Mulheres enfrentam ameaças e violência política de gênero em Belém


Por: Fabyo Cruz

04 de outubro de 2024
Lívia Duarte, Bia Caminha e Marinor Brito (Composição: Weslley Santos/CENARIUM)
Lívia Duarte, Bia Caminha e Marinor Brito (Composição: Weslley Santos/CENARIUM)

Fabyo Cruz – Da Cenarium

BELÉM (PA) – A violência política de gênero afeta diretamente a participação das mulheres nos espaços de poder. Essa forma de violência se manifesta por meio de ataques misóginos, ameaças de morte e tentativas de intimidação, com o objetivo de silenciar vozes femininas que lutam por igualdade e justiça social. A ex-deputada estadual Marinor Brito (Psol), candidata à vereadora nas eleições municipais de 2024 em Belém, é uma das vítimas mais recentes.

Desde o início da campanha eleitoral, ela tem sido alvo de ataques nas redes sociais. Marinor relatou publicamente, na última terça-feira, 1º de outubro, que as ameaças recebidas incluem discursos machistas e misóginos, vindos de perfis falsos, além de intimidações por não se calar diante da extrema direita brasileira.

“Depois de sofrer ataques machistas, misóginos, de perfis fakes, estou sendo ameaçada por não me calar. Já enfrentei cara a cara o chefe [Jair Bolsonaro] do maior movimento da extrema direita fascista brasileira dos últimos tempos. E não vai ser agora, depois de enfrentar o inelegível, que eu vou me calar. Já acionei a polícia e estou confiante de que esses bandidos vão parar na cadeia”, afirmou Marinor, deixando claro que não será intimidada.

A situação vivida por Marinor reflete o cenário vivido por outras parlamentares mulheres em Belém e no Estado. Lívia Duarte (Psol), deputada estadual, e Bia Caminha (PT), candidata à reeleição como vereadora de Belém, também enfrentaram ameaças em 2023. Ambas são conhecidas pelas atuações feministas, antirracistas e antilgbtfóbicas, e receberam mensagens ameaçadoras que tentavam intimidá-las e tirá-las dos espaços de poder.

As ameaças contra Lívia e Bia, assim como as dirigidas a Marinor, destacam um padrão de violência direcionada a mulheres em posições de destaque. Mensagens com conteúdo misógino sugeriram, inclusive, que as parlamentares teriam o mesmo destino de Marielle Franco, a vereadora carioca assassinada em 2018.

Estive na Polícia Federal conversando com o delegado responsável pelo inquérito das ameaças. Não vamos descansar até que os responsáveis sejam encontrados e punidos de acordo com a lei“, disse Beatriz Caminha em publicação no Instagram.

Desafios no combate à violência política de gênero

À CENARIUM, a advogada Samara Tirza, coordenadora na Secretaria de Estado de Igualdade Racial e Direitos Humanos (Seirdh), destacou os avanços na legislação para proteger mulheres vítimas de violência política, porém alertou para os desafios ainda presentes no cenário eleitoral brasileiro.

Professora universitária e militante da causa, Tirza enfatizou a importância de recentes mudanças no Código Eleitoral, que criminalizam a violência política de gênero, trazendo uma nova perspectiva para o enfrentamento dessa questão.

“A alteração de 2021, que inseriu a violência política de gênero no Código Eleitoral como crime, foi um avanço significativo. Isso manda um recado claro à sociedade: o debate público não pode ser um espaço sem regras, onde vale tudo, inclusive violentar mulheres para obter ganhos eleitorais”, afirmou Samara.

Segundo ela, essa mudança reforça a necessidade de proteger as mulheres que se envolvem no processo político, especialmente como candidatas.

Advogada Samara Tirza, coordenadora na Seirdh, professora e ativista (Arquivo pessoal)

Mesmo com melhorias legislativas, Samara Tirza ressaltou que ainda há obstáculos importantes, especialmente no que diz respeito ao reconhecimento da violência política de gênero e ao apoio oferecido pelos próprios partidos políticos.

Estamos vindo de um contexto onde muitas candidaturas femininas são usadas apenas para preencher cotas, o que é uma fraude. Muitas vezes, os próprios partidos não respeitam essas candidaturas. Esse é um dos grandes desafios: garantir que as mulheres recebam o apoio necessário de suas redes políticas”, explicou.

A advogada também destacou o papel do Ministério Público Federal (MPF) no acolhimento de denúncias de violência política de gênero. O órgão é responsável por encaminhar o processo penal e garantir que os agressores sejam devidamente punidos, conforme a lei.

Vulnerabilidade das mulheres negras

Samara Tirza chamou atenção para a maior vulnerabilidade das mulheres negras no cenário político. “As mulheres negras estão mais expostas à violência política. O maior símbolo disso foi a morte de Marielle Franco, um feminicídio político que expôs o racismo e a misoginia presentes no sistema”, afirmou.

Ela ressaltou a importância de olhar com mais atenção para as candidaturas de mulheres negras, indígenas e trans, cujas experiências de violência são muitas vezes negligenciadas. “O Instituto Marielle Franco tem desempenhado um papel crucial ao lançar, em cada período eleitoral, um mapeamento das candidaturas negras e um manual de proteção contra a violência política de gênero”, destacou Samara.

A ativista de Belém defende que partidos e instituições políticas assumam a responsabilidade de acolher e proteger essas mulheres, garantindo sua participação segura e efetiva no processo eleitoral. Por fim, Samara Tirza fez um apelo para que as instituições, especialmente o Poder Legislativo e o Poder Executivo, levem a sério a questão da violência política de gênero.

“É preocupante ver como, muitas vezes, essa violência é tratada como algo casual ou uma ‘brincadeira de mau gosto’. Não é. A violência política de gênero é uma prática constante e, infelizmente, uma arma no processo eleitoral”, concluiu.

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