Mulheres na ciência: desafios de atuar na área persistem, mas são encarados com bravura

No Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, a CENARIUM traz a história de mulheres que atuam na área e superam desafios diários (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Bruno Pacheco — Da Revista Cenarium

MANAUS — Margaret Hamilton, Nancy Roman, Grace Hopper, Hipácia de Alexandria e Rosalind Franklin são apenas algumas das grandes mulheres cientistas que fizeram história ao inovarem na área da pesquisa e cujos nomes inspiram, há décadas, jovens e futuras pesquisadoras a ingressarem neste segmento. Seja no passado ou no presente, os desafios de atuar no setor tecnológico ou científico ainda persistem, mas são encarados por elas com bravura.

Neste Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, celebrado anualmente em 11 de fevereiro como forma de homenagear mulheres que romperam barreiras e estigmas na ciência, a biotecnóloga Aldenora Vasconcelos, de 24 anos, mestranda em Biotecnologia pela Universidade do Federal do Amazonas (Ufam), conta à REVISTA CENARIUM sobre o trabalho árduo como pesquisadora que, em meio à falta de apoio do governo federal para o desenvolvimento dos estudos, acaba sendo recompensador.

PUBLICIDADE

“Não é uma área fácil [atuar na área], com certeza, [ela] te cobra mentalmente e fisicamente, pois você precisa de horas de dedicação mental, pesquisando artigos, elaborando discussões, entender os processos biológicos e, ao mesmo tempo, você se cansa fisicamente, pois você precisa passar o dia no laboratório, fazendo experimentos, lavando vidrarias e isso no fim do dia é bastante cansativo. E o trabalho não acaba no laboratório, chegando em casa você ainda precisa se dedicar ao seu trabalho. O governo também não oferece as condições necessárias para o desenvolvimento da pesquisa, falta recurso para reagentes e equipamentos”, conta a jovem pesquisadora.

“Mesmo assim resistimos, é recompensador trabalhar com o que se gosta, obter os resultados que você espera, responder questionamentos por meio de muito esforço e perceber que aqueles lindos resultados são frutos da tua dedicação. E sem a ciência desenvolvida por nós, o mundo seria muito pior”, reforçou Aldenora Vasconcelos.

Aos 24 anos, Aldenora é pesquisadora, cientista e estuda mestrado em Biotecnologia (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Natural de Urucurituba e com boa parte da juventude criada em Itacoatiara, ambos municípios do interior do Amazonas, a pesquisadora de origem humilde migrou para Manaus em 2016 com o objetivo de estudar na sonhada faculdade de Biotecnologia na Escola Superior de Ciências da Saúde da Universidade do Estado do Amazonas (ESA/UEA). É por meio da Educação que Aldenora busca realizar os sonhos que tem com a família.

“Eu não vim de uma família rica, minha mãe sempre batalhou muito para me criar, então desde que me entendo por gente eu sabia que a única forma de eu crescer na vida seria por meio da educação, mas até o momento eu não tinha escolhido qual profissão trilhar. A vontade de seguir uma carreira na área de biológicas surgiu no Ensino Médio, quando tive aulas maravilhosas com minha professora de Biologia. Então eu sabia que queria seguir essa área, e logo comecei a pesquisar profissões que envolviam mais a parte prática, pesquisas laboratoriais, eu queria ser cientista”, lembrou Aldenora.

“Até que cheguei em biotecnologia, englobava tudo o que eu estava querendo e no mesmo ano que eu iria prestar vestibular abriu uma turma na UEA de oferta especial, foi minha chance”, revelou.

A pesquisadora começou a atuar na área com projetos de iniciação científica na faculdade (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Na faculdade, a jovem começou a atuar como pesquisadora em projetos de iniciação científica, ainda no segundo período. “Ao todo, eu realizei dois projetos de iniciação científica, todos no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), posteriormente foi meu projeto de TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Agora eu trabalho como tecnóloga de laboratório de microscopia [na UEA], auxiliando na obtenção de resultados de diversas pesquisas científicas”, frisou, orgulhosa.

Pesquisa e incentivo

Após um 2021 difícil para o segmento da ciência, com os laboratórios fechados ou com revezamento de pessoas por conta da pandemia de Covid-19, a pesquisadora Aldenora Vasconcelos afirma que a meta para 2022 é de emplacar pesquisas em plataformas científicas renomadas mundo afora. Este ano, a cientista vai defender a tese de mestrado pela Ufam. “Vou defender esse ano. No meu mestrado eu trabalho com prospecção enzimática por cogumelos. Terminando ele, pretendo sim fazer um doutorado, é fundamental na minha área”, destacou.

Questionada sobre o que é preciso para que mais meninas e mulheres sejam incentivadas para ingressar no mundo da ciência, a cientista afirma ser o apoio do governo. Segundo Aldenora, é necessário que seja fornecido mais condições para realização de pesquisas, seja com recursos, equipamentos ou bolsas.

Ingressar na ciência é um trabalho como qualquer outro, e sem bolsa de apoio não tem como. Além disso, as mulheres precisam de apoio da sociedade como um todo, pois muitas vezes as mulheres carregam o peso que é cuidar da família e o seu sonho acaba ficando de lado. Mas elas são capazes de fazer o que elas quiserem, eu sou rodeada de mulheres cientistas incríveis“, ponderou.

A mulher na computação

Na década de 1970, de acordo com dados da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 70% dos alunos do curso de Ciências da Computação, no Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, em São Paulo, eram mulheres; em 2018, essa porcentagem baixou drasticamente para apenas 15%.

