Na Abraji, diretora da CENARIUM aborda riscos do jornalismo na Amazônia
Por: Abraji/Lanna Melero
11 de julho de 2025
SÃO PAULO (SP) – A cobertura jornalística da crise climática e os desafios da desinformação no Brasil marcaram os debates do primeiro dia do 20º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Abraji, realizado nessa quinta-feira, 10, na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo. O encontro reuniu profissionais da imprensa, pesquisadores e estudantes para discutir o papel da imprensa diante das mudanças ambientais e políticas no País. O debate sobre a importância dos protocolos para a segurança de jornalistas e fontes na cobertura da Amazônia volta à tona após três anos do assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira
“Esse cenário é cotidiano, respira-se conflito”, relatou a jornalista Steffanie Schmidt, do site “O Varadouro”, sobre a cobertura investigativa de ilegalidades socioambientais na Amazônia. A região, segundo a fundadora da Revista Cenarium, Paula Litaiff, apresenta muitos desafios sociopolíticos e geográficos que ameaçam a vida de jornalistas e fontes. Diante da violência, a criação de bons protocolos de segurança se tornou essencial nas redações.

De acordo com o levantamento “Fonteiras da informação” – Relatório sobre jornalismo e violência na Amazônia”, produzido pelo Instituto Vladimir Herzog, nos últimos 10 anos foram 230 casos de violência contra profissionais nesta região. Segundo pesquisas da ABRAJI, 57% dos ataques partem de agentes privados, como garimpeiros, grileiros e traficantes, e 50% das agressões estão ligadas a questões políticas baseadas na atuação daqueles que denunciam. “O perigo no território se sistematizou porque não existe um comprometimento do estado”, acrescentou Steffanie Schmidt.
Para zelar por suas integridades físicas, muitos jornalistas são impossibilitados de cobrir seus próprios territórios. “Não é que o jornalista foi cooptado, é que se o jornalista cobrir ele morre!”, alertou Paula Litaiff ao relembrar o caso de um ativista assassinado pelo cunhado da prefeita da cidade do Amapá. Os jornalistas locais não puderam noticiar o fato, cabendo à Cenarium dar a notícia.
Além dos desafios atrelados à violência do crime e de forças políticas, Paula destacou dificuldades de deslocamento, com longas viagens e em diferentes meios de transporte, e acesso difícil a sinais de internet e a outros meios de comunicação, já que muitos desses canais são de propriedade de criminosos. “Informação é poder, as narrativas conduzem todo esse cenário”, explicou Steffanie ao mostrar como criminosos espalham desinformação para fortalecer discursos antiambientais.
Ameaça e cuidado com as fontes
Apesar da ameaça vivida pelos jornalistas, o repórter do “Repórter Brasil” Daniel Camargos alerta que as fontes são as mais ameaçadas por viverem sob perigo constante. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), somente no ano passado foram 2.185 conflitos no campo no Brasil, a maior parte deles em território amazônico. Por isso, ser transparente sobre a pauta e conscientizar as fontes sobre os riscos que correm em conceder entrevistas é uma das principais tarefas do jornalista.

Para Steffanie, conversar com os povos tradicionais e quilombolas antes de fechar a pauta para que a pessoa avalie os riscos é sempre a melhor opção. “Vai antes apertar a mão dessa pessoa, porque faz toda a diferença esse contato. Às vezes a pessoa está indignada e ela desiste [ de conceder entrevista ] porque ela tem família”, pontuou.
Os jornalistas também reforçaram a garantia ao anonimato e a avaliação da situação das fontes junto à polícia e ao ministério público. “O principal ponto quando a gente fala de protocolo de segurança na Amazônia é saber que as pessoas que estão lá não podem ser ainda mais expostas ao risco”, evidenciou Daniel.

Medidas de segurança
As jornalistas convidadas mostraram que um planejamento adequado e um financiamento justo são responsabilidades do veículo para que nenhuma vida seja colocada em risco. “Se não há financiamento, não vá a campo. Não Vá! Assim, você não colocará a sua vida em risco e as dos outros também”, disse Daniel. O planejamento deve considerar uma análise sociopolítica dos territórios com estratégias de comunicação, transporte e segurança. Para isso, Steffanie sugeriu conversar com colegas mais experientes e Paula aconselhou sempre pesquisar empresas de transporte e segurança junto com um advogado. “É obrigação da empresa buscar dar essa segurança”, falou a jornalista.
Paula também recomendou nunca enviar um repórter menos experiente sozinho e que os jornalistas não fiquem em lugares isolados com muita concentração de possíveis ameaças e ambientes com personagens perigosos já investigados ou em investigação. “Fomos agredidos lá [em uma reunião na casa de um candidato] que falou assim: ‘olha, nós temos intrusos’. Nisso, 200 pessoas se viraram contra a gente e dez delas nos agrediram e me chutaram no chão”, contou a jornalista. “Foi um erro entrar em uma área tão perigosa”, ressaltou.
A cobertura oficial do 20º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é realizada por estudantes, recém-formados e jornalistas integrantes da Redação Laboratorial do Repórter do Futuro, sob coordenação da OBORÉ e da Abraji. Esta edição conta com a parceria da Jornalismo Júnior (ECA/USP) e apoio institucional da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura / Oficina de Montevideo. Este texto pode ser reproduzido desde que citada a fonte.
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