O corpo de Fernando Vilaça e a punição social da diferença


Por: Paula Litaiff

19 de novembro de 2025

Fernando Vilaça, adolescente de 17 anos, foi brutalmente assassinado em Manaus após reagir a piadas homofóbicas. Seu corpo espancado e sua vida interrompida não são apenas resultado da violência de indivíduos, mas da violência de um sistema que pune corpos que ousam existir além da norma. A tragédia recebeu a confirmação jurídica: a OAB-AM reconheceu oficialmente a motivação homofóbica do crime.

Na obra “Vigiar e Punir”, Michel Foucault analisa como dispositivos de poder monitoram, normatizam e, na falha de adequação, disciplinam o corpo. Fernando foi punido por não corresponder à heteronormatividade esperada. A risada que precedeu o espancamento funcionou como um veredito simbólico; o ataque, o estágio extremo da pedagogia violenta.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Amazonas (OAB-AM), por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, manifestou repúdio e solidariedade à família do adolescente, afirmando que “o assassinato brutal do jovem […] decorre de homofobia” e deve ser tratado como crime dessa natureza. A instituição destacou ainda o estatuto jurídico, como a equiparação dessa forma de violência ao crime de racismo, conforme decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e com respaldo no art. 5º da Constituição.

Foucault ensina que os mecanismos de controle não precisam mais de espetáculos públicos, como no século XVIII. Hoje, a punição é disseminada e naturalizada nas piadas, nos comportamentos, no silêncio coletivo, e principalmente nas redes sociais. No caso de Fernando, essa lógica invisível se transformou em brutalidade explícita. O corpo que resiste à norma paga com sangue.

A OAB-AM reforçou que a morte de Fernando não foi um episódio isolado: Manaus liderou o ranking de assassinatos de pessoas LGBTQIAPN+ em 2022 e 2023, segundo o ‘Observatório de Mortes e Violências LGBTI+’. Em sua nota, conclamou um pacto coletivo entre esfera pública, privada e sociedade civil para assegurar “proteção absoluta do direito de existir e amar”; e ofereceu apoio jurídico à família.

Na perspectiva de Foucault, o biopoder regula quem pode viver e quem pode morrer, e há uma violência legitimada, ainda que silenciosa, contra corpos dissidentes. A confirmação legal da homofobia no caso de Fernando reforça a necessidade de agir. O jornalismo não deve se limitar à denúncia. É seu dever expor os discursos, as instituições e as normas que validam o ódio.

Fernando não foi morto apenas pelos agressores. Foi punido pela norma que os habilita. Se queremos um futuro onde pessoas LGBTI+ existam sem medo, é hora de questionar os processos que naturalizam o ódio, exigir que o aparato jurídico puna eficazmente, e construir coletivamente espaços de proteção para todas as formas de vida.

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(*)Paula Litaiff é graduada em Jornalismo, especialista em Gestão Social: Políticas Públicas e Defesa de Direitos, e mestre em Sociedade e Cultura da Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Com duas décadas de experiência na área de Comunicação Social, é fundadora da Rede Cenarium, veículo de comunicação em multiplataforma sediado na Amazônia, que prioriza a produção de reportagens socioambientais.

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