MPI cobra apuração em caso de estupros de indígena Kokama no Amazonas
Por: Ana Cláudia Leocádio
24 de julho de 2025
BRASÍLIA (DF) – O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) repudiou nesta quinta-feira, 24, por meio de nota enviada à CENARIUM, a violência sofrida por uma indígena Kokama enquanto esteve detida na 53ª Delegacia Interativa de Polícia (DIP) de Santo Antônio do Içá, no Amazonas, e informou que acionou a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (Senev), vinculada ao Ministério das Mulheres, para a coordenação de ações e adoção de providências conjuntas.

“O MPI repudia o ocorrido e já acionou os órgãos competentes para a apuração e responsabilização das possíveis violações de direitos e violências sofridas pela indígena”, ressalta a nota. Além do Ministério das Mulheres, foram acionados a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).
A instituição federal afirmou que tomou conhecimento do caso no dia 18 de julho deste mês, após denúncia feita à Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados está acompanhando a situação. “Desde então, o MPI acompanha o caso por meio de sua Coordenação de Políticas para Mulheres, da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart)”, informa pasta.
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Posicionamento da Funai
A Funai informou à CENARIUM, nesta quinta-feira, 24, que “segue acompanhando o caso e tomando providências”. Em comunicado publicado na quarta-feira, 23, a autarquia anunciou uma série de providências em relação à denúncia de estupros em série, praticados por policiais militares e um guarda municipal contra a indígena, enquanto esteve encarcerada.
Segundo a autarquia federal, as informações sobre o caso chegaram por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (OND) da Funai, o que desencadeou a mobilização de suas instâncias administrativas e jurídicas para as providências necessárias, como a Procuradoria Federal Especializada junto à Funai (PFE/Funai), que já acionou o Ministério Público do Amazonas (MP-AM), DPE-AM e Defensoria Pública da União (DPU) no Estado do Amazonas.
A nota também informou que a Funai enviou ofício à Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública e solicitou providências para o imediato afastamento dos policiais mencionados pela indígena, além do acesso a possíveis procedimentos administrativos disciplinares que estejam em andamento ou forem abertos.
A Funai alegou, ainda, que em junho deste ano, a Coordenação Regional em Manaus e a Coordenação-Geral de Promoção à Cidadania (CGPC) realizaram uma visita à indígena na unidade prisional para fazer um diagnóstico e avaliar outras possibilidades de atuação institucional relacionadas tanto ao cuidado da indígena quanto de seu filho.
“A autarquia indigenista encaminhou o caso ao Ministério da Mulher para que seja tomada medida protetiva no caso concreto e articuladas medidas preventivas por haver relatos de que outras mulheres também passam pela mesma situação naquela delegacia”, informou.
Violência sexual dentro da delegacia
A indígena Kokama, hoje com 29 anos, foi presa no 53° Distrito Integrado de Polícia (DIP), em Santo Antônio do Iça, em 11 de novembro de 2022, após comparecer à delegacia para registrar um Boletim de Ocorrência (BO) sobre um caso de violência doméstica envolvendo o seu então companheiro.
Ao chegar na unidade de polícia, os agentes no local identificaram um mandado de prisão em aberto contra a indígena por um homicídio ocorrido em Manaus. Os policiais deram cumprimento à decisão judicial, emitida após condenação pelos jurados do Tribunal do Júri da capital amazonense.
No momento da prisão, a mulher estava no período puerpério e com o filho. O recém-nascido permaneceu com a mãe na unidade prisional, na mesma cela que outros detentos do sexo masculino, segundo a sua defesa.

Cela em unidade prisional onde indígena permaneceu por mais de nove meses (Reprodução Sumaúma)
Presa e amamentando, ela relatou que foi estuprada várias vezes pelos agentes da segurança pública do Amazonas e por um agente da Guarda Civil Municipal no período em que ficou detida – nove meses e 17 dias -, até a sua transferência para o Centro de Detenção Provisória Feminino (CDPF), localizado no quilômetro 8, da rodovia BR-174, que liga Manaus (AM) a Boa Vista (RR). Segundo a denúncia, os crimes ocorreram entre novembro de 2022 e agosto de 2023.
Com a repercussão nacional do caso, o Ministério Público do Amazonas (MP-AM) e a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) anunciaram que estão acompanhando a situação e tomando as medidas cabíveis. A Polícia Militar do Amazonas (PM-AM) informou, nessa quarta-feira, 23, que vai indiciar quatro policiais militares envolvidos nos estupros.

