MST 41 anos: entenda diferença entre ocupação e invasão


Por: Ana Cláudia Leocádio

23 de janeiro de 2025
MST 41 anos: entenda diferença entre ocupação e invasão
Manifestantes do MST erguem bandeiras do movimento (Juliana Adriano/MST)

BRASÍLIA (DF) – Acusado de invadir propriedades privadas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) enfrenta, há décadas, o estigma de invasor de terras que coloca em risco o direito constitucional à propriedade. O movimento, que completou 41 anos nessa quarta-feira, 22, defende que suas ações tratam-se, na realidade, de ocupações de terras improdutivas para serem destinadas à reforma agrária, conforme prevê a legislação.

Segundo a advogada Denise Coêlho, a diferença entre os dois termos no direito brasileiro deve ser compreendida dentro do contexto da função social da propriedade, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXIII, e no artigo 186 da Constituição Federal.

“As terras devolutas, que são bens públicos sem destinação específica, e as terras improdutivas, que não cumprem a função social, são objeto de regulamentação pela legislação agrária, notadamente pelo Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/1964). A legislação atribui ao Poder Público a responsabilidade de identificar, fiscalizar e promover a desapropriação de terras improdutivas, respeitando o devido processo legal, com vistas à sua destinação para reforma agrária”, explicou Coêlho.

Integrante do MST com bandeira do movimento em lavoura (Reprodução/Cristiano Mariz)

Conforme a advogada, no plano jurídico, invasão e ocupação têm significados distintos. “A invasão é um ato ilícito caracterizado pela entrada não autorizada em propriedade pública ou privada, violando o direito de propriedade garantido pelo artigo 5º, inciso XXII, da Constituição”, ressaltou.

A prática enseja ações judiciais, como a reintegração de posse e o interdito proibitório, previstas no Código de Processo Civil (artigos 560 a 566). “Além disso, a invasão pode configurar o crime de esbulho possessório, conforme artigo 161 do Código Penal, especialmente quando há turbação ou privação do uso da posse legítima”, afirmou a especialista,

Já a ocupação, esclarece Coêlho, “é frequentemente empregada por movimentos sociais, como MST, como instrumento político de reivindicação de direitos relacionados à função social da terra”.

“Embora essas ocupações sejam vistas pelos seus defensores como um meio de pressionar o Estado para a implementação de políticas agrárias, juridicamente, elas são tratadas de forma controversa. Muitas vezes, essas ações são interpretadas pelo Poder Judiciário como invasões, particularmente quando envolvem propriedades privadas ou áreas públicas em uso”, disse.

Reivindicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) por reforma agrária (Reprodução/MST)

A advogada prossegue ao explicar que “o reconhecimento jurídico da ocupação depende de um processo administrativo ou judicial que comprove o descumprimento da função social da terra e autorize sua desapropriação”. “Essa tensão entre direitos de propriedade e direitos sociais reflete a importância de uma maior efetividade nas políticas públicas de reforma agrária”, concluiu a profissional do Direito.

CPI acabou sem votação de relatório

Em 2023, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o MST, que acabou encerrada no dia 27 de setembro do mesmo ano, sem votação do relatório final. Foi um forte movimento da oposição para criminalizar os atos do movimento no Brasil e foi alvo de muitas discussões acaloradas com a bancada governista, durante as reuniões.

A comissão teve como relator o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) e como presidente o deputado Zucco (Republicanos-RS), ambos da ala bolsonarista do Congresso Nacional.

Conforme informações da Câmara dos Deputados, após embates entre governistas e oposicionistas na CPI, o relatório de Ricardo Salles foi apresentado, mas um pedido de vista e o cancelamento da última reunião impediram a análise dentro do prazo regimental. A direção da comissão enviou, informalmente, o texto final às procuradorias-gerais da República (PGR) e Eleitoral (PGE), além do Tribunal de Contas da União (TCU).

Na época, o grupo de deputados da oposição prometeu se manter articulado por meio da futura Frente Parlamentar da Invasão Zero. Zucco chegou a acusar manobras do governo para alterar a composição da CPI e inviabilizar a votação do relatório.

Parlamentares em reunião da CPI do MST em 2023 (Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Para o presidente da CPI, o direito de propriedade privada corre perigo no Brasil diante do “avanço do MST sobre áreas produtivas”, do “risco de nova escalada de violência e terror” e de decisões do Judiciário, como o fim do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. Ele se referia à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de setembro de 2023, que considerou inconstitucional a tese do Marco Temporal, que coloca a data da promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro), como data limite para reconhecer as terras aos indígenas.

Os deputados governistas comemoraram o fim melancólico da CPI e criticaram as ações, principalmente de Salles, durante o funcionamento da comissão. O deputado Nilto Tatto (PT-SP), disse à época que a investigação foi criada sem fato determinado, como preconiza o Regimento Interno da Câmara, e com prévia intenção de criminalizar o MST.

À Agência Câmara de Notícias, Tatto classificou como “atrocidades” algumas das diligências que o comando da CPI realizou no campo, como a entrada de parlamentares em residências de assentados sem mandado judicial, como na moradia de uma família que estava em um barraco provisório, aguardando um lote. Eles teriam, também, arrombando o cadeado da sede de associações, sem mandado judicial e adentrando em uma terra indígena sem autorização da Funai ou mesmo da comunidade indígena, o que resultava em “denúncias vazias”.

41 anos de MST

O MST completou 41 anos, nessa quarta-feira, 22, e realiza a partir das 10h, de sexta-feira, 24, o “Ato Político de Compromisso com a Reforma Agrária Popular e com o Brasil”, no Parque dos Igarapés, em Belém (PA). Os dirigentes estão na capital do Pará, desde segunda-feira, 20, para a celebração do aniversário, com a Coordenação Nacional.

Conforme informações do MST, em seu portal, o ato deve contar com a participação de mais de 400 dirigentes do movimento social, além de representantes do governo federal, de universidades, parlamentares e militantes de organizações populares. “Estão confirmadas a presença de representantes da Secretaria-Geral da Presidência da República, Ministério da Saúde, da Igualdade Racial e da Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário”, informa.

Em declaração ao portal, Ceres Hadich, da direção nacional do MST, declarou que eles querem estar ao lado dos aliados e parceiros para tornar público os compromissos do movimento com o país no próximo período. “Este ano teremos o debate ambiental na centralidade e isto está diretamente ligado ao tema da Reforma Agrária Popular, a qual queremos reafirmar, por meio das nossas lutas, como uma agenda necessária para enfrentarmos a crise ambiental”, declarou.

A dirigente nacional do MST, Ceres Hadich (Reprodução/Wellington Lenon/MST)

É a primeira vez que o movimento promove um encontro numa cidade da Amazônia. A escolha da capital paraense deu-se por causa da realização da 30ª Conferência das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP30), em novembro deste ano. Os debates e reflexões focam sobre a luta pela terra para os próximos períodos.

“O ato também será de denúncia aos massacres no campo e a brutal execução dos militantes Valdir Nascimento e Gleison Barbosa, assassinados em Tremembé (SP), no dia 10 de janeiro deste ano”, ressalta o movimento.

O MST foi fundado em 1984, na cidade de Cascavel, no Oeste do estado do Paraná, quando foi realizado seu primeiro Congresso Nacional, que além de consolidar a organização, deu início a uma trajetória de lutas em defesa da reforma agrária no Brasil. Hoje, é considerado o maior movimento social da América Latina, com uma adesão estimada de 1,5 milhão de pessoas em 24 estados e no Distrito Federal.

Leia mais: MST ocupa fazendas no Sudeste do Pará
Editado por Adrisa De Góes

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