Natal: o branqueamento de Jesus e a tentativa de apagar uma cultura
22 de dezembro de 2023

Luciana Santos – Especial para Revista Cenarium Amazônia**
MANAUS (AM) – Os dados oficiais revelam o Brasil como um País que se autodeclara cristão. Mas quem é esse Jesus cujo aniversário se convencionou comemorar no dia 25 de dezembro? Num País colonizado por europeus, cuja manutenção do poder estava atrelada a estreitas relações com a igreja católica, a figura de Cristo aqui disseminada correspondia ao discurso dos donos do poder: um Jesus com traços arianos; afinal, a pureza, segundo eles, era branca e a modernidade europeia.

Essa suposta superioridade os autorizava a subjugar os outros povos, como numa missão salvadora. Como esquecer que, segundo a igreja católica de então, africanos não tinham alma e que, portanto, podiam ser escravizados?
Era preciso levar a “palavra de Deus” aos infiéis, mesmo que isso fosse garantido por meio de escravidão e assassinato (do corpo, cultura e religiosidade). Pois bem, a imagem que se consagrou entre nós foi a de Jesus embranquecido, diferentemente de seus conterrâneos nazarenos, de pele escura, o que hoje é o mais aceito pela ciência.
Apesar das pesquisas, vislumbrar um Jesus racializado ainda causa polêmica. Como o Salvador prometido por Deus teria o fenótipo mais parecido com aqueles que, supostamente, seriam descendentes do amaldiçoado Cam? Daqueles cuja humanidade foi destruída pelo colonialismo e pelo racismo, marcas ainda tão vivas em nossa sociedade?

Embranquecer Jesus não é um apagamento apenas de sua cor e traços físicos, é também torná-lo mais próximo dos opressores do que dos oprimidos. É deturpar sua história. Jesus caminhou com aqueles que estavam à margem do Império Romano e morreu por sua postura revolucionária.
Não sou cristã, mas tenho profunda admiração pela sua figura histórica contestadora de um sistema colonizador e excludente e que pregava uma vida comunitária (como cresceu na África, lá deve ter aprendido a importância do compartilhar).
Também não tenho dúvidas de que, se fosse nosso contemporâneo, seria igualmente excluído, torturado e assassinado pelo Estado. Como tantos jovens racializados, provavelmente, não chegaria nem aos 33 anos. Num País racista como o Brasil, Maria e José sequer teriam tido um abrigo para que Jesus pudesse nascer.
Nessa perspectiva de raça e classe, o Jesus branco e eurocêntrico também é uma figura vendável. Foi no passado e ainda o é. Basta observar os templos do consumo, também conhecidos como shoppings centers, nesses dias que antecedem o Natal: todos lotados de consumidores ávidos por presentes e roupas. Mas a figura de um Jesus de pele escura teria o mesmo apelo comercial, já que a imagem de homens racializados é ligada a um estereótipo de pessoas violentas, inferiores e hipersexualizadas? Certamente, não.

E o que não vende não existe e não é amado pelo Deus-capital, nem por seu rebanho cego de seguidores. E assim, a imagem do Nazareno e a essência do que ele defendeu, a ponto de morrer na cruz (pior sentença daquela época), seguem corrompidas em benefício dos vendilhões do Templo e dos detentores do Poder.