O chão da escola e as múltiplas facetas das violências sofridas por professores  


Por: Elisiane Andrade

18 de novembro de 2025

Ao longo de 20 anos de docência, tenho vivenciado e testemunhado as diversas inseguranças que marcam o cotidiano escolar, agravadas por uma crescente onda de violências direcionadas a professores/as. Essas agressões não vêm apenas da sala de aula: partem da gestão escolar, de estudantes, de familiares e, por vezes, da própria comunidade e setores da sociedade, do sistema de modo geral. As múltiplas facetas da violência têm chamado a atenção, pois exercer a docência tem se tornado, infelizmente, uma atividade de risco.

Em conversas entre colegas, é quase inevitável surgir um relato de violência física, simbólica, verbal ou institucional. O medo e a insegurança tornaram-se parte da rotina docente. Casos como o da professora Célia Regina Silva, agredida brutalmente por um aluno e seus familiares em Salvador, ou da professora esfaqueada em Valparaíso de Goiás, revelam que essas situações são mais frequentes do que se imagina. Neste ano, também fui agredida por um aluno com um tapa na mão e desrespeitada com gestos obscenos. Para além da violência física, enfrentamos diariamente o assédio moral, as cobranças excessivas, a sobrecarga de trabalho e a constante desvalorização profissional. Tudo aquilo que adoece, constrange e desgasta também é violência: quando perdemos parte da aula tentando controlar o comportamento da turma; quando somos pressionados a aprovar estudantes que não realizaram as atividades; quando pais e mães nos culpam pelos baixos rendimentos dos filhos, muitas vezes usando o cargo que ocupam para intimidar o (a) professor (a), legitimando a falta de compromisso do/a filho/a com os estudos. A lista é longa e dolorosa.

Há também a violência simbólica, como destaca o professor pós-doutor Adson Bulhões, com vinte anos de docência, dos quais dez na Seduc – Amazonas. Ele relata: “a pressão estrutural para aprovar alunos sem rendimento, a ausência de reprovação por faltas, o atraso de aproximadamente dois anos do pagamento da data-base salarial e a dificuldade de liberação para qualificação, como para cursar mestrado e doutorado, mesmo com respaldo legal. É um contexto de precarização do trabalho, além da péssima estrutura das escolas e da falta de segurança, o que torna o trabalho do professor muito vulnerável, sujeito a todas as formas de violências”. Tudo isso revela um sistema que oprime e silencia.

Além disso, discursos públicos contribuem diretamente para o desrespeito à categoria e o fomento às violências. Quando o prefeito de Cuiabá responsabiliza professores pelos baixos índices educacionais, ou quando o deputado federal Nikolas Ferreira acusa docentes de exporem vídeos pornográficos e de usarem a posição hierárquica para inserir conteúdos eróticos em sala de aula, esses discursos não apenas deslegitimam, mas também incitam a violência contra os/as profissionais da educação.

Não podemos ignorar que muitos comportamentos agressivos por parte dos estudantes refletem realidades familiares marcadas pela violência, ausência de orientação e desvalorização da escola, pontua uma colega de profissão. “Quando pais desautorizam o (a) professor (a) diante dos filhos ou os incentivam ao desrespeito, contribuem para transformar a sala de aula em um espaço de confronto, e não de aprendizagem. Valendo-se dessa realidade, alguns já têm o olhar intimidador.”

A banalização da educação e a coisificação dos/as professores/as vêm crescendo. É preciso refletir: quem perde com tudo isso? A sociedade como um todo. Afinal, ao atacar os que podem despertar o pensamento crítico, promover a autonomia e a consciência cidadã, fragilizam-se também as bases da democracia.

Nas palestras que ministro, sempre lanço perguntas que deveriam nos inquietar: Como um pai ou mãe pode se tornar inimigo (a) de um (a) professor (a) que contribui com a formação do seu próprio filho ou filha? Que adulto queremos ver no futuro? Como podemos construir relações escolares mais leves, respeitosas e empáticas? Quanto vale um (a) professor (a)?

Precisamos resistir. Precisamos refletir. E, principalmente, precisamos nos unir. As situações pontuadas nestas breves linhas revelam as consequências drásticas na vida dos (as) professores (as), como doenças mentais, problemas vocais, ansiedade, depressão, dores físicas e emocionais e o medo. O chão da escola pede socorro. É hora de escutá-lo.

(*)Elisiane Andrade é professora, graduada em Pedagogia, especialista em Gestão Pública, mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e integrante do Grupo de Estudo, Pesquisa e Observatório Social em Gênero, Política e Poder (Gepos). Atua como ativista na Marcha Mundial das Mulheres.

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