Mulheres empoderadas combatem o preconceito e a gordofobia

Relatos de mulheres que não deixam mais a gordofobia interferir suas vidas (Reprodução/Pinterest)

Priscilla Peixoto – Da Cenarium

MANAUS (AM) – Aversão ou discriminação contra pessoas acima do peso. Assim é definida a gordofobia, preconceito sentido na pele por muitos indivíduos gordos em todo o mundo, por não alcançarem um padrão de beleza pré-determinado socialmente. Porém, algumas mulheres acima do peso decidiram superar essa limitação e aceitar a si mesmas com orgulho. Em entrevista à CENARIUM, a empresária manauara Karina Lasmar, de 26 anos, contou que sua perspectiva mudou quando passou a entender que a aceitação do próprio corpo é um passo primordial para o empoderamento.

“Na adolescência eu tomava remédios e achava que precisava emagrecer pra me encaixar no padrão que a mídia sempre impõe. A partir do momento que entendi que não preciso me encaixar em nenhum padrão, tudo mudou na minha vida, entendi que ninguém é perfeito e aceitação é um grande passo para o empoderamento e dá força para enfrentar a gordofobia que sabemos que existe”, disse Karina.

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Esse comportamento discriminatório impacta diretamente na vida dessas pessoas, seja pessoal, social ou profissional. Neste último caso, há pesquisas que comprovam que 65% dos executivos, presidentes e diretores de empresas apresentam alguma restrição na hora de contratar pessoas gordas para fazer parte do quadro da empresa.

“Antes de ter meu próprio negócio, eu trabalhei em alguns cantos. Sempre fui gorda e quando chegava nesses ambientes, ao menor sinal de discriminação eu já me impunha e não permitia. Mas isso é algo grave, sempre falei abertamente sobre o assunto em todos os lugares que eu vou. Mas a realidade da maioria não é essa, tem muita gente que fica abalada, não consegue obter algum meio de como se defender desses ataques e constrangimentos”, contou a empresária.

Entre 19% a 42% dos adultos brasileiros obesos sofrem com discriminação. (Reprodução)

Dados e estigma social

Conforme dados publicados pela Nature Medicine, em 2020, cerca de 19% a 42% de adultos obesos sofrem com a discriminação. A taxa atinge, principalmente, as mulheres gordas. Até ano passado, o Ministério da Saúde apontou que no Brasil uma em cada cinco pessoas está com sobrepeso ou obesidade.

Em relação ao chamado excesso de peso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, em 2019, um estudo onde afirmava que 60,3% da população de 18 anos ou mais de idade integravam a lista dos que estavam com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima da média, o equivalente a 96 milhões de pessoas, 62,6% das mulheres e 57,5% dos homens.

É considerada com excesso de peso a pessoa com o IMC maior do que 25. A pessoa obesa é aquela que apresenta IMC maior do que 30. O Índice é calculado pelo peso em quilograma dividido pelo quadrado da altura em metro.

Independente dos dados, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) defende que a crença contra essa população alvo de discriminação deve ser combatida com informação. Em publicação sobre gordofobia e obesidade na página oficial da SBCBM, o vice-presidente da instituição, Dr. Fábio Viegas, comentou sobre o assunto e ressaltou o fim da tolerância sobre a discriminação sofrida por essa parcela da população.

“Evidências científicas mostram que o aumento de peso não ocorre apenas por falta de disciplina ou de responsabilidade pessoal, mas sim por efeitos biológicos, metabólicos e genéticos. O estigma e a discriminação pelo peso não podem ser tolerados em sociedades modernas”, pontuou o médico. Na mesma publicação, a psicóloga Michele Pereira, coordenadora do Núcleo de Saúde Mental da SBCBM, disse que “a gordofobia reforça preconceitos e sofrimento daqueles que não atendem ao padrão estético”.

Karina é conhecida por empreender no mercado da moda Plus Size (Reprodução/ @karinalasmar)

Liberdade e amor próprio

Para Karina, o grande segredo para se impor em uma sociedade “mergulhada nos padrões” impostos pela mídia é não tomar para si as palavras e gestos ofensivos do outro. Na avaliação da modelo plus size, as ofensas têm muito mais a dizer sobre quem ofende do que sobre o ofendido.

“Eu acredito que o caminho para não se abater pela prática da gordofobia é o autocuidado e não tomar pra si o que falam, pois a partir do momento que você entende que não importa o corpo que você tenha, sempre vão falar porque a sociedade é envolta de velhos conceitos, tudo vai mudar na sua vida”, explica.

Empresária do ramo da moda, Karina administra uma loja voltada ao público plus size e vê no empreendimento uma forma de usar a moda para lutar contra a gordofobia. “Há oito ano trabalho atendendo essa público e afirmo, não é apenas venda de roupas, é autoestima, prazer, empoderamento e quebra da tabus. A mesma roupa da moda que tem para uma mulher magra pode ter para uma gorda sim e fica belo também”, enfatiza a empreendedora.

