Nortistas no Rio Grande do Sul relatam ‘caos’, ‘cenário de guerra’ e ‘recomeço’


10 de maio de 2024
Nortistas no Rio Grande do Sul relatam ‘caos’, ‘cenário de guerra’ e ‘recomeço’
Da esquerda à direita: Maryely Ferreira, Sophia Pires, Thaís Waughan e Aldemir Caetano (Composição: Weslley Santos/ Fotos: Arquivo pessoal)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS (AM) – As fortes chuvas e enchentes que afligem o Rio Grande do Sul transformaram cidades em um “caos” e “cenário de guerra”. É assim que definem os nortistas que vivem nas localidades e que relataram à REVISTA CENARIUM como tem sido viver o que já é considerado o pior desastre climático do Estado. Agora, segundo eles, o que resta é esperar as águas baixarem, literalmente, e recomeçar.

A universitária de Farmácia Sophia Pires, natural de Manaus, no Amazonas, está no Rio Grande do Sul há quatro anos e mora no bairro Canoas, um dos mais afetados pela inundação. Ela conta que, mesmo acostumada aos períodos de cheia e seca da região amazônica, foi assustador presenciar a casa onde vive com a noiva e os sogros ser tomada completamente pela água.

“A gente tem seca, tem a cheia ali no Centro [bairro da Zona Sul de Manaus] e tudo mais, mas eu jamais imaginei que poderia acontecer uma coisa assim”, compartilha a amazonense que agora divide, pelo menos temporariamente, uma casa em Quintão, praia do litoral Norte gaúcho, com mais 19 pessoas e seis cachorros. A expectativa é voltar à residência, somar os prejuízos e recomeçar.

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Sophia Pires e os seis cachorros; todos foram levados com a família (Arquivo pessoal)

O mais triste também vai ser voltar àquele cenário de guerra“, afirma. “Querendo ou não, eu que vim do Amazonas, já vim para cá para recomeçar, para fazer uma faculdade, para melhorar de vida com os estudos. E é mais um recomeço, o sentimento é de criar forças para começar de novo“.

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O consultor de investimentos amazonense Aldemir Caetano mora na capital gaúcha há um ano. Para ele, era impensável imaginar o que está acontecendo em uma cidade “extremamente organizada e segura“. “Nunca imaginei viver uma situação como essa, até porque tem uma proteção contra o enchente, que não chegou nem perto de ser efetivo para esse enchente, porém, se não tivesse esse sistema, teria sido bem pior“, analisa.

Caetano relata que apesar do apartamento onde mora não ter sido atingido, precisou ir para a casa de uma amiga, ou então ficaria isolado, sem telefone, energia, água ou lugar para comprar mantimentos.

Aldemir Caetano em viagem a Gramado, cidade no interior do Rio Grande do Sul (Arquivo pessoal)

Aqui, em Porto Alegre, mais de 80% da população ficou sem água na torneira. Não tem água para comprar. Estamos com dificuldade para comprar produtos básicos, como o pão, por exemplo. Vários restaurantes não estão abrindo. Então, assim, é uma situação de caos, tá? E quem podia fugiu para outra cidade, para o litoral, principalmente quem tinha condições“, contou.

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De Belém, no Pará, Maryely Ferreira é mãe de duas crianças e mora no Rio Grande do Sul há quase 15 anos, após ter se casado com um gaúcho. Ela conta que, para sair da cidade de Porto Alegre, um percurso que antes era de poucos minutos agora dura cerca de sete horas. Além disso, mesmo sem ter perdido algo ou alguém, presenciar o que acontece no Estado é “desolador”, afirma.

“Eu sou devota de Nossa Senhora de Nazaré, ela está na parte mais alta daqui da minha casa, onde eu me ajoelho e oro diariamente, para que tudo isso acabe, não só na minha cidade, mas estendendo por todo o Estado, porque é muito triste, é muito doloroso eu, como mãe, ver o sofrimento de outras mães, os olhinhos de outras crianças chorando, sem saber do que está acontecendo, que perderam tudo, só com a roupa do corpo, nesse frio ainda, dói muito, não tem como não se emocionar”, disse.

Maryely Ferreira e a família também em Gramado, no Rio Grande do Sul (Arquivo pessoal)

Maryely Ferreira mora em uma zona portuária chamada de Rio Grande e afirma que a preocupação que enchentes e alagamentos atinjam o local é constante. “Eu levei pro sótão algumas coisas, memórias afetivas, fotografia de casamento, HD, CDs do nascimento das minhas filhas porque eu não queria perder, e eu coloquei tudo pro sótão“, lembra.

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A jornalista e produtora de conteúdo Thaís Waughan também é manauara e reside com o noivo em Porto Alegre há um ano e meio. Ela conta que, na segunda-feira, 6, recebeu um alerta da prefeitura para evacuar o bairro onde mora.

A gente recebeu esse alerta para sair de lá porque tinha risco de alagamento. Então, foi aquela correria. A gente pegou as coisas. A gente optou por realmente vir para o litoral porque os pais dele têm uma casa, um apartamento aqui. E a gente veio com dois outros amigos nossos que vieram aqui com a gente. Vamos ficar por ficar aqui até a situação voltar ao mínimo possível de normalidade“, concluiu.

Thaís Waughan precisou sair da casa onde mora com o noivo para achar um local mais seguro (Arquivo pessoal)
Tragédia

A Defesa Civil do Rio Grande do Sul já registrou 107 mortes em consequência das fortes chuvas que atingem o Estado desde o último dia 26. Segundo o boletim mais recente do órgão estadual, divulgado às 9h desta quinta-feira, 9, pelo menos 136 pessoas estão desaparecidas no desastre climático, que afetou 1,47 milhão de pessoas em 425 municípios atingidos.

Os dados contabilizam ainda 164.583 pessoas desalojadas, que tiveram de buscar abrigo nas residências de familiares ou amigos em algum momento. Muitas destas seguem aguardando que o nível das águas baixe para poder retornar às suas casas. Outras 67.542 pessoas ficaram desabrigadas, ou seja, sem ter para onde ir, e precisaram se refugiar em abrigos públicos municipais.

Revisado por Gustavo Gilona

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