Início » +Ciência » ‘Nheengatu’, a língua perdida dos indígenas da Amazônia, será resgatada por pesquisadores
‘Nheengatu’, a língua perdida dos indígenas da Amazônia, será resgatada por pesquisadores
Imagens ilustram palavras da língua Nheengatu (Ilustrado por Paola Saliby)
Compartilhe:
20 de janeiro de 2022
Com informações do Estadão
RIO – Na virada do século 17 para o 18, o idioma oficial na Amazônia não era o português, mas o nheengatu. Também conhecida como língua geral, ela foi criada a partir do tupi antigo e era falada por todos os indígenas de diferentes etnias da região. Apesar de inicialmente ter sido usado também por colonizadores, sobretudo os religiosos, o idioma foi depois perseguido e banido pelos portugueses.
Para resgatar a língua, culturalmente tão importante na história do Brasil, um grupo de professores e escritores amazonenses criou a Academia da Língua Nheengatu, que reivindicará mais espaço para o idioma nas comunidades indígenas, na academia e também na internet.
Composto por 21 membros, o grupo quer agregar as três diferentes ortografias da língua que surgiram nas regiões do Baixo Rio Negro, Baixo Rio Amazonas, no Amazonas, e na Bacia do Tapajós, no Pará. Seu estatuto estabelece várias atividades, como produzir e atualizar continuamente um dicionário unificado da Língua Geral Amazônica no Brasil; criar, alimentar e atualizar uma biblioteca digital de materiais históricos e atuais, científicos e didáticos sobre o nheengatu; promover a produção de material didático para o ensino da língua nas comunidades indígenas.
PUBLICIDADE
“O nheengatu é a língua franca da Amazônia, carrega essa identidade amazônica, é uma forma de resistência dos povos indígenas. Por conta da perseguição, da repressão, ela ficou escondida nas comunidades do interior”, diz o escritor e professor George Borari, diretor da academia.
O principal aliado para o resgate do idioma é a tecnologia. Duas das mais importantes iniciativas já estão disponíveis. Uma é Nheengatu App. Criado pela estudante Suellen Tobler, da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), o aplicativo é uma plataforma de ensino da língua indígena, lançado com apoio do Governo do Pará, de professores universitários e lideranças indígenas.
Outra iniciativa inédita é o Projeto Motorola. Desde 2021, todos os smartphones da empresa contam com nheengatu entre suas opções de língua. A ideia da academia surgiu dos encontros de especialistas e professores de nheengatu para a elaboração do vocabulário e da grafia a ser usada nos serviços de telefonia da empresa.
As origens do nheengatu remontam ao século 17 e à odisseia dos tupinambás. Esses indígenas, originalmente do litoral do Nordeste, começaram a ocupar o interior ao fugir dos colonizadores e se estabeleceram na região do atual Maranhão, de onde se expandiram rio acima. Como formavam uma nação poderosa, impuseram a língua para as demais etnias às margens do Amazonas.
As missões jesuíticas também reuniam indígenas de diferentes etnias. Isso favorecia a mistura. Aos poucos, palavras de outras línguas locais, bem como portuguesas, foram incorporadas. Os colonizadores, em menor número, também usavam o idioma para falar com os indígenas.
“Os índios de diferentes etnias eram reunidos pelos missionários em aldeamentos, levados para diferentes vilas como escravos; foi assim que a língua começou a se formar”, explicou o linguista Eduardo Navarro, da USP, professor de nheengatu. Segundo ele, a língua foi dominando totalmente a Amazônia, até ser mais falada que o português.
A partir do século 18, Portugal entrou em nova disputa de terras com a Espanha. Para garantir a posse dos territórios, era preciso demonstrar que a língua falada era o português. Isso fez com que o nheengatu fosse proibido. A violenta repressão à Cabanagem, a revolta popular deflagrada em 1835 na região, sepultou definitivamente a língua, que era falada pelos revoltosos. O início do ciclo da borracha e a entrada em massa de nordestinos na região pôs fim ao uso corrente do nheengatu.
Hoje, estima-se que existam de 20 mil a 30 mil falantes do idioma, todos na região amazônica. Desde 2002, o nheengatu é uma das línguas oficiais em São Gabriel da Cachoeira (AM). Pelo menos cem professores de nheengatu já foram formados na Ufopa.
“O brasileiro é um povo que não se valoriza; que olha para fora, não para dentro; que não conhece seus próprios idiomas”, afirma o escritor e professor Yagurê Yamâ, do povo indígena Maraguá, que é um dos fundadores da academia. “Estamos aqui para lutar e romper essa barreira, para que o brasileiro possa se enxergar, se encontrar, valorizar sua natureza e sua brasilidade.”
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site. Se achar algo que viole os termos de uso, denuncie. Leia as perguntas mais frequentes para saber o que é impróprio ou ilegal.
Este site usa cookies para que possamos oferecer a melhor experiência de usuário possível. As informações dos cookies são armazenadas em seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Cookies Estritamente Necessários
O cookie estritamente necessário deve estar ativado o tempo todo para que possamos salvar suas preferências de configuração de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará habilitar ou desabilitar os cookies novamente.