Na abertura da COP30, Lula critica guerras, negacionismo e cobra justiça climática


Por: Marcela Leiros

10 de novembro de 2025
Na abertura da COP30, Lula critica guerras, negacionismo e cobra justiça climática
Lula fala durante a cerimônia de abertura da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quaadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, na COP30 (Bruno Peres/Agência Brasil)

MANAUS (AM) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu oficialmente a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), em Belém (PA), com um discurso que combinou críticas a nações que não se juntaram ao evento e apelo aos países que participam da conferência.

Ao saudar o povo paraense e enaltecer a realização da conferência “no coração da Amazônia”, Lula destacou o desafio e o significado de sediar o maior evento climático do mundo em uma região historicamente marcada pela diversidade ambiental e social. Para ele, trazer a cúpula à Amazônia é uma demonstração de que “nada é impossível quando há vontade política e compromisso com a verdade”.

O presidente ressaltou que a COP30 marca o retorno da Convenção do Clima ao País onde nasceu o conceito de desenvolvimento sustentável, durante a Rio 92. Lula afirmou que o evento busca recuperar o espírito de cooperação e engajamento que guiou o multilateralismo há mais de três décadas, quando líderes mundiais se reuniram para discutir o equilíbrio entre crescimento e preservação.

Presidente Lula discursa durante a cerimônia de abertura a COP30 (Ueslei Marcelino/COP30)
 

Belém, segundo ele, transforma-se por duas semanas na “capital do mundo”, reunindo governos, cientistas e organizações em torno de uma mesma causa: a sobrevivência do planeta e a construção de uma transição justa.

Durante o discurso, Lula apresentou citou o Chamado à Ação, dividido em três eixos: cumprimento dos compromissos climáticos, aceleração das ações para reduzir as emissões e centralidade das pessoas nas políticas ambientais.

Ele alertou que a crise climática é também uma crise de desigualdade, com impactos mais severos sobre populações vulneráveis, e defendeu o papel essencial dos povos indígenas e comunidades tradicionais na mitigação dos efeitos do aquecimento global. Ao encerrar, o presidente evocou a sabedoria indígena e pediu que a “serenidade da floresta” inspire a humanidade a agir com clareza e esperança diante do desafio climático.

Veja o discurso de Lula, na íntegra:

Cumprimento a minha querida companheira Janja, depois de cumprimentar o companheiro André Corrêa do Lago, depois de cumprimentar o Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção de Quadro das Nações Unidas, depois de cumprimentar todos os representantes da ONU aqui presentes, os nossos governadores, os nossos senadores, os ministros do meu governo e minhas ministras, eu queria dizer para vocês que é muito difícil falar sem que antes a gente possa homenagear o povo do Pará.

Vocês, que vieram de outros países para participar dessa convenção, vocês, por favor, prestem muita atenção, que vocês vão participar de um evento em um Estado que tem um povo maravilhoso. Vocês vão ver homens e mulheres muito alegres, muito educados, que vão cuidar de vocês aqui nessa cidade como vocês jamais foram cuidados.

Eu quero agradecer à minha equipe da Casa Civil, representada pelo recorte ao governador Helder Barbalho, pela realização dessa proeza de fazer a COP no coração da Amazônia, no Estado do Pará e na cidade de Belém.

Tirem proveito dessa cidade, tirem proveito da alegria, tirem proveito da beleza e tirem proveito da alegria, do charme, do carinho e do amor de homens e mulheres que vão receber vocês. Sobretudo, tirem proveito da culinária do Pará, tirem proveito. Aqui vocês vão comer comida que vocês não comeram em nenhum lugar do mundo, talvez o melhor peixe. E não se esqueçam de comer a maniçoba. O tradutor pode traduzir direito aí porque maniçoba, que nós estamos numa disputa entre o Pará e Bahia, para ver qual é a maniçoba melhor.

E queria dizer para vocês que fazer a COP aqui é um desafio tão grande quanto a gente acabar com a poluição do Planeta Terra. Seria mais fácil ter feito a COP numa cidade acabada, numa cidade que não tivesse problema. E nós resolvemos aceitar o desafio de fazer a COP no Estado da Amazônia para provar que quando se tem disposição política, quando se tem vontade e quando tem compromisso com a verdade, a gente prova que o homem não tem nada que seja impossível para ele. O impossível é a gente não ter coragem de enfrentar desafios.

Portanto, meus parabéns a vocês, delegados e delegadas, representantes de governos e ao povo do Pará. Parabéns por darem a todos nós essa lição de civilidade, essa lição, diria, de grandeza humana, provando que se os homens que fazem guerra estivessem aqui nessa COP, eles iriam perceber que é muito mais barato colocar um US$ 1,3 bilhão para a gente acabar com o problema que mata, do que colocar US$ 2,7 bilhões para fazer guerra como fizeram no ano passado.

Há mais de 30 anos, na Cúpula da Terra, os líderes do mundo se reuniram no Rio de Janeiro para debater o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente. Naquele momento, o multilateralismo vivia seu ápice. O mundo adentrava a chamada “década das conferências”, da qual emergiram as grandes bússolas que guiaram a humanidade ao longo dessas três décadas. Entre elas estão o conceito de desenvolvimento sustentável e o princípio das responsabilidades comuns mais diferenciadas, legadas vivo do Rio 92.

