Mudanças climáticas: geadas e secas prolongadas no Brasil podem tornar café e laranja produtos de luxo

Preços do café e da laranja dispararam nos últimos meses devido a eventos climáticos. (AFP)
Com informações da Folha de S. Paulo

MANAUS — O café da manhã de muitos brasileiros e da maioria dos europeus, com o tradicional cafezinho e o suco de laranja, poderia virar uma refeição de luxo. Os preços de dois dos principais produtos de exportação do Brasil, quase símbolos nacionais, o café e a laranja, dispararam nos últimos meses devido a eventos climáticos como geadas ou secas prolongadas que afetaram as lavouras.

No Brasil, o preço do café aumentou quase 60%, nos últimos 12 meses, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Na França, o aumento por enquanto foi mais tímido, de aproximadamente 8%, mas para um povo pouco acostumado com a inflação como os franceses, o valor pesa no bolso.

Mas, mais do que os preços, o temor na Europa é que as mudanças no clima do Brasil sejam perenes e coloquem a oferta de café e de suco de laranja no mundo em risco. Até que ponto o aquecimento global poderia estar por trás destes aumentos de preços?

PUBLICIDADE

Para a meteorologista e pesquisadora do Centro de pesquisas meteorológicas aplicadas à agricultura, o Cepagri, da Unicamp, Ana Ávila, a relação entre mudanças climáticas e problemas nas colheitas existe, ainda que seja um desafio entendê-la.

“A gente tem esse desafio de entender se isso faz parte de uma mudança climática ou se faz parte de uma variabilidade” do clima, explica a pesquisadora. “Mas, de forma geral, sim, as mudanças climáticas tendem a ter um impacto na produção de café e na produção de laranja”.

O ano de 2021 foi duplamente impactado devido a dois eventos climáticos, o frio e a seca prolongada, que levaram a uma “confusão” nas culturas, como explica Ávila. “As mudanças climáticas tendem a ter esse impacto exatamente por conta dessa bagunça naquilo que a gente conhece como sendo o normal do clima para produzir do jeito que a gente vem produzindo.”

A bagunça poderia levar a uma mudança não somente na forma de produzir, mas na geografia das culturas. Uma pesquisa realizada pelo Cepagri, em 2008, cruzou informações do zoneamento agrário no Brasil e dos cenários de mudanças climáticas, estabelecidos por pesquisadores do grupo de especialistas do clima da ONU, o IPCC.

Funcionário de bota, calca jeans e blusa verde, trabalha fazendo a secagem de grãos de café, espalhados pelo chão
Funcionários trabalham na secagem de café em Pardinho, no interior de São Paulo (Eduardo Anizelli – 4 ago.2021/ Folhapress)

O zoneamento agrário é um mapeamento que leva em consideração as características climáticas de uma região e características de cada cultura, definindo onde cada uma será estabelecida.

“O resultado dessa pesquisa foi que a tendência é que a produção do café migre mais para o Sul, onde atualmente não plantam café, por exemplo”, diz.

Desafio climático

No caso da laranja, o clima vem sendo realmente um dos principais desafios para a cultura nos últimos anos, como afirma a especialista Fernanda Geraldini Gomes, pesquisadora da área de frutas do Centro de estudos avançados em economia aplicada da Escola Superior de Agricultura (Cepea-Esalq), em Piracicaba.

“O clima é realmente o principal fator. Já são praticamente três anos de uma produção abaixo da média e basicamente é por conta do clima. Chuvas abaixo da média ou no período de florada, no período de enchimento de frutos ou nos dois, como foi o caso da safra passada. Da safra que está acabando agora”, explica a pesquisadora.

Uma das saídas usadas pelos agricultores para enfrentar as longas estiagens é a irrigação.

“Não é a maioria dos pomares que é irrigada. A gente tem hoje entre 30 e 35% da área de laranja com irrigação. Então o pessoal está tentando buscar mais esse tipo de tecnologia para evitar os riscos climáticos que estão sendo mais frequentes”, diz.

Mas a tecnologia encarece a produção e tem limites, como alerta Ana Ávila. “A gente não sabe até que ponto vamos ter essa água disponível e a gente tem prioridade para o uso dessa água. Tem muita água lá na Amazônia, mas lá, felizmente, tem toda uma área de conservação, pouca população e a gente nem quer que seja explorada em termos de produção agrícola”, avalia a meteorologista.

Sustentabilidade

O alto preço do café não significa necessariamente rentabilidade para os produtores brasileiros, como explica o pesquisador da área do café do Cepea, Renato Ribeiro. A geada de 2021 atingiu muitas regiões no sul de Minas Gerais, onde pequenos produtores tiveram grandes perdas de produção.

“Em um contexto geral, a situação para o cafeicultor, principalmente nas regiões que concentram pequenos produtores, é um pouco complicada. Além disso, o preço dos insumos também aumentou muito. Pensando em termos de retomada dos cultivos, algumas regiões terão bastante dificuldade”, analisa Ribeiro.

Seca e geada aumentam custos de alimentação de vacas na propriedade do produtor Cláudio Denti Masson, em Pardinho (SP)
Seca e geada aumentam custos de alimentação de vacas na propriedade do produtor Cláudio Denti Masson, em Pardinho (SP) (Eduardo Anizelli/Folhapress)

Para Ribeiro, a preocupação atualmente é com a sustentabilidade do modelo da cafeicultura no Brasil. Se antigamente as lavouras de café estavam profundamente relacionadas a grandes fazendas, hoje 95% do café brasileiro é cultivado por pequenos e médios produtores.

Ele lembra que a commodity já não é mais um dos grãos mais exportados pelo Brasil. Mas apesar de não abalarem profundamente a economia nacional, problemas na produção do café, além do aumento do custo dos insumos, poderiam gerar um grande impacto nas regiões onde ele é produzido.

O importante é a sustentabilidade da atividade, porque esse produtor mora na propriedade, onde trabalham ele e provavelmente os dois, três filhos. Eles vivem com uma condição de vida razoavelmente boa. Então, pensando nessa questão de uma atividade sustentável, de sustentabilidade familiar, o café nessas regiões é muito importante”, explica. Diferente de outras culturas de soja e grãos onde, em mil hectares, trabalham dois, três funcionários”, diz Ribeiro.

“Essa que eu vejo como a grande contribuição social do café comparadas a outras culturas. Você sustenta toda uma região mantendo o pessoal no campo trabalhando para ele mesmo, sem necessidade de ser empregado”, conclui.

Soluções

Mas existem soluções para não faltar café e suco de laranja na mesa do café da manhã. Para a meteorologista Ana Ávila, a solução está na melhora genética dos grãos e frutas. As plantas nativas do cerrado, por exemplo, poderiam ser usadas no melhoramento genético das lavouras.

“São plantas adaptadas, são plantas nativas, são plantas do cerrado que podem ser usadas”, diz. “Por que uma das questões, entre outras, é o melhoramento genético, para ter grãos mais resistentes à seca, às altas temperaturas, para continuar essa produção”, explica.

Outro ponto importante, de acordo com Ávila, é um melhor aproveitamento das áreas que são usadas atualmente para o cultivo, evitando a expansão da agricultura para regiões protegidas. Muitas das áreas cultivadas hoje são subutilizadas, segundo a especialista.

“Se você melhora a qualidade do solo, investe em qualidade do plantio direto, em técnicas agrícolas, você consegue produzir mais nessas áreas e produzir melhor sem precisar avançar para essas áreas protegidas”, conclui.

PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.