No Pará, Mãe Ju transforma fé em força contra o racismo
Por: Fabyo Cruz
02 de dezembro de 2024
BELÉM (PA) – À frente do Terreiro de Umbanda Casa Mãe Mariana, no bairro de Canudos, em Belém, Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, tornou-se símbolo da luta antirracista no Pará, transformando sua história de resistência em inspiração para outras pessoas que enfrentam o racismo e a intolerância religiosa. Na última sexta-feira, 29, ela foi homenageada com o Troféu Itã – De Acotirene a Zumbi, que reconhece personalidades que se destacam na defesa da igualdade racial e da justiça social.
O Troféu Itã foi o ponto alto de um mês de atividades promovidas pela Associação dos Filhos e Amigos do Ilê Iyá Omi Asé Ofá Kare (Afaia) em celebração ao Novembro Negro Jacó Tirene Azumbi. Ao longo do mês, rodas de conversa, shows e debates destacaram a resistência negra e estratégias para combater o racismo religioso.

O presidente da Afaia e babalorixá das Águas do Ketu, Edson Catendê, enfatizou a importância do momento. “Nesse troféu, homenageamos o terreiro Dois Irmãos e, claro, a Mãe Ju. Ela é uma mulher preta, quilombola, que vem enfrentando múltiplas violações de direitos enquanto zela por mais de 40 filhos espirituais. A luta dela simboliza a luta coletiva dos povos de terreiro contra o racismo religioso”, declarou Catendê à CENARIUM.
História de luta
Natural de Castanhal, cidade localizada a 65 quilômetros de Belém, Mãe Ju carrega em sua ancestralidade a força de seus antepassados quilombolas. Apesar de inicialmente relutar em abraçar a missão espiritual, ela foi chamada pelos ancestrais para zelar pela espiritualidade das pessoas. “Tudo começou com um copo d’água e um maracá. Aos poucos, Mariana, minha entidade, trouxe para minha vida uma força que mudou tudo. O terreiro cresceu, mas também trouxe desafios”, comentou.
“Passei por muita coisa sendo quilombola e exercendo minha religião”, disse Mãe Ju, ao relembrar os desafios enfrentados. Ela compartilhou episódios marcantes da trajetória, como as restrições impostas para praticar sua fé e um processo judicial que a impediu de realizar rituais por meses. Dentre os desafios, Mãe Ju também lidou com situações de intolerância religiosa que ameaçaram tanto seu espaço quanto suas crenças. “Fui acusada injustamente, impedida de bater tambor. Por um tempo, acreditei que eu estava errada, mas amigos e advogados me ajudaram a entender que era vítima. Essa luta uniu muita gente, e percebi que a união é a nossa maior força”, afirmou.
Reconhecimento
A homenagem na cerimônia do Troféu Itã foi um marco na trajetória de Mãe Ju. Ao ser a primeira premiada da noite, ela sentiu a força do reconhecimento. “Estava muito nervosa, mas me senti acolhida, como se estivesse em casa. Ver minha família e minha comunidade espiritual ali foi emocionante. Essa premiação é importante não só para mim, mas para todos que lutam ao meu lado”, disse.

Após ter a trajetória amplamente reconhecida, Mãe Ju deseja que sua história atue como um lembrete de que a luta contra o racismo é coletiva e incessante. Ela almeja que o relato ressoe como um chamado à justiça e à igualdade, motivando outras pessoas a continuarem resistindo.
Com 43 anos, Mãe Ju acredita que o combate ao racismo e à intolerância deve se basear no amor e na paz. “Faço um apelo à sociedade que perpetua o racismo para que encontre amor em seus corações e paz de espírito. Todos somos iguais. Não estamos aqui para causar mal a ninguém, mas sim para ajudar. Espero que essas pessoas entendam que o preconceito é, na verdade, uma fonte de sofrimento para elas mesmas”, afirmou.