‘Nova cloroquina’ de Bolsonaro, proxalutamida foi rejeitada por dois laboratórios

Em conversa com eleitores, o presidente disse que deve corrigir uma hérnia que se formou em seu abdômen.(Reprodução/Internet)

Com informações do O Globo

RIO DE JANEIRO – A substância, desenvolvida na China, vem sendo propagandeada pelo presidente da República em suas lives semanais como a nova promessa de tratamento para a Covid-19. Mas os dados conhecidos até agora sobre o ensaio clínico com voluntários no Amazonas indicam falhas graves e até mesmo suspeitas de fraude.

O estudo foi conduzido pelo grupo Samel, dono de hospitais no Estado, e pelo pesquisador Flávio Cadegiani, criador do aplicativo Tratecov, que recomendava o “tratamento precoce” a doentes de coronavírus.

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Ter uma empresa disposta a importar, distribuir ou produzir a proxalutamida no Brasil é condição essencial para a liberação do remédio para o tratamento contra a Covid-19. Pelo regulamento da agência, o Grupo Samel não pode fazer isso, já que não é produtor de medicamentos e nem importador de insumos.

Diante da recusa dos laboratórios privados, os representantes da proxalutamida recorreram à Fiocruz, que é controlada pelo governo federal. Na última quinta-feira, eles foram a uma reunião na Anvisa acompanhados do vice-presidente de produção e inovação da fundação, Marco Krieger.

No encontro, combinaram que a Fiocruz fará uma espécie de consultoria ao estudo, apontando as lacunas que precisam ser preenchidas, o que ainda precisa ser esclarecido e quais dados se sustentam.

As tratativas envolvem ainda a possibilidade de a fundação produzir o remédio, caso a eficácia seja comprovada. Krieger, porém, disse que ainda não teve acesso aos dados.

Avaliá-los será um trabalho delicado. Segundo infectologistas e estudiosos do comportamento do coronavírus, se confirmadas as informações divulgadas pelos responsáveis pela pesquisa em uma live, há o risco de eles terem deixado uma quantia expressiva de voluntários morrerem desnecessariamente ao longo do trabalho. A menos que os dados estejam errados ou imprecisos. Nesse caso, estariam caracterizadas suspeitas de falhas graves e possíveis fraudes, que os responsáveis pelo estudo negam.

Não se sabe se esses problemas foram a razão da recusa das duas farmacêuticas em produzir a proxalutamida no Brasil. A Aché apenas informou à coluna que não tem a intenção de firmar uma parceria com o Grupo Samel, mas não quis detalhar as razões para o veto.

Já a Eurofarma não comentou a recusa, confirmada à equipe da coluna por fontes que acompanham a movimentação do grupo amazonense junto ao governo. A farmacêutica limitou-se a dizer que está “sempre avaliando novos produtos e serviços e/ou aquisição de ativos”.

Considerando que os organizadores do estudo prometem uma redução de 92% da mortalidade de pacientes graves (embora o estudo seja originalmente voltado para casos moderados), a rejeição das farmacêuticas chama a atenção.

A Anvisa não recebeu informações oficiais de nenhum dos interessados em regulamentar a proxalutamida.

Questionada sobre as suspeitas em torno do estudo da droga experimental, a Fiocruz não comentou. Apenas enviou uma nota confirmando que vai destacar pesquisadores para avaliar a proxalutamida, mas dizendo não ter fechado qualquer acordo com o grupo Samel.

Mesmo sem acordo, a presença da Fiocruz junto ao Samel ajuda a manter a proxalutamida entre os potenciais medicamentos para tratar a Covid-19, como Jair Bolsonaro vem propagandeando.

Outra instituição que até agora não se posicionou sobre as dúvidas em torno dos estudos da proxalutamida foi a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que analisou o protocolo de pesquisa e autorizou os ensaios no Brasil. A Conep também avalia o pedido do grupo Samel para realizar a fase 3 dos estudos, com mais voluntários.

Questionada sobre as irregularidades apontadas pelos especialistas, a comissão limitou-se a enviar uma nota dizendo que as informações sobre os estudos “são sigilosas e os dados não podem ser divulgados” — desconsiderando o fato de que os próprios pesquisadores divulgaram as informações em uma live.

Além disso, o próprio pesquisador-chefe do estudo, Flávio Cadegiani, admitiu ao GLOBO que sabia quais pacientes estavam recebendo placebo e quais tomavam a substância, descumprindo o compromisso duplo-cego registrado na própria Conep.

A falta de um esclarecimento público sobre o assunto ajuda a levantar dúvidas sobre a segurança de ensaios clínicos de medicamentos contra a Covid-19. É, ainda, sintoma da falta de mecanismos institucionais e regulatórios que garantam uma resposta rápida e efetiva a possíveis transgressões éticas.

O grupo Samel, que na semana passada recusou-se a responder os pedidos de informação da reportagem, também não comentou as dúvidas que pairam sobre seus ensaios clínicos. Em um vídeo publicado no Instagram, o dono da rede, Luís Alberto Nicolau, disse que suas pesquisas estão sendo alvo de politização.

Na última quarta-feira, a Samel também enviou uma nota dizendo-se otimista quanto à proxalutamida e afirmando que “questionamentos relativos à aprovação de próximas fases do estudo, fabricação ou comercialização do medicamento cabem às autoridades e organismos competentes”.

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