‘Não foram silenciados’, diz Univaja ao relembrar três anos das mortes de Bruno e Dom
Por: Ana Pastana
05 de junho de 2025
MANAUS (AM) – A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), junto a 49 entidades, jornalistas e personalidades, divulgaram, nesta quinta-feira, 5, um manifesto em memória ao indigenista Bruno Pereira e ao jornalista britânico Dom Phillips, no Amazonas, assassinados em 5 de junho de 2022. As mortes completam três anos.
O “Manifesto — Três anos sem Bruno e Dom” lembra a data que marca o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, no município de Atalaia do Norte, distante 1.136 km de Manaus, no Amazonas, enquanto realizavam uma investigação na região.

Há três anos, em 5 de junho de 2022, a imprensa local, nacional e internacional repercutia o desaparecimento e, dias depois, o encontro dos corpos de Bruno e Dom. De acordo com o inquérito da Polícia Federal (PF), os dois foram mortos por vingança relacionada às fiscalizações ambientais que Bruno realizava na região do Vale do Javari.
Segundo o manifesto, Bruno e Dom continuam presentes em quem protege as florestas, no silêncio resistente de quem cuida da terra, e no gesto de cada um que, mesmo diante do medo, escolhe a coragem.
“Hoje, neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, três anos após a tragédia no Vale do Javari, não lembramos apenas dois nomes — lembramos de uma causa. De uma luta. De uma promessa: a de que a floresta ficará de pé. De que os povos indígenas viverão com dignidade, respeito e liberdade”, diz um trecho do manifesto. (Veja a íntegra do manifesto abaixo)
O documento cita outros defensores ambientais assassinados na Amazônia: “As vozes e as ideias de Bruno e Dom não foram silenciadas. Elas ecoam na história de Maxciel Pereira dos Santos. Ecoam na luta de Ari Uru-Eu-Wau-Wau. Na fé e bravura de Dorothy Stang. Na memória viva de Emyra Wajãpi, Mãe Bernadete e Chico Mendes, e tantos outros que morreram lutando”.

O manifesto cobra a proteção dos “guardiões da floresta”, lembrando que o País sedia, neste ano, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30). “Neste ano em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, o mundo nos olha. E nós exigimos mais que promessas. Exigimos proteção para os guardiões da floresta. Exigimos ações reais, urgentes e transformadoras“, afirma o documento.
Por fim, as entidades, jornalistas e personalidades ressaltam que Bruno Pereira e Dom Phillips estão presentes “em cada palavra livre, em cada reportagem corajosa, em cada ato de resistência, em cada defesa da democracia, dos direitos humanos e da liberdade de imprensa”. O documento encerra afirmando que eles são lembrados com dor, mas com orgulho, e que o que fizeram não foi em vão.
Entenda o caso
O jornalista Dom Phillips chegou ao município de Atalaia do Norte no início de junho de 2022 com o objetivo de entrevistar lideranças indígenas e povos tradicionais da região para um livro-reportagem que estava produzindo. Essa não era a primeira vez que Phillips visitava o local.
Por sua vez, o indigenista Bruno Pereira era ex-servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Bruno estava licenciado pelo órgão desde o início de fevereiro de 2020 e era servidor de carreira da fundação, mas foi dispensado da Coordenação-Geral de Indígenas Isolados e de Recente Contato quatro meses antes do crime.
À frente de projetos que buscavam garantir às comunidades, proteger territórios e os recursos naturais neles existentes, o indigenista chegou a receber mais de uma ameaça de morte, devidamente relatada ao Ministério Público.
O assassinato
Em 3 de junho de 2022, Bruno e Dom deixaram o município de Atalaia do Norte, utilizando uma lancha a motor que pertencia à Univaja, para se reunir com lideranças de cinco comunidades localizadas fora do território indígena. Após cumprir os compromissos, a dupla deixou o local no dia 5 de junho pela manhã, com destino à comunidade São Rafael, onde Bruno se encontraria com o líder comunitário conhecido como “Churrasco”.
De acordo com informações repassadas à imprensa na época, Bruno, por segurança, comunicava antecipadamente à Univaja sobre toda e qualquer movimentação que seria realizada por ele. Nesse dia, ele e Dom pretendiam navegar cerca de 72 quilômetros, equivalente a duas horas, o que não aconteceu.
Bruno e Dom desapareceram logo após serem vistos navegando nas proximidades da comunidade São Gabriel, povoado vizinho a São Rafael, comunidade onde a dupla esteve pela última vez. Após horas sem comunicação, a Univaja acionou equipes mais próximas para que realizassem buscas por Bruno e Dom.
A investigação
Dez dias depois do desaparecimento, policiais federais localizaram “remanescentes humanos” em um ponto de difícil acesso indicado por Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como “Pelado”, detido no dia 7 daquele mês, após a Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) chegar ao nome dele por meio de depoimentos de testemunhas. Ele foi o primeiro suspeito, na época, a ser identificado. Dois dias depois, peritos da PF confirmaram que ao menos parte dos vestígios humanos encontrados era de Bruno e Dom.