Ainda segundo a USP, em cinco anos (2013-2018), apenas 9% dos alunos formados no curso de Ciências de Computação do ICMC da USP em São Carlos eram mulheres; no Bacharelado em Sistemas de Informação, foram 10% e em Engenharia de Computação, 6%, números que não se restringem somente à universidade e que são percebidos e vistos como desafios já no mercado de trabalho, de acordo com a professora Tanara Lauschner, doutora em Informática e professora do Instituto de Computação (Icomp) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Professora Tanara Lauschner é doutora em Informática (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“O principal desafio que eu penso é ser mulher em computação — que de fato não é um desafio apenas na minha área, mas um desafio das áreas onde a maioria das pessoas são do gênero masculino. É preciso sempre saber se colocar, se manter atualizada, pois você será colocada constantemente em dúvida pelo único fato de que mulheres inspiram menos confianças nessas áreas”, ressaltou a professora Tanara Lauschner.

Professora Tanara Lauschner se mudou para o Norte aos 6 anos de idade. Hoje, é doutora em Informática (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Nascida em São José do Cedro, no Estado de Santa Catarina, Tanara Lauschner se mudou para o Norte do Brasil aos 6 anos de idade e passou a infância no município de Maués, no interior do Amazonas. Ela conta à REVISTA CENARIUM que, apesar de não ter tido muito contato com a ciência e tecnologia quando criança, sempre gostou de números e isso a inspirou pela busca do conhecimento em processos computacionais.

“Não tive muito contato [com a área tecnológica/científica na infância]. Morava no interior, não tinha praticamente nenhum acesso à tecnologia. Em casa tínhamos uma TV em preto e branco de 18 polegadas, que os jovens nem devem saber o que é, e tínhamos sinal de TV poucas horas por dia. A minha inspiração eu penso que tenha sido mesmo o meu gosto pelos números, pela matemática, que são processos computacionais. Lembrando que a computação veio bem antes que os computadores”, salientou.

“Eu sempre fui uma pessoa que gostei de estudar — e sempre tive muita facilidade com matemática. Sempre estudei em escola pública, no interior do Amazonas, em Maués, e meus pais não tinham condições de me manter em um escola privada em Manaus. Então vim para cá estudar na ETFAM [Escola Técnica Federal do Amazonas], hoje Ifam [Instituto Federal do Amazonas], onde acabei escolhendo o curso de eletrônica, depois engenharia elétrica, quando comecei a trabalhar mais com programação. Então, surgiu a oportunidade de fazer mestrado em computação, em um programa interinstitucional da Ufam com a UFMG. Foi muito da minha habilidade matemática somado às oportunidades que eu tive”, discorreu Tanara Lauschner.

Incentivo às crianças

Além de professora, Tanara Lauschner é uma das fundadoras do projeto Garotas Espertas, que busca incentivar a participação de crianças e adolescentes na área da ciência e tecnologia. À REVISTA CENARIUM, a educadora afirma que, para que o público jovem feminino seja incentivado a ingressar nesse universo de sabedoria, é preciso de mais ações específicas para elas e mostrar que todas podem sim entrar na área da tecnologia e da ciência.

Professora Tanara Lauschner é uma das fundadoras do projeto Garotas Espertas (Arquivo Pessoal/Reprodução)

“É preciso mostrar exemplos de mulheres que têm histórias parecidas onde as meninas possam se reconhecer. As empresas precisam definir políticas para contratação de mulheres com metas bem estabelecidas para seus executivos, tais metas devem ser encaradas como outras entregas que os executivos precisam alcançar. As empresas e instituições precisam definir políticas para o espaço de trabalho seja acolhedor para as mulheres. Essas duas iniciativas fazem com que tenhamos mais mulheres em TI e elas se manterão na área, com isso, serve de exemplo para as meninas, fechando o ciclo. Não se pode olhar somente para a inclusão de meninas sem olhar todo processo, toda a cadeia”, exemplificou.

Caminho para transformação

Para a pequena modelo, atriz e digital influencer Lara Farias, de apenas 8 anos, que ama a ciência e tecnologia, o mundo científico é o caminho para a transformação. Lara foi uma das 12 meninas que participaram do projeto Garotas Espertas, vivenciando a matemática, filósofa e astrônoma Hipácia de Alexandria (351/370 a.C).

“A ciência tem uma grande importância para toda a humanidade, por meio da ciência podemos descobrir curas e fazer grandes descobertas. A educação é o caminho para a transformação”, comentou Lara Farias.

Lara Farias se espelha em Hipácia de Alexandria, considerada a primeira mulher matemática da história (Arquivo Pessoal/Reprodução)

À REVISTA CENARIUM, a jovem atriz afirma sentir orgulho ao ver uma mulher sendo lembrada como um dos grandes nomes da ciência mundial. “Significa orgulho! É importante sim que sejam lembradas para mostrar a força da mulher que nós podemos ser o que quiser!”, disse.

Aos 8 anos, Lara Farias fala da importância em ter mulheres na ciência mundial (Arquivo Pessoal/Reprodução)

Além disso, reforça a mãe Keize Farias, ver a filha já se interessando na ciência e tecnologia, participando de projetos sobre a área com apenas 8 anos, representa um orgulho e é de grande importância para o autoconhecimento de Lara.

“Como mãe me sinto feliz e orgulhosa! É importante para o autoconhecimento e incentivar outras crianças a buscar seus sonhos e conhecer melhor a ciência”, concluiu.

Lara Farias ao lado da família (Arquivo Pessoal/Reprodução)
PUBLICIDADE

O que você achou deste conteúdo?

Compartilhe:

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.