O cercadinho de J. Bacamarte

Observando os delírios de alguns personagens do nosso cenário político, resolvi reler um conto machadiano. Trata-se de O Alienista, um conto sobre a história de um médico, o Dr. Simão Bacamarte, e a criação de uma instituição para loucos: um asilo, ou melhor, um manicômio. A instituição denominava-se Casa Verde, e deveria abrigar todos os doidos do lugar (vila de Itaguaí), os que tivessem a saúde da alma atormentada, e a Ciência seria a base dos diagnósticos. O final todos sabem.

A partir disso, busquei fazer um elo entre a ficção e a realidade. A ideia fazer um parâmetro entre o alienista, personagem central do conto, e o administrador-mor do Brasil atual, buscando verificar se havia alguma correspondência. É claro, num momento de extrema negação da Ciência, não vamos ter uma Casa Verde, mas um cercadinho de orates, e a base do diagnóstico, não vai ser a razão científica, mas o senso comum político. Não riem! A política não é usada somente para bem gerir o Estado, ela tem inúmeras utilidades. Seus praticantes sempre buscam “louros imarcescíveis”. E não exagero.

Alguns dirão que a melhor representação seria a figura da Stultifera navis, uma nau que, no período da Renascença, levava os insanos de uma cidade a outra, como nos conta Foucault. Outros, citariam Erasmo de Roterdã: “nesse mundo, tudo é loucura.” Prefiro acautelar-me e repetir as palavras de Estragon, da obra Esperando Godot, de S. Beckett: “Nada a fazer.”

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J. Bacamarte, não acredita de jeito nenhum na Ciência, na educação, e em nenhum conhecimento lógico. Chamam-lhe de genocida, pequi roído, sociopata e tantos outros mais. Mas é ele que coloca a camisa de força nos escolhidos para frequentar o cercadinho. O mundo político é seu único emprego, o Brasil seu universo. Intitula-se um médico da saúde da alma política. Nunca pede desculpas por seus erros governamentais, nem se arrepende diante de suas ações e omissões que levam à morte milhares de brasileiros. Possui partidários, eleitores, fãs e um grupo enorme de pessoas disposto a cometer as maiores insanidades para agradá-lo.

Despreza as mulheres, salvo sua esposa, que, segundo informam, foi escolhida porque reunia qualidades bacamartianas: “… condições fisiológicas e anatômicas de primeira ordem, digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista; estava assim apta para dar-lhe filhos robustos, sãos e inteligentes.” Não preciso dizer, que o resultado não foi o esperado. Recentemente, soube-se que J. Bacamarte não possuía as condições fisiológicas que ele tanto exigia. Peço novamente para não rirem.

No cercadinho, como na Casa Verde da ficção, encontra-se todos os tipos de alienados: os de perfeição moral, os tolerantes, os verídicos, os símplices, os leais, os magnânimos, os sagazes, os sinceros, e tantos outros. Eles adoram J. Bacamarte falar. Mas quem está fora do cercadinho, irrita-se com aquela adoração mentecapta.

Dizem: esse cubículo político deve ser destruído! Querem esvaziá-lo. Falam que o culpado de tudo é o grande mentecapto. Este, por sua vez, vê espíritos politicamente doentes em toda parte e brada que se a situação piorar irá agir fora das quatro linhas, seja lá o que isso quer dizer. Fim do cercadinho? Os seus enjaulados caminhando por todos os lados? Um assombro que a vila Brasil vai ter que conviver, pois o seu gerente, quando se descreve, reúne todas as qualidades de um acabado mentecapto: perfeito equilíbrio mental e moral, sagacidade, perseverança, tolerância, veracidade, vigor moral e lealdade. Enfim, um candidato perfeito a usar uma camisa de força. Não riem!

Sociólogo, Analista Político e Advogado

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