Mulheres negras pagam proporcionalmente mais caro pela energia no Brasil, aponta estudo
Por: Cenarium*
27 de outubro de 2025
MANAUS (AM) – Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) revela que o sistema de bandeiras tarifárias de energia elétrica no Brasil tem um impacto desproporcional sobre famílias negras e de baixa renda, sobretudo as chefiadas por mulheres.
O estudo, intitulado “Energia e interseccionalidade: o impacto das tarifas de energia elétrica no orçamento das famílias brasileiras”, mostra que, em períodos de encarecimento da conta de luz, esses lares chegam a gastar o dobro, em termos proporcionais à renda, do que famílias brancas com maior poder aquisitivo.
Injustiça energética e peso desigual
De acordo com o Inesc, a diferença é gritante. Enquanto uma mulher negra de renda média tem o gasto mensal com energia acrescido em 9,41% sob bandeira vermelha patamar II, representando 13,09% de sua renda mensal, um homem branco de renda alta sofre aumento de apenas 6,24%, equivalente a 7,03% da renda.
“O estudo comprova que as bandeiras tarifárias penalizam quem já vive no limite. Mulheres negras, sobretudo de baixa e média renda, têm menor elasticidade de consumo: não conseguem reduzir o uso de energia porque já consomem apenas o essencial. Isso é o que chamamos de injustiça energética”, explica Cristiane Ribeiro, do Colegiado de Gestão do Inesc.
A análise cruzou dados de renda, gênero e raça a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE e revelou distorções históricas. Famílias chefiadas por homens brancos de renda alta consomem, em média, 262,72 kWh/mês, 2,5 vezes mais que as de homens negros de baixa renda (102,84 kWh/mês).
Já as mulheres negras de baixa renda exibem o menor rendimento per capita (R$ 309,08) e comprometem, em média, 11,57% da renda total com energia elétrica; entre os homens brancos de alta renda, esse índice cai para 1,46%.

Consumidores regulados penalizados
O estudo também aponta uma assimetria estrutural no setor elétrico. “As bandeiras tarifárias incidem apenas sobre os consumidores do Ambiente de Contratação Regulado (ACR), enquanto os do Ambiente de Contratação Livre (ACL) permanecem isentos dessa cobrança”, critica Cássio Cardoso Carvalho, assessor político do Inesc.
Segundo ele, “é um modelo perverso, que vem se agravando em um contexto de migração crescente do mercado regulado para o livre. As bandeiras tarifárias têm sido aplicadas com maior frequência — resultado do próprio planejamento do sistema e da recorrente escassez hídrica —, e o custo acaba sendo repartido entre um grupo cada vez menor de consumidores, enquanto os do ACL seguem isentos”.
Em números absolutos, famílias de mulheres negras de renda média arcaram juntas, em 2024, com R$ 230,8 milhões em custos adicionais provocados pelas bandeiras tarifárias. Já entre homens brancos de renda alta, o gasto agregado foi menos da metade: R$ 106,7 milhões.
As simulações do Inesc indicam que, quando a bandeira muda de verde para amarela, o aumento percentual no gasto mensal é de 2,36% para mulheres negras de renda alta e 1,59% para homens brancos da mesma faixa. No cenário mais severo — bandeira vermelha patamar II —, o gasto cresce 9,74% para mulheres negras de renda alta, contra 6,24% entre homens brancos de alta renda.
Transparência e justiça energética na transição
Para o Inesc, é urgente incorporar a justiça energética às políticas de transição. A instituição defende a extensão das bandeiras tarifárias ao mercado livre, maior transparência na cobrança e enquadramento automático de famílias do CadÚnico na Tarifa Social de Energia Elétrica.
“O modelo atual de bandeiras tarifárias parte do pressuposto de que todos os consumidores podem economizar quando a conta aumenta. Mas essa hipótese ignora a realidade de milhões de famílias que já vivem no mínimo vital. Para elas, reduzir o consumo significa abrir mão de comida refrigerada, de banho quente ou de ventilador em dias de calor extremo”, enfatiza Carvalho.
Ribeiro conclui dizendo que o combate à pobreza energética deve ser parte da agenda climática. “Não é possível pensar em transição energética justa quando mulheres negras seguem pagando proporcionalmente mais caro pela luz do que homens brancos ricos. É racismo ambiental traduzido em números”, afirma.