Mudanças em sistema de ensino no Pará preocupam professores: ‘Precário’


Por: Fabyo Cruz

14 de novembro de 2024
Mudanças em sistema de ensino no Pará preocupam professores: ‘Precário’
Alunos em sala de aula (Reprodução/Arquivo pessoal)

BELÉM (PA) – Uma denúncia anônima enviada à CENARIUM traz à tona a preocupação com o futuro da educação em regiões remotas no Pará, onde o Sistema Modular de Ensino (Some), implementado na década de 1980, vem sendo gradualmente substituído por uma “central de mídia”, que transmite aulas via satélite. A medida, de acordo com os denunciantes, desconsidera a realidade de infraestrutura das comunidades atendidas, muitas das quais sofrem com fornecimento precário de energia elétrica e condições de vida desafiadoras.

O Some, criado como solução emergencial para levar o Ensino Médio a localidades onde a presença de escolas regulares era inviável, envolve equipes de professores que se deslocam até comunidades distantes, permanecendo ali por dois meses antes de partirem para outra localidade, em um ciclo contínuo. Em 2014, o sistema ganhou respaldo legal, quando a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (Alepa) regulamentou o funcionamento. Na contramão, segundo a denúncia, o governo estadual tem demonstrado intenção de desativar o programa, considerado “oneroso” pela gestão atual.

Professores que se deslocam até comunidades distantes por meio do Some (Reprodução/Arquivo pessoal)

O plano para substituir o Some, conforme a denúncia, consiste em manter os alunos em salas de aula acompanhados por um “professor mediador”, que assiste à transmissão de aulas gravadas pela Secretaria de Educação do Estado (Seduc), com sede em Belém. Porém, a estrutura necessária para essa tecnologia está longe de ser uma realidade nas áreas onde o Some atua.

“Na localidade em que estou, na Vila Menino Deus (Igarapé-Miri), passamos vários dias sem energia elétrica […] é precário”, relata o denunciante. Em decorrência da falta de luz, as aulas presenciais foram suspensas e os professores organizam atividades impressas para minimizar a perda de conteúdo. “Estamos usando nossos próprios recursos para imprimir atividades, que são distribuídas uma vez por semana, com os alunos atravessando o rio em embarcações para buscá-las”, explica.

A falta de infraestrutura é um obstáculo constante e há, também, questões de segurança que agravam a situação. Em uma das comunidades atendidas, a Vila Santa Maria do Icatu, na cidade de Igarapé-Miri, o cenário de violência inclui ameaças de facções criminosas, incêndios criminosos e até casos graves de abuso sexual, inclusive o estupro de um aluno autista dentro da própria escola, segundo o denunciante. “A violência impede não apenas o trabalho dos professores, mas também o direito dos alunos ao estudo”, afirma.

Impacto social

A denúncia também ressalta a importância social do Some, que, em mais de 40 anos de funcionamento, formou profissionais locais que retornaram às comunidades como professores, enfermeiros e gestores. Para o denunciante, o modelo de ensino remoto proposto pelo governo desconsidera o impacto positivo gerado pelo contato direto entre alunos e professores, algo fundamental nas comunidades ribeirinhas e quilombolas atendidas pelo programa.

“A presença de um professor qualificado faz toda a diferença, especialmente para alunos de comunidades isoladas”, afirma o denunciante. Ele destaca que muitos alunos oriundos do Some já ingressaram em universidades e contribuíram para melhorar as condições de suas famílias e localidades. Em contrapartida, o modelo de ensino por televisão é visto com descrédito. “O professor mediador que assistirá às aulas pela TV com os alunos é de uma disciplina aleatória e repassa dúvidas aos professores responsáveis pelo WhatsApp”, ressalta.

Preocupação

Outro ponto de preocupação são as empresas envolvidas na produção das aulas em vídeo. De acordo com o relato, produtoras de vídeo, vindas de São Paulo junto com o atual secretário de Educação, Rossieli Soares, ex-ministro da Educação, seriam as responsáveis pela gravação das aulas. “Isso, claramente, é uma farsa, principalmente para ganhar dinheiro”, diz o denunciante.

Rossieli Soares, secretário de Educação (Reprodução/Agência Pará)

Além de questionar a eficácia pedagógica do novo modelo, a denúncia sugere que a desativação do Some beneficia interesses econômicos externos ao Estado, em detrimento de uma modalidade de ensino que sempre enfrentou limitações, mas que cumpre um papel essencial na formação de jovens em áreas remotas.

A CENARIUM solicitou um posicionamento da Seduc a respeito das declarações e aguarda retorno.

Desafios

O denunciante faz um apelo urgente por soluções que respeitem as especificidades das comunidades ribeirinhas, onde a educação é um direito básico ainda inacessível para muitos. Os professores da rede modular, responsáveis por essa resistência, consideram que as condições de trabalho — marcadas pela falta de transporte, alimentação, saneamento básico e segurança — exigem mais que uma simples “televisão em sala de aula”.

Para os professores, a substituição do Some, por outro lado, pode ser um caminho sem volta para a educação em áreas remotas do Pará, marginalizando ainda mais essas populações e comprometendo o futuro de milhares de jovens.

Leia mais: Indígenas ocupam Secretaria de Educação do Pará para exigir condições dignas em escolas
Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona

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