‘Muito triste e violento’, diz ambientalista sobre desmatamento na Universidade Federal do AM
21 de maio de 2022
Na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), uma retroescavadeira é utilizada para auxiliar na limpeza dos restos da vegetação derrubada. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS — Uma obra em construção na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), em Manaus, desmatou um trecho da maior reserva florestal da cidade e ameaça animais como o sauim-de-coleira, espécie criticamente ameaçada de extinção. À CENARIUM, ambientalistas destacaram que a derrubada de árvores centenárias para a construção do bloco da Faculdade de Odontologia (FAO) é “violenta”.
A reportagem esteve no local nessa sexta-feira, 20, e constatou o cenário. A obra está orçada no valor de mais de R$ 13 milhões, é realizada pela empresa de construções Tecon e ocorre no Setor Sul, onde ficam localizados outros blocos destinados a áreas da saúde e ciências biológicas, que abrigam cursos como Educação, Fisioterapia e Zootecnia. Homens trabalhavam no local, retirando os restos do que já havia sido derrubado com a ajuda de uma retroescavadeira.
Local onde será construído prédio da Faculdade de Odontologia. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Homens trabalham cortando os troncos das árvores derrubadas. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
A obra está orçada no valor de mais de R$ 13 milhões. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Retroescavadeira retira restos da vegetação. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Supressão da vegetação ocorreu no Mini Campus. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Placa com informações sobre a construção do bloco da Faculdade de Odontologia (FAO). (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Segundo informações contidas no site da instituição, o bloco terá quatro pavimentos, medindo 4.454m² de área construída e ficará entre o prédio da Faculdade de Ciências Agrárias 2 (FCA 2) e o Restaurante Universitário (RU). O Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) emitiu, em abril deste ano, uma Licença Ambiental Única (LAU) para supressão vegetal, com validade de um ano. A extensão da área derrubada, segundo o instituto, é de 0,56 hectares, equivalente a 5.600 metros quadrados. (Veja a licença ao fim da reportagem)
Ambientalistas criticam
A ambientalista Erika Laura Schloemp pontuou o impacto ambiental que a degradação poderá trazer. “Tanta planta podia ter sido translocada, ao invés de ser só derrubar tudo e picotar tudo. Isso é muito triste, muito violento. Eles ainda estão derrubando árvore, vão deixar só uma seringueira e uma sumaúma no local, mas mais de 100 árvores foram derrubadas”, disse ela.
A Ufam não retornou os questionamentos da CENARIUM sobre a efetiva necessidade da obra, mas a ambientalista informou que houve uma reunião ainda nessa sexta-feira, 20, com a vice-reitora da universidade, Teka Fraxe, para falar sobre os impactos da obra. O resultado do encontro, que reuniu outros ambientalistas e professores da instituição, foi a criação de uma comissão de meio ambiente que vai avaliar esta e outras obras instituição.
“Infelizmente, é complicado parar esse tipo de construção. Na minha opinião, espero que a Ufam não se aposse mais dessas áreas com floresta, porque árvore em Manaus é tão difícil de manter e a reserva florestal da Ufam é a maior floresta urbana da cidade. Tem todo um significado, uma importância para a nossa cidade. E tem muita fauna e muita flora importantes lá dentro”, acrescentou ela.
Comunidade acadêmica surpresa
Assim como a ambientalista Erika Laura Schloemp, o biólogo e professor titular do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) Ronis Da Silveira também esteve presente na reunião com a vice-reitora e explicou que a comunidade acadêmica foi pega de surpresa com a supressão vegetal da área de vegetação secundária — resultante de um processo natural de regeneração da vegetação.
“O que aconteceu é que nós, como biólogos, enquanto departamento e comunidade do Setor Sul, não sabíamos desse processo da obra. Então isso nos pega de surpresa. Eu estou na Ufam há quase 20 anos, a gente viu aquelas árvores crescendo, algumas são marcadas e são objetos de algum nível de pesquisa, têm algumas espécies que a gente marca, tipo preguiças. Então faltou algum tipo de comunicação”, disse ele.
Da Silveira reiterou que apesar da legalidade da obra e da disposição da reitoria de acompanhar, junto à comunidade interna e externa, cada árvore tem o seu valor e a universidade deveria dar o exemplo de preservação.
“A vice-reitora entendeu perfeitamente e surgiu a ideia de propor uma comissão com poder de deliberativo. A ideia é que a gente consiga conversar tanto internamente quanto com a comunidade no entorno. A Ufam tem que ser um exemplo, pelo fato de ser uma universidade pública antiga, pela envergadura e o quadro de docentes. Num momento que a gente fala de desmatamento lá longe, no Alto Solimões, no Purus, isso está acontecendo na nossa casa”, concluiu ele.
Preservação e cuidado
No local, a estudante do 7º período de Fisioterapia Yara Abe, que estuda no Setor Sul, ficou espantada com o desmatamento. “Hoje, quando cheguei aqui para participar de um evento, eu vi que a Ufam está sendo desmatada. O lema da Ufam, por ser uma universidade federal, é preservação e cuidar do meio ambiente. Acho que manter o que tem e preservar é uma coisa, mas destruir o meio ambiente, acabar com as árvores que nós temos aqui, não é bom, não é uma necessidade”, disse ela.
A CENARIUM foi ao local nessa sexta-feira, 20, e constatou o desmatamento. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Animais ameaçados
A também estudante do curso de Ciências Biológicas da universidade e integrante do Projeto Saium Raiclicia Nayara falou à CENARIUM sobre os riscos à espécie. O sauim-de-coleira é uma espécie endêmica restrita à região de Manaus, se estendendo aos municípios de Rio Preto da Eva e Itacoatiara. O crescimento e desenvolvimento desordenado urbano dos últimos anos fez com que a espécie entrasse no ranking de criticamente ameaçados de extinção.
“Existem vários caminhos viáveis para minimizar os impactos que o crescimento urbano traz, mas economicamente o mais barato e fácil é simplesmente derrubar. Não faz sentido tantos projetos dentro da universidade e no mundo falando sobre educação ambiental, sobre o quão ruim o desmatamento é, e simplesmente a Reitoria fechar os olhos e desmatar para construir estacionamento? Que evolução é essa? Que proteção ambiental é essa?”, disse ela.
O projeto atua com o monitoramento de grupos dessa espécie, encontrados nos fragmentos na cidade e floresta contínua tanto em Manaus quanto nos outros dois municípios, buscando informações sobre a biologia dessa espécie. Cria ainda mudas de árvores frutíferas e de espécies pioneiras para plantio em fragmentos desmatados anteriormente visando a recuperação da área degradada.
“Dentro do próprio campus existem várias áreas que o Projeto Sauim fez o plantio e faz o monitoramento para que não ocorra a derrubada das mesmas”, complementou.
À CENARIUM, o Ipaam informou que toda licença emitida atende aos requisitos legais e que também foi emitida autorização para captura e resgate de animais silvestres da área. “Na liberação da licença são emitidas condicionantes e restrições que são monitoradas por este órgão”, disse o instituto.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.