Hoje, a Convenção do Clima retorna à sua terra natal. Ela faz o caminho de volta para recuperar o entusiasmo e o engajamento que embalaram o seu nascimento. Pelas próximas duas semanas, Belém será a capital do mundo. Governadores, prefeitos, parlamentares, cientistas e organizações da sociedade civil farão parte desse grande esforço coletivo em prol do planeta. Trazer a COP para o coração da Amazônia foi uma tarefa árdua, mas necessária.

A Amazônia não é uma entidade abstrata. Quem só vê floresta de cima desconhece o que se passa à sua sombra. O bioma mais diverso da Terra é a casa de quase 50 milhões de pessoas, incluindo 400 povos indígenas, dispersa por nove países em desenvolvimento, que ainda enfrentam imensos desafios sociais e econômicos. Desafios que o Brasil luta para superar, com a mesma determinação com que contornou as adversidades logísticas inerentes à organização de uma conferência neste porte.

Quando vocês deixarem Belém, o povo da cidade permanecerá com os investimentos de infraestrutura que foram feitos aqui para receber vocês, e o mundo poderá, enfim, dizer que conhece a realidade da Amazônia.

Nos dias que antecederam essa conferência, chefes de Estado e de Governo, ministros de Estados, representantes de organizações internacionais e da sociedade civil se reuniram na Cúpula de Belém pelo Clima. Lançamos o “Fundo de Florestas Tropicais para Sempre”, um mecanismo inovador que angariou, em um só dia, US$ 5,5 milhões em anúncios de investimentos.

Adotamos compromissos coletivos sobre o manejo integrado do fogo, o direito à posse da terra por povos indígenas e tradicionais, a quadruplicação da produção de combustíveis sustentáveis, a criação de uma coalizão sobre o mercado de carbono e o alinhamento da ação climática ao combate à fome e à pobreza, e mais, à luta contra o racismo ambiental.

A Cúpula de Belém foi o ponto de chegada de um caminho que o Brasil convidou a comunidade internacional a percorrer ao longo de suas presidências no G20 e nos Brics. A síntese dos elementos que recolhemos dessa trajetória está contida no Chamado à Ação que lançamos após a Cúpula, o título de contribuição aos debates na COP e além dela.

A mudança do clima já não é uma ameaça do futuro, é uma tragédia do presente. O furacão Melissa, que fustigou o Caribe, e o tornado que atingiu o Estado do Paraná, no Sul do Brasil, deixaram vítimas fatais e um rastro de destruições. Das secas e incêndios na África e na Europa, às enchentes na América do Sul e no Sudeste Asiático, o aumento da temperatura global espalha dor e sofrimento, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

A COP30 será a COP da verdade. Na era da desinformação, os obscurantistas rejeitam não só as evidências da ciência, mas também os progressos do multilateralismo. Eles controlam algoritmos, semeiam o ódio, espalham o medo, atacam as instituições, a ciência e as universidades. É momento de impor uma nova derrota aos negacionistas.

Sem o Acordo de Paris, o mundo estaria fadado ao aquecimento catastrófico de quase cinco graus até o fim do século. Estamos andando na direção certa, mas na velocidade errada. No ritmo atual, ainda avançamos rumo a um aumento superior a 1,5 grau na temperatura global. Romper essa barreira é um risco que não podemos correr.

Queridas amigos e queridos amigos, nossa Chamada à Ação está dividida em três partes. Na primeira parte, faço um apelo para que os países cumpram seus compromissos. Isso significa formular e implementar as contribuições nacionalmente determinadas, ambiciosas, assegurar financiamento, transferência de tecnologias de capacitação aos países em desenvolvimento e dar a devida atenção à adaptação aos efeitos da mudança do clima.

Na segunda parte, conclamo os líderes mundiais a acelerar a ação climática. Precisamos do mapa do caminho para que a humanidade, de forma justa e planejada, supere a dependência dos combustíveis fósseis, reverta o desmatamento e mobilize os recursos para esses fins.

Avançar requer uma governança global mais robusta, capaz de assegurar as palavras para que as palavras se traduzam em ações. A proposta de criação de um Conselho do Clima vinculado à Assembleia Geral da ONU é uma forma de dar a esse desafio a estatura política que ele merece.

Na terceira parte, convoco a comunidade internacional a colocar as pessoas no centro da agenda climática. O aquecimento global pode empurrar milhões de pessoas para a fome e a pobreza, fazendo retroceder décadas de avanço. O impacto desproporcional da mudança do clima sobre mulheres, afrodescendentes, migrantes e grupos vulneráveis deve ser levado em conta nas políticas de adaptação.

É fundamental reconhecer o papel dos territórios indígenas e de comunidades nacionais nos esforços da mitigação. No Brasil, 13% do território são áreas demarcadas para os povos indígenas. Talvez ainda seja pouco. Uma transição justa precisa contribuir para reduzir as assimetrias entre o Norte e o Sul global, forjadas sobre séculos de emissões.

A emergência climática é uma crise de desigualdade. Ela expõe e exarceba o que já é inaceitável. Ela aprofunda a lógica perversa que define quem é digno de viver e quem é digno de morrer. Mudar pela escolha nos dá chances de um futuro que não é ditado pela tragédia. O desalento não pode extinguir as esperanças da juventude.

Devemos, aos nossos filhos, aos nossos netos, a oportunidade de viver em uma terra onde seja possível sonhar. O xamã Yanomami, David Kopenawa, diz que o pensamento na cidade é obscuro e esfumaçado, obstruído pelo ronco dos carros e pelo ruído das máquinas. Eu espero que a serenidade da floresta inspire em todos nós a clareza de pensamento necessário para ver o que precisa ser feito. Uma boa COP e muito obrigado.

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