Inicialmente, Pelado negou envolvimento com o desaparecimento de Bruno e Dom, mas, além do testemunho de pessoas que afirmaram ter presenciado ameaças dele ao jornalista e ao indigenista, peritos da PF identificaram vestígios de sangue no barco que ele usava no dia em que a dupla desapareceu.
Bruno foi morto com três tiros, sendo um deles pelas costas, sem qualquer possibilidade de defesa. Já Dom foi assassinado apenas por estar com Bruno, de modo a assegurar a impunidade pelo crime anterior.
Diante dos indícios, Pelado acabou admitindo ter participado dos assassinatos e da ocultação dos cadáveres do indigenista e do jornalista, indicando o local onde os corpos da dupla estavam enterrados. As informações levaram às prisões do irmão de Pelado, Oseney da Costa de Oliveira, o “Dos Santos”, detido no dia 14 de junho, e à expedição de um mandado de prisão contra Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”, que se entregou à Polícia Civil em Atalaia do Norte quatro dias depois.
Conclusão
A investigação da PF, que durou mais de dois anos, resultou no indiciamento de nove suspeitos. Conforme destacado no relatório final, a PF identificou o mandante do crime como Ruben Villar, conhecido como “Colômbia”, afirmando que ele financiou e forneceu recursos, incluindo cartuchos de munição, para a execução do duplo homicídio.
Além disso, de acordo com a polícia, ele coordenou a ocultação dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips. Os demais envolvidos atuaram tanto na execução direta dos assassinatos quanto no encobrimento dos cadáveres das vítimas.
A investigação também expôs a atuação de uma organização criminosa na área do município de Atalaia do Norte, ligada à pesca e caça predatórias, cujas atividades ilegais afetam diretamente o meio ambiente e as populações indígenas da região.
Amarildo e Jefferson confessaram e deram detalhes sobre o crime em seus depoimentos iniciais à polícia e à Justiça, o que foi confirmado por testemunhas e pelas provas presentes nos autos.
Segundo o Ministério Público Federal (MPF), já havia registro de desentendimentos entre Bruno e Amarildo por pesca ilegal em território indígena. O que teria motivado os assassinatos foi o fato de Bruno ter pedido para Dom fotografar o barco dos acusados.
O MPF também recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para que um dos três acusados de participação nos assassinatos de Bruno e Dom fosse levado a júri popular. O pedido para reconsiderar a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que beneficiou Oseney da Costa de Oliveira, foi apresentado em janeiro deste ano.
Conforme o argumento do MPF, testemunhas ouvidas durante o processo colocam o pescador na cena do crime. As investigações apontaram que Oseney encontrou o irmão dele, Amarildo da Costa de Oliveira, no dia e na hora dos assassinatos. A instituição também menciona que Jefferson da Silva Lima confessou que Amarildo convocou o irmão e outros parentes para que fossem atrás de Bruno Pereira.
Para o MPF, Oseney tem participação no crime e deve ser julgado pelo júri, assim como os réus Amarildo e Jefferson, que respondem pelos crimes de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver. O órgão alega, por meio da Procuradoria Regional da República da 1ª Região (PRR1), que a decisão do TRF1 violou os artigos 413 e 414 do Código de Processo Penal (CPP), pois há provas que justificam o julgamento de Oseney por júri popular.
Amarildo e Jefferson serão julgados por duplo homicídio qualificado e pela ocultação dos cadáveres das vítimas. Os dois continuam presos. Quanto a Oseney, ele aguarda a finalização do julgamento do caso em prisão domiciliar, com monitoramento eletrônico.