Na leitura de Karina, o comportamento das mulheres com índice de massa corpórea acima da média têm mudado ao longo dos anos. Aos poucos, elas têm entendido que não é preciso estar dentro de um padrão para se sentir bem e bonita, seja no cotidiano, usando uma roupa de festa ou em um biquíni mais ousado. “A sociedade precisa entender que ser gordo não necessariamente indica doença e ser magro não é sinônimo de saúde”, declarou.

Mulheres estão mais sujeitas a gordofobia do que os homens (Reprodução/ Ludmilla Moreira)

“Ela me escondia por eu ser gorda”

Assim como Karina, a advogada Thais Mércure, de 28 anos, compartilha conosco parte da realidade já vivida por conta da gordofobia. A advogada além de enfrentar a homofobia por ser lésbica, passou por um caso de gordofobia dentro do próprio relacionamento que marcou sua memória.

“Basicamente eu estava saindo com uma moça, em 2018. Até aí tudo bem, porém, ela só queria sair comigo escondida. Não publicava fotos nem stories e (pasme) não queria que eu publicasse também. Ela não queria ser vista comigo. De tempos em tempos ela sumia e aparecia. E quando queria me ver, tinha que ser escondido dos amigos. Eu sofri, mas logo entendi que alguém com esse tipo de mentalidade só poderia ser alguém digno de indiferença”, relembra Thais.

Atualmente, quando o assunto é beleza, Thais conta que enxerga o tema com mais leveza e aceitação. “Me aceito bem mais do que antes, claro que ainda tenho muitas inseguranças. É difícil se gostar quando todos fazem você se sentir feia. Todos os dias vemos na televisão, na internet, imagens de mulheres padrão exibindo seus corpos magros e a gente se pergunta como podemos nos achar bonitas se não existem gordas nas capas de revista?” questiona Thais.

Para a advogada, o apoio e incentivo é fundamental nesse processo de desconstrução e reconstrução de conceitos. “Eu ainda passo por esse conflito, mas lido com muito mais carinho hoje com meu corpo do que antes. Minha namorada me passa muito amor e confiança. É isso que importa, sigamos sendo nos mesmas e sendo felizes”, conclui.

Referências

A rede social, por vezes, tóxicas para esta parcela da população, também foi instrumento para deixar em evidência figuras que falam, encorajam e empoderam outras mulheres gordas ou insatisfeitas por não se encaixarem no padrão quase inalcançável proposto pela indústria da beleza, mídia e mercado.

Nomes como o da dançarina Thais Carla, da escritora, jornalista e youtuber Alexandra Gurgel e a influenciadora digital Polly Oliveira já viraram referência e inspiração para mulheres que buscam conteúdos de valor e dicas sobre autoestima e quebra de tabus.

Com talento para a dança e com postagens que fazem sucesso no Instagram, Thais Carla levanta a bandeira da mulher ocupar todos os espaços da sociedade. “Quem disse que mulher gorda não pode estar no topo? Alguma vez já te disseram que mulheres gordas não poderiam ser bem-sucedidas? Por aqui, seguimos ocupando todos os espaços – inclusive, muito espaço – como mulher gorda empoderada, empresária, bailarina, dona de si, que gerencia a própria vida, uma empresa de lingerie e produtos sexy e o próprio destino” postou Thais.

“Pare de Se Odiar” é o livro escrito por Alexandra Gurgel. Na obra, Alexandra a aborda a pauta da gordofobia e relata a insatisfação com o próprio corpo. Em entrevista ao site Dona Gente, a jornalista afirma que todos de alguma forma têm insatisfações com o próprio corpo e dispara: ” O livro é para todo mundo que tiver um corpo. Porque provavelmente você tem alguma insatisfação com o seu corpo”, diz a escritora que completa “Amar o próprio corpo é um ato revolucionário”.

Influenciadora digital Polly Oliveira (Reprodução/ Instagram)

A influenciadora Polly Oliveira alimenta a rede social promovendo constantes reflexões sobre o assunto. Ela considera que gordofobia não é uma luta de pessoas gordas, mas uma luta maior e social.

“Neguei a história do meu corpo e a forma como ele sobreviveu pra contá-la. Esse é o ‘meu’ processo de aceitação da ‘minha’ história, esse é o meu processo de enfrentamento a está sociedade que me adoeceu tanto, mostrando quem sou, inclusive, mostrando quando tento por um segundo apenas ser quem eu não sou. Por que fizeram isso com a gente? É apenas um corpo existindo, com seus sinais, pelos, pele, marcas, manchas e tudo mais que o fez chegar até aqui”, postou Polly, em seu Instagram, em reflexão à gordofobia.

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