Leia, na íntegra, as notas do MPI e da Funai:
Nota do MPI
O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) recebeu com preocupação a denúncia de violência sofrida por uma mulher indígena em uma unidade policial no município de Santo Antônio do Içá, Amazonas. A notificação do fato foi oficializada na pasta no dia 18 de julho pela Procuradoria da Mulher da Câmara dos Deputados, desde então, o MPI acompanha o caso por meio de sua Coordenação de Políticas para Mulheres, da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (Seart).
O MPI repudia o ocorrido e já acionou os órgãos competentes para a apuração e responsabilização das possíveis violações de direitos e violências sofridas pela indígena.
A pasta está em diálogo com outros órgãos públicos e, para providências interinstitucionais, acionou a Funai, o Ministério Público Federal (MPF), a Secretaria de Segurança Pública do Estado do Amazonas e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas. Adicionalmente, o MPI também iniciou diálogo com a Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra Mulheres (SENEV), vinculada ao Ministério das Mulheres, para a coordenação de ações e adoção de providências conjuntas.
Nota da Funai
Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) iniciou uma série de providências assim que tomou conhecimento da denúncia de violação de direitos humanos durante o encarceramento de uma mulher indígena, no estado do Amazonas. O caso chegou ao conhecimento da Ouvidoria da Funai, por meio da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH). Com isso, a Funai mobilizou suas instâncias administrativas e jurídicas para as providências necessárias.
Tendo em vista a gravidade do caso, a Procuradoria Federal Especializada junto à Funai (PFE/Funai) foi acionada para prestar orientações jurídicas e adotar as medidas pertinentes. Nesse sentido, a PFE/Funai realizou comunicação formal e solicitou a adoção de providências pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) e Defensoria Pública da União (DPU) no Estado do Amazonas.
A PFE/Funai também oficiou à Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública dando conhecimento acerca dos fatos narrados e solicitando providências para o imediato afastamento dos policiais mencionados pela indígena, no termo de declaração colhido pela DPE-AM. A PFE/Funai solicitou ainda acesso a possíveis procedimentos administrativos disciplinares que estejam em andamento ou forem abertos.
Outra medida adotada pela Procuradoria Federal Especializada junto à Funai foi a solicitação de acesso aos processos judiciais em andamento relativos ao caso, para acompanhamento e avaliação de medidas cabíveis. Foi verificado que a indígena possui advogado constituído e atuando no processo penal.
Simultaneamente, a Coordenação Regional da Funai em Manaus e a Coordenação-Geral de Promoção à Cidadania (CGPC), vinculada à Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS), articularam uma visita à indígena na unidade prisional para fazer um diagnóstico e avaliar outras possibilidades de atuação institucional relacionadas tanto ao cuidado da indígena quanto de seu filho. A visita foi realizada em junho deste ano.
A autarquia indigenista encaminhou o caso ao Ministério da Mulher para que seja tomada medida protetiva no caso concreto e articuladas medidas preventivas por haver relatos de que outras mulheres também passam pela mesma situação naquela delegacia.
A Funai segue acompanhando a situação, por meio da Ouvidoria e demais setores, e adotando as medidas cabíveis no que compete às suas atribuições para garantir a responsabilização dos envolvidos e o suporte adequado tanto físico quanto psicológico à indígena e a seu filho.
A Funai reforça que é dever de todo o Estado brasileiro — União, estados, Distrito Federal e municípios — combater a violência em todas as suas formas, promovendo o respeito mútuo, a igualdade e a justiça para todas as pessoas. A autarquia indigenista defende o compromisso de todas as instituições com a proteção e promoção dos direitos das mulheres indígenas e a reparação dos danos causados, bem como a importância de preservar o sigilo do caso e da identidade da indígena.