Mulheres trans relatam desafios no mercado e ausência de direitos
Por: Jadson Lima
08 de março de 2025
Mulheres trans afirmam que ausência de políticas públicas é um tema preocupante e precisa de atenção (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
MANAUS (AM) – O Dia Internacional da Mulher, neste sábado, 8 de março, é uma data usada para comemorar os avanços em políticas para as mulheres no Brasil e no mundo, mas também expõe as dificuldades do dia a dia, os desafios no mercado de trabalho e a falta de políticas voltadas para as mulheres trans em questões relacionadas aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988.
Uma dessas dificuldades refere-se à ausência de direitos previdenciários e trabalhistas para essa parcela da sociedade brasileira, que busca a igualdade e o respeito aos direitos que deveriam ser garantidos pelo poder público. À CENARIUM, a artista Paula Baçal, mulher trans, destacou que a ausência de políticas públicas é um tema preocupante e precisa de atenção, porque, além de somar à discriminação cotidiana, também contribui para a marginalização da população trans.
Paula Baçal é artista e drag queen (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Para ela, além dos casos de preconceito registrados no Brasil, que é o País que mais mata a população trans, a dificuldade de inserção no mercado de trabalho de pessoas trans é uma realidade inegável.
“As estatísticas do Brasil como o País que mais mata pessoas trans no mundo não nos deixam mentir. Justamente pelo fato de que, se já mata, imagina querer que nós fiquemos em suas empresas. Não nos querem em sociedade, quem dirá numa empresa“, disse Baçal.
A reportagem conversou com a advogada e especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, Renata Rocha, que explicou a ausência de direitos previdenciários e trabalhistas para pessoas trans de forma geral. De acordo com a jurista, não há regulamentação específica em vigor sobre aposentadoria e direitos trabalhistas das pessoas transexuais, permanecendo a aplicação das normas gerais da Constituição e da legislação trabalhista.
Por outro lado, pontua Rocha, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 684/2022, de autoria do deputado Alex Santana (Republicanos/BA), que busca regulamentar a aposentadoria das pessoas trans com base no sexo biológico, independentemente da mudança de gênero e da alteração do registro civil. “A justificativa do projeto é fundamentada na prevenção de possíveis fraudes à Previdência Social“, disse a especialista.
“No que tange ao direito do trabalho, a legislação vigente assegura a proteção contra discriminação no ambiente laboral e incentiva a promoção de políticas inclusivas, sendo tais garantias extraídas principalmente dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e da isonomia (art. 5º, caput, CF), além da vedação à discriminação no acesso e manutenção do emprego (art. 7º, XXX, CF)”, destacou Rocha.
Violação de direitos
Questionada sobre o assunto, Paula Baçal pontuou que a proposta em tramitação no Parlamento desconsidera a identidade de gênero e a alteração do registro civil, além de configurar grave violação dos direitos das pessoas trans. Para a artista, a justificativa do projeto de lei é infundada, porque a identidade de gênero é legítimo e reconhecido, por meio de avanços já garantidos pela comunidade LGBTQIAPN+.
Paula Baçal destacou que a ausência de políticas públicas é um tema preocupante (Reprodução/Arquivo Pessoal)
“Isso é uma violação, não tem como dizer que não, é uma afronta. E essa proposta ignora completamente a nossa vivência, as nossas identidades, e nos tratam de forma discriminatória e desrespeitosa, que é o que grande parte da Câmara faz com a nossa população, que se aproveita da pauta da população“, disse.
A ativista pelos direitos humanos e candidata à vereadora em Macapá, capital do Amapá, nas eleições de 2024, Fleur Duarte também classificou a proposta do deputado federal como ataque à identidade das pessoas trans, porque não há um momento definido para a pessoa realizar a transição, segundo a ativista. Ela defendeu que cada pessoa tem a sua singularidade, que deve ser respeitada.
“A proposta é um ataque direto à vida de pessoas trans e travestis, porque ninguém sabe quando isso pode acontecer. Os sinais surgem de acordo com a nossa vida, mas cada pessoa tem a sua singularidade e o seu momento para transicionar. E quando falamos sobre isso, estamos falando de uma questão sistemática que vem desde a família, que consegue lidar com isso. Mas, por outro lado, tem pessoas que não”, destacou.
‘Somos corpo político’
Fleur também falou sobre a ausência de políticas para inserção de pessoas trans no mercado de trabalho, principalmente mulheres trans. Ela menciona, ainda, a preocupação com mulheres trans – adultas e crianças – que tomam o rumo da prostituição pela falta de oportunidades, além da deterioração da convivência familiar, que força a maioria desse público a deixarem as suas casas.
Fleur falou sobre a ausência de políticas para inserção de pessoas trans no mercado de trabalho (Reprodução/Redes Sociais)
“A ausência de políticas públicas é falta de boa vontade de incluir mulheres trans e travestis no mercado de trabalho. Devemos perceber que o próprio sistema faz com que mulheres trans e travestis não estejam no mercado de trabalho, porque ele quer financiar o mercado da prostituição para que nós continuemos a trabalhar na prostituição. O sistema financia esse mercado para que a gente não se torne grandes pessoas, porque a gente é por si só um corpo político que afronta o sistema”, destacou.
A ativista afirmou, ainda, que propostas como a do deputado Alex Santana provocam o impulsionamento do ódio contra a comunidade, que tem como consequência o aumento da violência. “Quando esses projetos vêm à tona, é justamente para atacar pessoas trans e travestis, porque, como eu disse anteriormente, o sistema por si só investe para que essa parcela da população continue na prostituição. Eles não querem nos ver adquirindo direitos”, finalizou.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.