Na COP30, professora da Ufam aponta desafios de gênero na assistência rural da Amazônia


Por: Ana Cláudia Leocádio

13 de novembro de 2025
Na COP30, professora da Ufam aponta desafios de gênero na assistência rural da Amazônia
A professora da Ufam e doutora em Antropologia Social Iraildes Caldas (Foto: Bianca Diniz/CENARIUM | Composição: Paulo Dutra/CENARIUM)

BELÉM (PA) – A professora, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e articulista da REDE CENARIUM, Iraildes Caldas, defendeu que as políticas públicas voltadas para as mulheres do campo devem ter como objetivo torná-las sujeitas de si mesmas, e não subordinadas a terceiros, como seus companheiros. A análise foi feita durante a participação em uma mesa-redonda promovida nesta quinta-feira, 13, pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), na AgriZone, espaço dedicado à agricultura, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém.

Para ela, que é doutora em Antropologia Social, é preciso superar o modelo dominante que chega aos territórios com receitas prontas, tratando essas mulheres como “tábuas rasas”, sem reconhecer sua bagagem cultural, intelectual e capacidade de formular seus próprios projetos. O debate tratou do tema “Perspectivas e Desafios da Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) na Amazônia brasileira”, com a apresentação de gargalos e dos projetos que o governo federal já desenvolve para a região.

Caldas apresentou o conceito de “economia feminista”, que, segundo ela, ainda está em desenvolvimento na academia. A abordagem trata da autonomia da mulher, de modo que as políticas públicas possam reconhecê-las como protagonistas de suas próprias histórias no meio produtivo, sendo apoiadas com assistência técnica e financiamentos para que executem seus projetos e conquistem independência.

Trabalhadora rural (Reprodução/Projeto Floresta+Amazônia)

“A economia feminista é um termo que está sendo usado hoje para reafirmar a presença da mulher na área produtiva como trabalhadora, como sujeito protagônico do trabalho. Não apenas como força produtiva, mas como protagonista de sua história dentro do trabalho, porque o trabalho da mulher é tido como um trabalho morto. É o próprio marxismo que trata isso: o trabalho morto, o trabalho vivo”, explicou Caldas.

A pesquisadora da Ufam atua há mais de 30 anos com projetos rurais no Amazonas, e essa trajetória deu origem a diversos trabalhos de pesquisa que, na prática, ajudaram muitas mulheres a compreender suas condições sob a perspectiva de gênero e, a partir disso, agir em benefício próprio, tomando para si as decisões de suas vidas.

Iraildes destacou dois projetos desenvolvidos em parceria com o Instituto Acariquara, sediado em Manaus, com mulheres dos municípios de Maués e Barreirinha, no Amazonas. Um deles envolve trabalhadores do rio Urupadí, que já começam a exportar produtos derivados do guaraná, fruto nativo da região.

Na avaliação da pesquisadora, a questão de gênero ainda precisa ser aprofundada nas políticas públicas voltadas às produtoras rurais. “Fala-se muito sobre agricultura familiar, muito sobre Ater, mas a dimensão de gênero, que afeta diretamente as mulheres, permanece descoberta, e elas sentem falta disso. Quando conversamos com elas, elas se identificam conosco; vão para a roda e dizem o que passam com o marido — o marido que bate, o marido que manda embora —, a filha que está se prostituindo. Elas trazem esses problemas porque se sentem acolhidas”, analisa Caldas.

Programas voltados para mulheres

A mesa-redonda discutiu as dificuldades que ainda existem para atender melhor as mulheres da agricultura familiar dentro da perspectiva de gênero. A diretora técnica da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), Loroana Santana, afirmou que o MDA tem avançado na definição de políticas que colocam as mulheres em posição de visibilidade.

“A gente tem hoje o programa Ater Mulheres, voltado exclusivamente para as mulheres rurais. Mas também temos, em todos os nossos programas, a obrigatoriedade de que, no mínimo, 50% dos beneficiários sejam mulheres rurais. Há estudos da FAO que mostram que mais de 52% dos alimentos do mundo são produzidos pelas mãos das mulheres rurais. Isso evidencia a importância e a necessidade de ações voltadas para elas, e que sejam ações coletivas”, afirmou Santana.

A diretora de Desenvolvimento Territorial e Socioambiental do MDA, Ana Elsa Munarini, destacou dois programas voltados para as mulheres amazônidas: o Florestas Produtivas e o Pró-Sociobio, direcionados à assistência técnica e extensão rural em parceria com a Anater, nos quais 50% do público atendido é composto por mulheres. “Estamos muito felizes com essa construção, e acredito que esse encontro evidencia o protagonismo das mulheres na produção de alimentos na Amazônia”, avaliou.

Mesa-redonda foi promovida pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), na AgriZone (Bianca Diniz/CENARIUM)

Também articulista da CENARIUM, a professora e mestre pela Ufam Elisiane Andrade considerou a mesa-redonda essencial para mostrar que ainda há muitos desafios a serem superados pelas mulheres do setor rural na Amazônia. Para ela, apesar dos avanços conquistados após anos de luta, ainda é necessário colocar as mulheres no centro do debate.

“Eu penso que um dos grandes desafios continua sendo o registro da terra em nome das mulheres, apesar de já percebermos alguns avanços do governo federal. É preciso ter esse olhar. Outra questão é aprofundar o diálogo para valorizar os conhecimentos ancestrais, pois a maioria dessas mulheres é detentora desses saberes. É preciso respeitar o modo de vida dessas mulheres e trazer isso para o centro do debate”, ressaltou a professora.

“Apesar de já percebermos alguns avanços, ainda é preciso progredir mais na valorização das mulheres enquanto detentoras de saberes ancestrais e como grandes protagonistas para amenizar as crises climáticas que afetam as mulheres não só na Amazônia, mas no mundo inteiro”, concluiu.

Leia mais: COP30 lança declaração global para combater fake news sobre clima
Editado por Adrisa De Góes

O que você achou deste conteúdo?

VOLTAR PARA O TOPO
Visão Geral de Privacidade

Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.