Novo ‘artigo de luxo’: com preço da carne em disparada, até classes mais altas reduzem consumo na Amazônia

Clientes de supermercado no bairro Betânia, na zona Sul de Manaus (AM), olham expositor de carnes. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium

MANAUS – “Não compro mais [carne] como antes. Hoje é peixe, frango guisado e assim a gente vai levando”. A declaração de Paulo César Barbosa Gaspar poderia ser mais um depoimento de um brasileiro, morador da Amazônia, que precisou adaptar os hábitos alimentares com a alta do preço dos alimentos, principalmente da carne. Mas o empresário e proprietário de dois pontos de venda de churrasco em Manaus (AM), que ganha a vida vendendo carnes prontas, ironicamente, também precisou reduzir, e muito, o consumo desse alimento, quando o lucro e orçamento reduziram.

Funcionário de supermercado no bairro Betânia, zona Sul de Manaus (AM), arruma carnes no expositor. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Quem gosta de comer o brasileiríssimo bife com arroz e feijão ou até mesmo curtir um churrasco no fim de semana sentiu o impacto no bolso, assim como Paulo César. E os números oficiais explicam isso. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que os preços da carne voltaram a subir para os consumidores brasileiros entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, com alta da inflação de 0,90% e 1,15%, respectivamente.

“Muita gente [deixou de consumir carne], eu sou um, até para comer em casa”, contou Paulo César à CENARIUM, enquanto aguardava na fila do açougue de um supermercado no bairro Betânia, zona Sul de Manaus. Com o carrinho lotado de carnes destinadas aos seus estabelecimentos comerciais, o empresário explicou que antes comprava uma caixa de frango, com cerca de 10 unidades, por R$ 75 reais. Hoje esse preço chega a R$ 218. Quanto à carne, ele ainda exemplificou o caso da gordura, usada para o espeto do churrasco e que todo cliente gosta de saborear. O quilo, antes, era R$ 10. Hoje, chega a R$ 25.

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O empresário Paulo César Barbosa Gaspar com as compras que atenderão as vendas nos churrasquinhos por uma semana. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

“De vez em quando compra uma carne para guisado, uma mais barata. Churrasco de picanha é difícil, não tem condições não”, conta ele sobre o consumo do alimento na sua residência.

O empresário explica que hoje, dois anos após o início da pandemia, o lucro dos pontos reduziu significantemente, impactando diretamente na própria renda da família. Gestor de 12 funcionários, apesar de ganhar um lucro significativo nos pontos, ainda é preciso repassar o valor do pagamento aos colaboradores, arcar com despesas habituais do negócio e, só então, retirar o próximo “salário”.

“Trabalho com isso há 12 anos, mas depois da pandemia foi que a gente sentiu. Antes da pandemia, eu trabalhava duas semanas, tirava R$ 18 mil [de lucro próprio]. Agora nas duas bancas eu não tiro R$ 10 mil no mês. As coisas começaram a ficar caras”, completou ainda.

Clientes em fila quilométrica em supermercado no bairro Betânia, zona Sul de Manaus (AM) (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Do outro lado

Assim como Paulo César, o açougueiro Manoel Quintela de Moura sentiu o impacto da queda nas vendas da carne no seu ponto dentro da Feira Municipal no bairro Japiim, também na zona Sul de Manaus. Trabalhando no local com o ofício desde 1971, ele chegou a vender até oito bois cortados em uma semana. Hoje, é apenas um semanalmente.

“A pandemia veio desempregar muita gente, e o desemprego enfraquece qualquer comércio. Antes da pandemia, vendia na faixa de três bois, hoje é um”, conta ele.

O magarefe, nome tradicional, mas pouco conhecido, dado a açougueiros, ainda lembra os tempos das “vacas gordas”, quando as vendas eram intensas. Mas hoje, conta ele, os pequenos negócios foram “engolidos” pelos grandes supermercados e outras feiras concorrentes. “Cheguei em 71 aqui. Essa feira aqui não tinha condições para acumular o povo que chegava dia de sexta-feira, sábado e domingo. E cortava oito quartos de carne na época, mas tinha gente que cortava 18. Eu cortava uma faixa de 50 frangos, mas aí surgiu outras feiras, supermercados, e aí foi diminuindo”, relembra.

Manoel Quintela de Moura vende carnes na Feira Municipal do Japiim desde 1971: “Antes da pandemia vendia na faixa de três bois, hoje é um”. (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)

Fala de especialista

O contínuo aumento da inflação desanima o cenário econômico para 2022, que não começou de forma “muito confortável para os brasileiros”, segundo a economista Denise Kassama. Ela destaca que, no orçamento mensal, o brasileiro terá que priorizar os alimentos.

“A inflação de 10,06% em 2021 e uma taxa Selic de 10,75%, a baixa atividade econômica e um crescimento inexpressível, assinalam que 2022 não será um ano fácil. Por conta de tais indicadores, a expectativa é que este ano seja o crescimento econômico seja baixo ou mediano e alto custo de vida. Com a inflação acima de 10%, o brasileiro deve priorizar o consumo de itens de primeira necessidade, como alimentos. E nesse sentido, a cesta básica de Manaus configura entre as mais caras do país, que segundo a FGV, registrou uma alta de 7,8%”, explica Denise.

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A economista ainda dá dicas de como economizar nas compras do mês. “Nesse sentido, realizar pesquisas de preços é fundamental para buscar preços mais accessíveis. Buscar alternativas aos hábitos de consumo, principalmente os alimentares também ajudam bastante. Carne de porco ou frango podem ser mais baratas que a bovina. Manter uma planilha de ganhos e gastos mensais também ajuda a controlar o orçamento e trabalhar para reduzir os custos mais altos. Não é fácil, mas também não é impossível”, finaliza.

Expositor de carnes em supermercado no bairro Betânia, zona Sul de Manaus (AM). (Ricardo Oliveira/ Revista Cenarium)
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