Mulheres recorrem à fertilização in vitro durante a pandemia

Número de ciclos de FIV cresceu 3,6% em 2020, mostra relatório da Anvisa (Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo)

Com informações do O Globo

SÃO PAULO – Vanessa Magalhães da Silva Jost, de 37 anos, não imaginava que uma viagem de lazer aos Estados Unidos em março deste ano faria com que seus planos de ampliar a família fossem antecipados. Mãe dos gêmeos Antônio e Joaquim, de 3 anos, a curitibana e fundadora da ONG Gestar foi diagnosticada com Covid-19 em solo americano e, como ficou com pressão alta como sequela, recorreu à fertilização in vitro (FIV) durante a pandemia por recomendação médica.

“Fiquei com muito receio de esperar a pandemia acabar por causa da minha idade, mas também por conta da pressão alta, consequência do vírus. O cardiologista me alertou dizendo que se eu quisesse ser mãe novamente teria de ser agora, ou a gravidez seria de altíssimo risco”, lembra.

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Jost é uma das brasileiras que conseguiu fazer o procedimento no final de novembro, às pressas, em caráter de exceção. A gravidez não foi para frente, e agora ela corre novamente contra o tempo para conseguir realizar outra FIV ainda em dezembro, por receio de que procedimentos similares sejam novamente suspensos em razão da alta de casos do novo coronavírus.

As fertilizações in vitro ficaram paralisadas no Brasil no pico da pandemia, entre março e julho, ao lado de outros procedimentos eletivos, mas depois retornaram aos poucos junto a medidas de flexibilização adotadas pelos estados.

“É arriscado esperar a evolução da pandemia. Corremos o risco de fechar tudo de novo, e não dar tempo de jogar mais para a frente. Até mês que vêm, não se sabe o que pode acontecer, estamos correndo contra o tempo. No Paraná, por exemplo, o governo já voltou a suspender alguns procedimentos. Os casos aqui estão aumentando muito”, conta.

A mãe de Antônio e Joaquim fez a primeira FIV há três anos, em Curitiba, quando ficou grávida dos gêmeos. À época, ela também congelou três embriões. Um deles foi usado em novembro, mas não deu certo. Neste mês, ela dará início a um novo processo de FIV.

“Meu sonho sempre foi ter filhos e, a princípio, pensava em dois. Como são meninos, ficou o desejo de ter uma menina. Minha expectativa é que venha uma, mas se vierem dois de novo também serão muito amados”, afirma.

Ainda não há um levantamento sobre quantas fertilizações in vitro foram realizadas em 2020, mas dados do 13º Relatório do Sistema Nacional de Produção de Embriões (SisEmbrio), publicado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) neste ano, revelam que o número de ciclos de FIV cresceu 3,6% em todo o País.

Em 2019, foram 44.663 procedimentos, 1.565 a mais em relação a 2018. Em sete anos (de 2012 a 2019), a quantidade de ciclos mais que dobrou. São Paulo é o estado que mais realiza FIV, com 47% do total. Em segundo e terceiro lugar, respectivamente, estão Minas Gerais (9,6%) e Rio de Janeiro (9,1%).

Corrida contra o tempo

Priscila Lima de Almeida, de 34 anos, moradora de Santo André, no ABC Paulista, também se vê na correria para realizar o sonho de ser mãe. Portadora de endometriose, doença que causa infertilidade e afeta 7 milhões de brasileiras, Priscila apertou o passo para conseguir engravidar ainda este ano.

Após complicações causadas por uma grave apendicite na adolescência, ela teve uma inflamação nas tubas uterinas e, anos depois, foi diagnosticada com endometriose. Em 2018, precisou fazer uma cirurgia para retirada das tubas e dos focos da endometriose.

“Nesse ano, comecei a fazer o tratamento da fertilização. Apliquei a medicação e fiz a punção para retirar e congelar os óvulos. No final de fevereiro, quando ia realizar os últimos exames, suspenderam o procedimento por conta da Covid-19. Fiquei morrendo de medo porque minha endometriose poderia voltar, mas tive que esperar, não teve jeito”, lembra Priscila.

O sonho de ser mãe da pedagoga precisou ser adiado por seis meses por causa da pandemia, mas a partir de julho, os procedimentos de FIV foram retomados para mulheres “que tinham urgência”.

“Liberaram para pessoas que tinham algum risco, como endometriose ou idade avançada. Eu fui uma das pessoas que fez transferência embrionária em agosto, quando ainda havia restrições. A clínica já sabia do meu diagnóstico, então me liberou para fazer.”

Demanda reprimida

Segundo Maurício Abrão, ginecologista e chefe do setor de endometriose do Hospital das Clínicas da USP, ainda existe uma demanda reprimida de FIV por causa da pandemia, já que nem todas as mulheres conseguiram realizar o procedimento até então.

“Hoje, o momento é de analisar caso a caso. No início, o bloqueio foi total, como aconteceu em todos os setores. Num segundo momento, liberou-se a apenas a aspiração dos óvulos e a FIV, mas sem poder fazer a transferência do embrião. Agora, por mais que exista uma tendência de segunda onda ou finalização da primeira, é um procedimento que precisa ser visto individualmente para as mulheres não perderem o timing”, diz o especialista.

Abrão pontua que, como se sabe, há total incerteza de quando a pandemia iá acabar.

“O que é então (nesses casos) a espera? Não é dizer para a mulher que vai poder fazer em três meses. Há também que se pesar a situação clínica da paciente, os riscos inerentes que estão por trás. É óbvio que se o tempo vai passando, a inflamação (no caso da endometriose) pode aumentar. O tempo seguramente conta neste caso”, completa o especialista.

Priscila está no momento grávida de quatro meses, mas ainda não sabe se será mãe da Polyana ou do Pedro. Sobre a gravidez no meio da pandemia, ela diz que o medo de não poder ser mãe era maior:

“É uma incerteza, eu não sei quando vai acabar a pandemia. Era uma quarentena, que virou seis meses, e agora estamos indo para o nono mês. Se eu esperasse, seria até quando? O risco da endometriose voltar era mais certeiro do que o fim da pandemia”, relata.

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