Novo índice atesta que 20% das bacias na Amazônia sofrem alto impacto de atividades humanas

A Usina Hidrelétrica Sinop, localizada no Estado do Mato Grosso (Divulgação)
Com informações da Folhapress

SÃO PAULO – Pelo menos 20% das microbacias da Amazônia sofrem alto impacto de atividades ou infraestruturas que ocorrem ao seu redor, como hidrelétricas – principal agente de pressão –, mineração e garimpo ilegal, estradas e agropecuária. Essa é a conclusão de um novo índice, o IIAA (Índice de Impacto nas Águas da Amazônia), criado pela Ambiental Media, com apoio do Instituto Serrapilheira e participação de pesquisadores.

O índice faz parte do projeto Aquazônia, lançado nesta quinta-feira, 5. O IIAA vai de 0, que significa impacto muito baixo, até mais de 5, para classificação de impacto extremo.

Foram analisados dados de hidroeletricidade, exploração mineral, hidrovias, agropecuária, degradação florestal, cruzamentos de rios com estradas, área urbana e mudanças climáticas em 11.216 microbacias da Amazônia Legal.

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Dessas, 2.299 apresentam um impacto tido como alto pelo IIAA. O top cinco de áreas mais impactadas – e, dessa forma, com números mais altos no índice – tem presença de bacias com hidrelétricas. São elas: a do Madeira, que tem a hidrelétrica Canaã, em Rondônia; a do Tapajós, com a hidrelétrica Braço Norte, em Mato Grosso; a do Xingu, região da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará; a do Tapajós, com a hidrelétrica Paranorte, em Mato Grosso; e a do Madeira, novamente, com a hidrelétrica Jamari, em Rondônia, mais uma vez.

Filtrando pelas microbacias com impacto alto, muito alto ou extremo, cerca de 50% – o que representa 1.146 – estão em áreas de afetação de hidrelétricas. Curiosamente, 478 (21%) dessas microbacias com elevados graus de impactos sofrem, ao mesmo tempo, com a presença de mineração (ou garimpo ilegal).
Segundo o levantamento, a bacia do Rio Putumayo-Içá é o corpo d’água tributário do Rio Amazonas que mais sofre com mineração, com impacto em 63% do percurso.

O índice também aponta a situação em unidades de conservação e em Terras Indígenas. Nas primeiras, cerca de 23% (ou 77) possuem índice de impacto alto – dez estão em Rondônia. No caso das áreas indígenas protegidas, 14% (53) têm índices de impacto altos, muito altos ou extremos.

Na Amazônia, um bioma em que a agropecuária é conhecida como vetor de desmatamento e queimadas, logicamente a atividade também teria impactos consideráveis em algumas regiões.

Segundo os dados do projeto, as bacias (todas tributárias do Rio Amazonas) Curuá-una, Guamá e Pacajá estão em áreas totalmente impactadas pelo agronegócio.

As bacias dos rios Tocantins e Xingu não estão muito atrás: 98% da área de ambas sofre impacto dessa atividade econômica.

Vale destacar que, apesar de contar com a participação de pesquisadores, o índice não tem a intenção de ser científico. Thiago Medaglia, fundador da Ambiental Media e coordenador do projeto, afirma que se trata de uma iniciativa baseada em ciência, mas ainda assim um trabalho de cunho jornalístico.

Índice tem foco nas águas

A ideia é ter um índice que passe uma percepção do que está acontecendo com as águas amazônicas (Foto: Fundação Renova)

Medaglia diz que a ideia do projeto surgiu ao se dar conta de que, ao falar de Amazônia, o foco é quase sempre e exclusivamente a floresta.

“Quando a gente fala em desmatamento temos cenas chocantes da floresta sendo desmatada ou conseguimos mensurar via satélite”, afirma o idealizador do Aquazônia. “Mas quando falamos de água é mais difícil que isso seja, de alguma forma, medido e percebido”.

Daí surgiu a ideia de um índice que pudesse passar uma percepção do que está acontecendo com as águas amazônicas.

Olhar para as águas desse bioma e de outros é algo relevante, especialmente, em um contexto de mudanças climáticas. Dados do MapBiomas Água apontam um País que seca. O Brasil perdeu, de 1991 até 2020, cerca de 15,7% da superfície de água que possuía, o equivalente a 3,1 milhões de hectares. O Pantanal teve redução de 74% da superfície de água e a Amazônia, cerca de 13%.

Mas, voltando ao IIAA, para se fazer um índice, são imputados determinados pesos para diferentes elementos que o compõem. As hidrelétricas tiveram o maior peso, explicando, assim, o motivo de áreas mais impactadas serem, em geral, próximas a essas estruturas.

Segundo Cecília Gontijo Leal, consultora científica do Aquazônia e pesquisadora da USP, isso não é à toa. “Uma hidrelétrica é uma alteração completamente drástica em um curso d’agua”, afirma. “Não tínhamos dúvida. O consenso é que hidrelétricas e barramentos são o que pode acontecer de mais drástico em um rio”.

Apesar de o impacto dessa forma de geração de energia não ser algo necessariamente surpreendente, algumas surpresas surgiram. Gontijo Leal aponta que, pelo índice, é possível ver que, quando há hidrelétricas, outros fatores de impacto se somam, aumentando o peso dessa estrutura na equação.
“Um impacto pode potencializar os efeitos de outro e, nos sistemas biológicos, está tudo muito interligado”, afirma a pesquisadora.

Gontijo Leal e Medaglia questionam os licenciamentos individualizados das hidrelétricas, sem uma avaliação integrada com outras dessas estruturas e considerando efeitos cumulativos. “Licenciar uma por uma é muito fácil”, diz a cientista.

Segundo o coordenador do Aquazônia, é preciso tomar cuidado com a máxima de que hidrelétricas são sempre soluções positivas. “Não é que não pode construir usina, mas é construir com estratégia, o que precisa englobar não só a produção de energia, como também serviços ecossistêmicos e os processos naturais dos rios. Tem vários estudos que demonstram que as pesquisas de impacto deveriam ser melhores e podem ser melhores. Existem métricas para isso”.

Apesar de o mapa aquático dos impactos na Amazônia já estar bem colorido, os dados do projeto ainda não estão completos. Mas isso por falta de informações confiáveis e de qualidade para pontos como pesca e contaminação por agrotóxicos.

Um dos objetivos da iniciativa, inclusive, é ajudar a trazer ao debate público a necessidade de mais dados sobre a saúde dos rios da Amazônia e as lacunas científicas e legislativas relacionadas ao assunto, diz Medaglia.

“São dados importantes que precisaríamos incluir, mas eles não existem. O índice deve estar subestimando o que acontece”, diz Gontijo Leal.

A pesquisadora da USP faz ainda outra ressalva. O IIAA aponta somente a distribuição das ameaças. Ou seja, não foi feita uma análise qualitativa das águas das bacias da Amazônia ou os possíveis impactos sobre a biodiversidade local, por exemplo.

A reportagem enviou questionamentos para os ministérios do Meio Ambiente, de Minas e Energia, de Infraestrutura, para a Ana (Agência Nacional de Águas) e para a ANM (Agência Nacional de Mineração).

Somente a Ana respondeu, até a publicação desta reportagem. A agência afirma que ainda não tomou conhecimento do índice e que, no “processo de emissão das outorgas de direito de uso de recursos hídricos para águas da União (interestaduais e transfronteiriças), a Ana considera condicionantes ambientais do Ibama ou do respectivo órgão ambiental competente”.

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