair de Floresta Nacional
Editado por Adrisa De Góes
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