Mulheres trans denunciam preconceito de gênero em unidade prisional
Por: Jadson Lima
05 de março de 2025
MANAUS (AM) – Duas mulheres transsexuais, privadas de liberdade, no Centro de Recuperação Agrícola Silvio Hall de Moura (CRASHM), em Santarém (PA), relataram a uma equipe da Defensoria Pública da União (DPU) que sofrem desrespeito à identidade de gênero por outros detentos da unidade prisional e por agentes penitenciários que atuam no local. A informação consta em um ofício do Ministério Público Federal (MPF), datado de 27 de fevereiro, que aponta discriminação institucional.
No documento, o MPF recomendou que a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Pará (Seap) e a direção da unidade adotem medidas para garantir direitos de mulheres transexuais e travestis que estejam cumprindo pena no CRASHM. Para sugerir as mudanças, o órgão cita uma pesquisa da Revista Brasileira de Epidemiologia, que coletou dados entre os anos de 2019 e 2021, a qual aponta que mais de 60% das mulheres trans e travestis ficaram presas com homens cisgênero.
De acordo com o estudo, mais de um quarto das entrevistadas – cerca de 26,3% – sofreu agressão, e 13,8% relataram ter sofrido violência sexual durante o encarceramento. A mesma pesquisa, diz o MPF, registrou que 40% dos detentos trans foram vítimas de violência sexual, “número que contrasta significativamente com a taxa de apenas 4% entre os demais presos”.

“A situação acima caracteriza um cumprimento de pena cruel e, ainda tornando-se precárias as condições da dignidade da pessoa humana dentro dos estabelecimentos prisionais, indo de encontro aos dispositivos constitucionais e aos tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na Guatemala”, diz trecho do documento.
Na recomendação, o MPF também destacou que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, firmou o entendimento de que o conceito de racismo ultrapassa aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos e alcança a negação da dignidade e da humanidade de grupos vulneráveis, de modo que os casos de homofobia e/ou transfobia devem ser enquadrados como crimes de racismo.
O procurador da República Vitor Vieira Alves pontuou, ainda, que o Brasil, por ser signatário da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, adotada na Guatemala, deve garantir igualdade a todo ser humano, bem como o direito à igual proteção contra o racismo, a discriminação racial e formas correlatas de intolerância, em qualquer esfera da vida pública ou privada.
No documento, a autoridade deu um prazo de dez dias para que as autoridades estaduais identifiquem todas as mulheres trans e travestis que estão cumprindo pena na Unidade de Custódia e Reinserção de Santarém (UCR), que é destinada exclusivamente a pessoas do sexo masculino. O MPF também pediu a imediata transferência de uma das detentas para a Unidade de Custódia e Reinserção Feminina (UCRF) de Santarém.
A recomendação foi emitida porque tramita no MPF o Procedimento Administrativo nº 1.23.002.000853/2024-57, instaurado para apurar discriminação institucional de gênero no Centro de Recuperação Agrícola Silvio Hall de Moura, em Santarém (CRASHM). Veja a íntegra:
A CENARIUM entrou em contato com a Secretaria de Administração Penitenciária do Pará, por meio da assessoria de imprensa, para solicitar informações sobre a transferência de uma das detentas, bem como a identificação das demais presas na unidade. A pasta também foi questionada sobre o descumprimento de tratados que falam sobre os direitos dessa população. Até o fechamento desta reportagem, não houve retorno.