Mulheres usam economia feminista como aliada para saúde mental
Por: Ana Pastana
12 de dezembro de 2024
As mulheres entrevistadas pela CENARIUM sobre economia feminista (Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)
MANAUS (AM) – As mulheres são as mais afetadas pela desigualdade no mercado de trabalho, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A idade, falta de oportunidades e problemas de saúde são alguns pontos relatados por elas, que acabam implicando no desenvolvimento de doenças mentais, como depressão, ansiedade e a falta de estímulo para o desenvolvimento de renda. As dificuldades são as mesmas características que levam essas mulheres a se reinventar e entrar para a considerada economia feminista.
Com o diagnóstico de câncer no pâncreas, a indígena Gizelda Machado Lopes, da etnia Tukano, viajou de São Gabriel da Cachoeira (AM) a Manaus para buscar tratamento médico e teve o psicológico afetado após as portas se fecharem no mercado de trabalho. “Por conta da minha saúde, eu não tive mais oportunidades no mercado de trabalho e isso tem me afetado muito, afetado o meu psicológico”, disse à CENARIUM.
Morando em Manaus, Gizelda Lopes viu uma oportunidade para se especializar na área de costura. “Costurar, para mim, está sendo uma ocupação. Uma ocupação mental e física. Eu me senti valorizada agora, porque eu sei que sou capaz. Esse era o meu sonho de muitos anos, que era aprender a costurar”, afirmou a artesã.
A indígena da etnia Tukano, Gizelda Machado Lopes (Luiz André/CENARIUM)
A professora doutora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Iraildes Caldas Torres explica como as mulheres estão se reinventando no mercado de trabalho. Em entrevista à CENARIUM, ela classificou a economia criativa como promoção do desenvolvimento social.
“Essas mulheres estão se reinventando dentro da economia feminista de uma forma muito interessante, muito criativa, que é saindo de casa, arregaçando as mangas e fazendo por si só a sua economia. Estão promovendo desenvolvimento social, aquilo que a gente chama de economia feminista, ou seja, elas estão nos artesanatos, na economia solidária, na economia criativa”, frisou.
Bonecas
Para a artesã Luiza Sarmento não foi diferente. As confecções de bonecas de pano deixaram de ser apenas uma forma de geração de renda. Com a exposição em feiras de artesanatos, a prática se tornou um objeto de socialização. Sarmento pontua que a feira também oferece não só a renda, mas também a união com outras pessoas em troca de conhecimento.
“Elas [as bonecas] me ajudaram muito, em tudo, tanto emocional como financeiro, porque eu vendo e [isso] ajuda um pouquinho. Participo de todas as feiras e gosto muito, porque eu tenho relacionamento com outras artesãs. A gente troca ideias, a gente conversa, vende e é muito bom. A feira nos oferece não só a renda, mas a união com outras pessoas, como a troca de conhecimentos, a amizade”, disse.
A artesã, Luiza Sarmento (Reprodução/Redes Sociais)
Aos 63 anos de idade, Maria Belém Valente, moradora da Zona Leste de Manaus, também sente a dificuldade de encontrar oportunidades de trabalho por conta da idade, além de lidar com doenças. À CENARIUM, ela afirma que vende o que pode para conseguir uma renda extra.
“Eu não tenho renda nenhuma, pretendo vender as minhas costuras. Não trabalho, porque eu não tenho mais oportunidades de trabalhar. Até porque eu tenho problema de diabetes, pressão alta e aí não dá para eu trabalhar. Eu trabalho com venda de peças íntimas e eu vivo dessas coisas, vendo “din-din” também. O que dê pra vender, eu estou vendendo” disse Maria.
Ela é uma das mulheres afetadas pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, que impacta na saúde mental. Com a costura de roupas, Maria encontrou um meio de distrair a mente e desenvolver a economia própria. “As vezes a gente fica em casa, fica pensando coisas, né, e a costura é uma terapia, distrai a gente”, afirmou.
Maria Belém Valente, de 63 anos de idade (Luiz André/Revista Cenarium)
Saúde mental
De acordo com a neuropsicóloga, Carla Luciana da C. Lima, o trabalho informal tem a capacidade de trazer inúmeros benefícios, principalmente para a saúde mental. Para a especialista, a informalidade pode ser uma grande aliada de na saúde mental das mulheres.
“A informalidade pode ser uma grande aliada na saúde mental das mulheres, especialmente para aquelas que produzem artesanato ou trabalham com alimentos. Vamos pensar nisso como um espaço de autonomia e expressão. Quando uma mulher encontra uma atividade que a conecta com sua criatividade, como fazer artesanatos ou criar receitas, ela está não apenas gerando renda, mas também encontrando um propósito e uma forma de se afirmar no mundo”, explica.
A especialista pontua que a rotina de encontro também ajuda no bem-estar e em laços sociais. “A informalidade também pode criar laços sociais. Uma feirinha de artesanato, por exemplo, não é só sobre vendas; é sobre encontrar pessoas, compartilhar histórias e construir uma comunidade, ou seja, não é só sobre vender algo; é sobre transformar o dia a dia em algo mais significativo, com impacto na vida pessoal e na comunidade”, concluiu.
As atividades podem trazer benefícios, como autonomia financeira; valorização pessoal; rede de apoio; rotina flexível. “Ganhar o próprio dinheiro fortalece a autoestima e reduz a sensação de dependência, o que pode aliviar estresses comuns relacionados a inseguranças financeiras. Ver algo feito por suas próprias mãos ser apreciado por outras pessoas desperta orgulho e satisfação, contribuindo para o bem-estar emocional”, apontou a neuropsicóloga.
Decorações
Outra história de mulheres que envolve a reinvenção da economia é a de Eliane Bizantino. Com o falecimento do esposo dela, a mulher passou a fazer decorações de festas e encontrou na atividade um meio de preencher o vazio do luto e encontrar novos motivos para seguir a vida.
“Eu precisei preencher um vazio na minha vida com a perda do meu marido. Me tirar da ociosidade e trazer um pouco de ocupação para minha mente também, para parar de pensar em coisas fúteis ou até mesmo na morte dele”, disse à CENARIUM.
Eliane e o esposo dela (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Mãe de dois filhos, a decoradora afirmou que, no inicio da atividade, o interesse não era o retorno financeiro, mas sim uma forma de distrair a mente e lidar com a perda do marido dela. “Eu iniciei mais por conta de parar de pensar no acontecido do que por dinheiro. Hoje, eu estou investindo mais o tempo e também em tentar abrir uma empresa com as decorações também“, pontuou.
Eliane em uma das decorações (Reprodução/Arquivo Pessoal)
Mercado informal
A presidente da comissão da mulher economista, diversidade e sustentabilidade do Conselho Regional de Economia do Amazonas (Corecon-AM), a economista Karla Martins, ressaltou que a falta de oportunidade reflete diretamente no mercado informal.
“A mulher atua no mercado informal por diversos motivos, por opção própria, quando ela precisa cuidar de alguém da família, ou quando ela não pode estar no trabalho formal, quando ela é, por exemplo, de um grupo social, que às vezes não tem oportunidade, pode ter formação, pode ter disponibilidade, mas não acessa vagas por causa de algum tipo de necessidade que ela não tenha para conseguir essa vaga”, explicou.
Dados
De acordo com os dados do IBGE, no 3° trimestre de 2024, o Amazonas registrou 999 pessoas em situação de informalidade. Na capital Manaus, os dados apontam 454 pessoas referente ao 3° trimestre de 2024.
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