‘Nunca esperei perder um filho’, diz mãe de estudante morto em ataque homofóbico


Por: Ana Pastana

07 de julho de 2025
‘Nunca esperei perder um filho’, diz mãe de estudante morto em ataque homofóbico
Mãe de Fernando Vilaça, adolescente de 17 anos morto após agressões motivadas por homofobia, olha pela janela da casa onde vivia com o filho (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

MANAUS (AM) – Abalada, sem conseguir dormir e convivendo com a incerteza de um dia superar a perda de um dos seis filhos, a mãe do estudante Fernando Vilaça, de 17 anos, afirmou à CENARIUM nesta segunda-feira, 7, que os dias têm sido de profunda dor. Fernando foi espancado até a morte após questionar o motivo de ter sido chamado de “viadinho” por outros jovens, ainda não identificados. “Nunca esperei perder um filho”, desabafou a mãe.

A mãe, que preferiu não se identificar, disse que os dias após a tragédia não têm sido fáceis e que o próximo passo da família deve ser mudar da residência onde morava Fernando, pois, segundo ela, todos os lugares e cômodos da casa trazem lembranças do filho.

“Não foi fácil, nem sei dizer se eu vou superar, chegar aqui em casa e meu filho não ‘tá’ aqui. E outra coisa, meus filhos todos reunidos, cadê o outro? É difícil, meu filho que criei com tanto carinho, proteção e cuidado. Eu não quero mais ficar aqui, o sofá me lembra ele, ele ficava fazendo a tarefa dele aqui”, declarou.

A mãe de Fernando Vilaça (Ricardo Oliveira/CENARIUM)

O vazio da casa também é sentido pelos irmãos e, principalmente, pela irmã, identificada como Ana, que é Pessoa Com Deficiência (PCD). A mãe afirma que Fernando era um bom filho, um bom irmão, conselheiro, e que a ajudava com os cuidados da irmã que, após a tragédia, enfrenta dificuldades para dormir.

Fernando era um menino muito bom, muito bom, conselheiro, bom filho, irmão maravilhoso, ajudava a irmã dele porque eu tenho uma filha especial. Ele a ajudava e, nesse momento, ela está passando por uma dificuldade tão grande que até adoeceu, ela adoeceu. Ela estava com febre ontem [domingo], nem queria dormir no quarto“, relata a mãe do estudante.

A mulher, que, apesar do luto, ainda precisa encontrar forças para cuidar dos demais filhos que também sofrem com a perda do irmão, informou ainda que tem conversado com a filha Ana sobre a ausência de Fernando.

Eu vou conversar com ela, pra ela se acalmar, pra ela dormir também, que ela tinha que dormir no quarto, né?! Que o quarto a gente dormia tudo ali. Aí ela dizia assim, ‘mãe, a cama dele está vazia, mamãe’ e eu dizia ‘a cama dele está vazia, mas o espírito dele está aqui’. Eu falava para ela ‘então você não pode ficar com medo nem chorar, porque ele não gostava que ela chorasse'”, declarou.

O estudante Fernando Vilaça (Ricardo Oliveira/CENARIUM)
O caso

O relatório preliminar do Instituto Médico Legal (IML) do Amazonas apontou que as causas da morte do adolescente Fernando Vilaça foram edema cerebral, traumatismo craniano, hemorragia craniana e ação contundente. Testemunhas relataram que o estudante foi agredido até a morte após questionar outros jovens, ainda não identificados, sobre o motivo de o chamarem de “viadinho”.

O caso ocorreu na quarta-feira, 2, na Rua Três Poderes, bairro Gilberto Mestrinho, Zona Leste de Manaus (AM). Vídeo divulgado nas redes sociais mostra os suspeitos fugindo do local após a agressão. Nas imagens, também é possível notar a presença de outros dois homens e uma mulher, que são os irmãos e a mãe de Fernando, que foram até o local para defender o adolescente.

Leia mais: Jovem vítima de ataque homofóbico morreu de traumatismo craniano em Manaus: ‘Covardia’

Em seguida, Fernando já aparece no chão, com uma parte do corpo em cima da calçada e a cabeça sarjeta. Ele vestia uma camisa azul e é socorrido pela mãe, que informou à CENARIUM que o jovem já caiu desacordado. Fernando Vilaça morreu no último sábado, 5, no Hospital e Pronto-Socorro João Lúcio, na capital amazonense.

A mãe relatou como aconteceram as agressões contra Fernando. De acordo com ela, ao pedir para o jovem comprar leite em uma padaria próxima à residência, ele avistou os suspeitos na esquina da rua e voltou para casa para avisar os irmãos, que acompanharam Fernando até o local onde os adolescentes estavam.

“Ele chegou do colégio e eu pedi para ele comprar um pacote de leite lá na padaria, né, para eles merendarem. Aí ele foi, mas ele nem chegou a comprar, ele voltou. Quando ele voltou, ele jogou o dinheiro aqui no sofá e falou para os dois irmãos dele [que aparecem nas imagens] que os moleques estavam lá na esquina. Quando os meus dois meninos desceram, eu fui atrás também”, afirmou.

A mulher relata ainda que um dos suspeitos atingiu a cabeça de Fernando com um chute e, com o impacto, ele teria caído ao chão já desacordado. “Um deles deu um chute na cabeça do meu filho que, com o impacto, bateu no muro da escola. Foi uma porrada muito forte que estalou. Dessa porrada, meu filho caiu já todo se tremendo, duro no chão. Aí eu peguei, querendo levantar meu filho para tirar da beira da calçada, pedi ajuda do vizinho que mora na esquina. Aí eu corri aqui para casa para pedir ajuda”, disse.

Familiares do adolescente classificaram as agressões ao estudante como “covardia”. “Ele sempre foi um menino muito tranquilo, nunca deu trabalho pra ninguém. O que fizeram com ele foi muita covardia, ele não merecia isso, não”, afirmou, à CENARIUM, a tia de Fernando, Klíssia Souza, lembrando como o estudante era dedicado em correr atrás dos sonhos.

Nas redes sociais, o colégio onde Fernando Vilaça estudava, a Escola Estadual Jairo da Silva Rocha, manifestou pesar pela morte do aluno. Ele cursava o 3° ano. “Pedimos a Deus que o Espírito Santo console o coração de todos os familiares, amigos e colegas de turma. À família, receba as nossas condolências. Nossa escola está de luto hoje“, disse o perfil oficial.

Homotransfobia

No texto intitulado “Uma crônica-denúncia sobre homotransfobia”, a escritora Aritana Tibira observa que a morte brutal do adolescente Fernando Vilaça, em Manaus (AM), após questionar uma “piada” homofóbica, expõe a face mais cruel da homotransfobia: a que mata. Ela analisa que a LGBTfobia não afeta apenas quem integra a comunidade, mas qualquer indivíduo que não se encaixe na cisheteronormatividade.

Aritana Tibira pontua que o preconceito não pede identidade ou orientação. “Ele ataca por reflexo, ele mata por suspeita”, afirma, relembrando casos como o da personal trainer impedida de usar o banheiro feminino de uma academia em Recife (PE), após um casal suspeitar que ela era uma mulher trans, e o de um pai e filho agredidos após andarem de mãos dadas em São Paulo, em 2011.

Editado por Adrisa De Góes

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