Mulheres indígenas fundam associação para reivindicar direitos em Manaus
Por: Paula Litaiff e Marcela Leiros
30 de março de 2021
MANAUS – Diante da ausência de políticas públicas efetivas e do histórico de invisibilização, mulheres indígenas que vivem no Parque das Tribos, na zona Oeste de Manaus, estão se organizando de forma coletiva para reivindicar seus direitos sociais, culturais e políticos.
Com a criação de uma associação própria, a Associação do Parque das Tribos (Aimpat), elas buscam fortalecer a participação feminina nos espaços de decisão e enfrentar as múltiplas formas de violência que atingem seus corpos e territórios.
A iniciativa surge em um dos maiores territórios indígenas urbanos do Brasil (68,6 mil metros quadrados), onde mais de 900 famílias de 35 etnias vivem em um contexto de precariedade estrutural, falta de saneamento básico, insegurança jurídica sobre a posse da terra e carência de serviços essenciais.
Frente a esses desafios, a articulação das mulheres indígenas representa um movimento de resistência e de reterritorialização simbólica, afirmando sua presença enquanto sujeitas políticas ativas.
Lideranças femininas vêm denunciando que, mesmo dentro dos próprios territórios, enfrentam exclusão em espaços tradicionalmente ocupados por homens, como conselhos comunitários e instituições representativas.
A organização em torno da associação também busca assegurar o acesso a políticas públicas específicas para mulheres indígenas, incluindo saúde, educação e segurança, com atenção às realidades culturais de cada povo.
Elas planejam promover formações políticas, rodas de conversa e campanhas de combate à violência de gênero, fortalecendo a atuação comunitária e intergeracional.
O Parque das Tribos se consolida, assim, como um território de luta e de afirmação identitária. A mobilização das mulheres indígenas representa não apenas a defesa de direitos básicos, mas também uma crítica contundente à estrutura colonial e patriarcal que ainda molda as relações de poder no Brasil.

Cacica Lutana, que tem 47 anos e assumiu a responsabilidade de liderar o Parque das Tribos há duas semanas, destacou ainda a importância da representatividade das mulheres indígenas na luta pelos direitos de toda a comunidade. “Nós, mulheres, já temos responsabilidades naturalmente impostas e agora temos uma equipe que vai lutar pelo que é importante para nós”, afirmou.
A criação da Associação Indígena Cristo Rei tem como inspiração a Federação Kokama, formada apenas por mulheres, que também atua no Parque das Tribos e comunidade Cristo Rei, mas que tem apenas indígenas da etnia Kokama. O principal trabalho dos dois grupos, segundo a cacica Lutana, é a “arrecadação e distribuição de alimentos não perecíveis para os moradores das comunidades”.
Desafios
Como mulher e, principalmente, indígena, Lutana contou que enfrenta desafios para liderar o Parque das Tribos. Um desses obstáculos é a tentativa de terceiros de invalidarem seu direito de ser a chefe da comunidade, já que há famílias, dentro da localidade, que não reconhecem sua liderança.
Ela alega que vê “machismo” na atitude, mas o que importa é que foi escolhida em uma eleição reconhecida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE-AM) e a Fundação Nacional do Índio (Funai). “Eu tenho o documento”, disse ela. “Os órgãos públicos reconhecem a minha representatividade dentro da comunidade”.
Território
A comunidade Cristo Rei surgiu antes do Parque das Tribos, quando os pais da cacica Lutana, João Diniz Albuquerque, do povo Baré, e Raimunda da Cruz Ribeiro, da etnia Kokama, saíram da região do Médio Rio Solimões, próximo ao município de Tefé, no oeste do Estado, e se abrigaram em Manaus. Com os filhos e sem local para morar, o casal ocupou uma área no Tarumã-Açu, na zona Oeste da capital amazonense. Esta terra se consolidou como a comunidade Cristo Rei.
A partir de 2012 a família começou a ocupar o antigo roçado da comunidade. Nesta área, em 2014, foi fundada a comunidade Parque das Tribos, onde vivem em torno de 700 famílias, sendo 80% indígenas de 35 etnias. Considerado o primeiro bairro indígena de Manaus, o Parque das Tribos abriga indígenas de etnias como Apurinã, Baré, Mura, Kokama, Tikuna, Wanano, Sateré-Mawé e Tukano.
O bairro indígena atualmente enfrenta as dificuldades causadas pela pandemia do coronavírus. Os moradores da localidade foram atingidos pelo desemprego, pelo vírus e até mesmo com a perda do antigo cacique Messias Kokama, vítima da doença.
Amazônia
Pelo Censo do IBGE, Manaus tinha, em 2010, uma população de 7.894 indígenas autodeclarados. O Censo Demográfico daquele ano foi a primeira pesquisa que registrou a quantidade de etnias e de línguas indígenas existentes no Brasil. Foram contados 896,9 mil indígenas, de 305 etnias ou povos, e falantes de 274 línguas indígenas em todo o País.
Das cinco regiões do Brasil, é no Norte onde se concentra o maior número de indígenas: são 305.873 mil, aproximadamente 37,4% do total. Em toda a região, o Estado com o maior número de remanescentes dos povos originários é o Amazonas, representando 55% do total. O município de São Gabriel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, é a cidade mais indígena do País.