Na véspera da morte, criança Yanomami, vítima de desnutrição, não conseguia lagrimar e nem chorar

A situação dos indígenas Yanomami repercutiu no início do mês após a foto de uma menina de 8 anos em estado grave de desnutrição expor a crise humanitária.

Paulo Bahia e Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

MANAUS – Após pedir ajuda do governo federal e não conseguir, uma criança Yanomami de pouco mais de um ano morreu, nessa sexta-feira, 21, na comunidade Yarita, dentro da Terra Indígena Yanomami, em Roraima. O quadro de desnutrição era tão grave que o menino não conseguia lagrimar e nem chorar. Um pedido para retirar ele da região e ser socorrido na capital não foi atendido. Os relatos são do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami.

“A criança tinha um ano, mais ou menos, de idade. A equipe médica atendeu a criança na quinta-feira, 20. Pediram remoção urgente da criança que se encontrava em estado muito grave de desnutrição. A criança não estava conseguindo nem chorar e lagrimar, muito mal”, contou Júnior neste sábado, 22, à REVISTA CENARIUM.

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O pedido de remoção urgente ocorreu exatamente às 16h53 de quinta-feira, 20, pela equipe médica que atendia a criança. Os profissionais de saúde solicitaram um avião para que o atendimento fosse realizado em unidade de saúde especializada, tendo em vista o quadro agravado, mas a medida não foi atendida pelo Distrito Sanitário de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y) e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Sexta-feira, por volta de 12h30, a criança veio a óbito. Júnior Yanomami afirmou que ingressará com uma ação, na segunda-feira, 24, no Ministério Público Federal (MPF), relatando o descaso do poder público e a situação precária da comunidade indígena.

“Nós, do Condisi, entendemos que foi negligência total por parte do Dsei Yanomami. Nós do Condisi pedimos providência das autoridades, do MP [Ministério Público], que o governo tome providência urgente. A situação da saúde Yanomami está se agravando demais. Piorando muito”, lamentou o representante.

“Não sei se amanhã vai morrer mais um. Se depois de amanhã vai morrer mais crianças por causa de desnutrição”

Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami

Júnior Yanomami é presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Reprodução)

Negligência

Na comunidade Yarita vivem cerca de 800 pessoas, onde, de acordo com Júnior Yanomami, somente dois profissionais de saúde levam atendimento médico aos indígenas. A situação na região, para ele, é motivo de alerta, principalmente por conta do período pandêmico vivenciado pelos povos tradicionais e por todo o País e, ainda, devido aos registros de ataques de garimpeiros aos indígenas.

Segundo os indígenas, a região sofre uma crise na atenção à saúde e a falta de assistência básica. A situação alarmante ganhou notoriedade após uma foto de uma menina de 8 anos em estado grave de desnutrição expor a crise humanitária.

“Dois profissionais e sem recurso para atender a população Yanomami. Por isso, a saúde Yanomami está nos dias piores que eu já vi da minha vida. Nunca tinha visto a saúde como está agora. Temo a saúde Yanomami entrar em colapso total. Precisamos de interferência do governo federal para isso”, relatou.

Para o representante, o Sesai “não está nem aí com a saúde indígena Yanomami”. “Só falam que estão estudando para ajudar. Só estão lá sentados no ar-condicionado, na cadeira confortável, enquanto a população Yanomami está morrendo de desnutrição, de diarreia, de outras doenças simples, de malária. Eu estou muito chateado com essa situação, muito chateado mesmo, entendeu”, finalizou.

Providências

A morte do menino foi reportada nessa sexta-feira, 21, em ofício encaminhado ao secretário da Sesai, Robson da Silva, e ao coordenador Distrital de Saúde Indígena Yanomami (Dsei-Y), Romulo de Freitas, no qual o Condisi-YY solicita providências quanto à saúde Yanomami na região e questionando o motivo da criança não ter sido removida para a capital Boa Vista.

No documento, assinado por Júnior, o conselho relata que o Dsei-Y recebeu uma solicitação na quinta-feira, 20, para remover a criança para a capital, mas o pedido de socorro não foi enviado. “A demora na realização da remoção e o consequente agravo no estado de saúde da criança, o que ocasionou óbito às 12h29 deste dia (21/05), compreende-se que houve falha. A falta de assistência nas comunidades tem se tornado algo frequente e preocupa em razão do atual cenário que estamos vivenciando no Território Indígena Yanomami”, diz trecho do ofício.

A entidade pede explicações sobre o horário exato em que a solicitação de remoção foi repassada e por quais motivos não foi considerada uma remoção urgente; que a conduta da equipe do local seja averiguada; informação a respeito da última missão realizada na comunidade Yarita; e qual o planejamento do Dsei e Sesai a respeito ao alto índice de desnutrição no território indígena Yanomami.

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