Negacionismo de Lula e meta proposta para a COP pode eliminar a própria região que sediou o evento
Por: Lucas Ferrante
23 de novembro de 2025A região Amazônica já aprendeu, da forma mais dolorosa possível, o custo de governos que tratam pesquisa e evidências como ornamentos descartáveis. Durante a pandemia, o país testemunhou o colapso de Manaus após alertas ignorados sobre a chegada de uma segunda onda – um desastre anunciado com mais de 6 meses de antecedência no periódico Nature Medicine que se concretizou pela combinação de negacionismo, cálculo político e indiferença à vida.
É alarmante, portanto, observar que, em temas ambientais e climáticos, o governo Lula repete a mesma lógica: advertências documentadas sobre os riscos da BR-319, da abertura de novas fronteiras petrolíferas e da intensificação da crise climática vêm sendo tratadas como obstáculos políticos e não como fundamentos técnicos indispensáveis para proteger a população e o território.
Assim como Bolsonaro desdenhou a epidemiologia, Lula hoje desdenha a ciência do clima – e ambos, cada à sua maneira, fazem isso para preservar interesses econômicos de curto prazo. O governo insiste em flexibilizar licenciamento, pressiona órgãos técnicos, e transforma a Petrobras — que deveria liderar a transição energética — em um motor de expansão fóssil. É uma escolha que compromete a Amazônia, a saúde pública, a segurança hídrica nacional e, em última instância, o futuro do próprio país. A crítica aqui não é partidária: é científica e cobrada inclusive em uma publicação na Nature Human Behaviour que solicitou a vários pesquisadores brasileiros um parecer das expectativas e compromissos que o governo Lula deveria ter com a ciência Brasileira.
Adiar o fim do petróleo em 20 anos é negar a ciência climática
Não existe base científica séria que sustente a ideia de que o Brasil — ou o mundo — possa continuar explorando petróleo até 2045 ou 2050 como se isso fosse compatível com o Acordo de Paris. Os dados mais recentes mostram que o orçamento de carbono para 1,5 °C está praticamente esgotado. Indicadores globais apontam que a última década já oscilou entre 1,2 °C e 1,3 °C, e 2024 fechou o ano com média anual próxima de 1,5 °C.
Estudos publicados em Earth System Science Data e análises do Global Carbon Budget confirmam que, no ritmo atual, o estoque de CO₂ “disponível” para manter 1,5 °C será consumido em poucos anos — não em décadas. Pesquisas publicadas na Science indicam que a barreira de 1,5 °C será cruzada em cerca de dez anos, caso não haja uma redução imediata e profunda nas emissões globais.
Diante desse quadro, discutir “fim do petróleo em 20 anos” é tão absurdo quanto propor evacuar um prédio em chamas “daqui a duas horas”. O fogo já está no andar em que estamos.
Nature e IPCC: a expansão do petróleo é incompatível com qualquer meta climática séria
A literatura científica é unânime. Um estudo de referência em Nature demonstrou que, para manter 1,5 °C com chance razoável, cerca de 60% das reservas conhecidas de óleo e gás e 90% do carvão devem permanecer intocados no subsolo.
Um estudo publicado na Nature Communications, baseado nos cenários do AR6 do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), reforçam: todos os caminhos compatíveis com manter o aquecimento bem abaixo de 2 °C exigem reduções muito fortes em combustíveis fósseis já nesta década — e queda acentuada antes de 2030.
Nenhum desses modelos descreve um planeta capaz de suportar mais 20 anos de expansão petrolífera sem colapsar ecossistemas e cadeias produtivas essenciais.
Tipping points: Amazônia entre os primeiros sistemas a entrar em colapso
Estudos recentes na Science mostram que diversos pontos de não retorno — como recifes de coral, partes das calotas polares e o próprio sistema amazônico — podem ser acionados entre 1 °C e 2 °C. Isso significa que riscos irreversíveis já são relevantes no clima atual. Um estudo do nosso grupo de pesquisa, publicado no periódico Environmental Monitoring and Assessment, demonstrou que até mesmo espécies comuns — hoje consideradas fora de perigo — podem desaparecer da Amazônia dentro dos próximos 10 a 15 anos devido ao aumento das temperaturas e à redução das chuvas. Ou seja, as metas propostas por Lula são muito pouco e chegam muito tarde.
Relatórios de síntese, como o New Insights in Climate Science 2023, são categóricos: o overshoot de 1,5 °C está se tornando praticamente inevitável e apenas uma interrupção rápida e imediata do uso decombustíveis fósseis pode evitar cenários de risco catastrófico.
Adiar decisões para 2045 ou 2050 não é transição: é omissão.
Enquanto o mundo pede redução, o Brasil amplia fronteiras petrolíferas
A estratégia brasileira caminha na direção oposta ao que exige a ciência. Editorial da Science sobre a COP30 no Brasil já destacou a contradição entre o discurso diplomático e a expansão planejada da Petrobras. Esta semana em duas cartas distintas na Science pesquisadores apontaram “A hipocrisia do Brasil na COP30” e “A credibilidade do Brasil em risco com a perfuração” como apontam os próprios títulos das publicações.
O plano estratégico 2024–2028 prevê elevar a produção para cerca de 3,2 milhões de barris de óleo equivalente por dia, com mais de US$ 100 bilhões em investimentos — a maior parte destinada ao pré-sal e a novas fronteiras offshore. Investimentos robustos em baixo carbono seguem sendo a minoria.
Em 2025, o governo autorizou a abertura de uma nova fronteira petrolífera na Margem Equatorial, incluindo blocos sensíveis na Foz do Amazonas — uma das regiões marinhas mais frágeis do planeta. Em paralelo, os leilões de petróleo na Amazônia seguem acelerados.
Chamar isso de “transição energética” é, objetivamente, uma piada de mau gosto. É uma transição de fachada, pensada para preservar royalties e dividendos, não para proteger o território.
BR-319, epidemias e fogo: ignorar a ciência gera crises simultâneas
O negacionismo climático não se limita ao petróleo. O governo continua avançando com a BR-319 apesar de alertas formais sobre aumento de desmatamento, expansão de ilícitos, agravamento de epidemias respiratórias e aceleração do colapso ecológico da região.
A reconstrução da rodovia pressiona territórios indígenas e unidades de conservação, facilita grilagem e fogo, e coloca a Amazônia em risco direto de entrar em um ciclo de savanização. Ignorar isso não é “debate técnico”; é escolher a pior das opções disponíveis.
A mensagem da ciência para a COP é simples — e urgente
A infraestrutura fóssil existente, operando até o fim da vida útil, já é suficiente para estourar o orçamento de carbono de 1,5 °C, segundo o próprio IPCC. Ampliar poços, blocos e rodadas de leilões é optar deliberadamente por abandonar as metas de Paris.
Não existe transição energética com expansão de petróleo.
Não existe proteção da Amazônia com abertura de novas fronteiras fósseis.
Não existe futuro estável mantendo políticas baseadas em lucro imediato.
Se governos — qualquer governo — continuam insistindo em 20 anos a mais de petróleo, estão tomando uma decisão consciente: sacrificar vidas, territórios, biodiversidade e o próprio futuro climático do Brasil. O Brasil precisa dar um basta, políticos que negam a ciência são inimigos da nação, o negacionismo mata.
Nenhuma campanha de marketing da Petrobras, nenhum discurso em COP e nenhum slogan de “economia verde” muda esse fato científico.