‘O corpo é meu’: clipe que combate violência contra mulher tem autoria de Joyce Cândido, Flávio Pascarelli e Guilherme Sá
Por: Cenarium*
13 de agosto de 2025
MANAUS (AM) – O clipe da canção “O Corpo é Meu” estreia esta quarta-feira, 13, às 12h, no canal do YouTube da artista Joyce Cândido, uma das compositoras, ao lado de Flávio Pascarelli e Guilherme Sá. O single foi lançando em junho deste ano e a letra é inspirada no artigo “O mito da posse: o corpo da mulher não é propriedade”, de autoria de Giselle Falcone Medina, juíza Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (TRE/AM) pela classe dos juristas.

De acordo com Pascarelli, a leitura do artigo provocou uma reflexão pessoal e coletiva sobre o papel da arte no enfrentamento à violência contra a mulher. “Eu já vinha acompanhando, como magistrado e cidadão, o impacto devastador dessa violência e entendi que a música poderia ser uma forma sensível e poderosa de levar a mensagem ao coração das pessoas”, ressaltou o compositor, que também é Desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas e professor universitário.
Para ele, trabalhar com Joyce e Guilherme foi uma experiência rica e inspiradora. “Joyce tem uma força interpretativa única e uma entrega artística que vai muito além da técnica. Guilherme, por sua vez, é um compositor talentoso e sensível. Já tivemos outras parcerias musicais, mas “O Corpo é Meu” representa uma das mais significativas, justamente por unir o cuidado estético a uma mensagem social tão urgente”, destacou ele.

A ideia de produzir um clipe surgiu da necessidade de ampliar o alcance da mensagem, pois ficou evidente que a música produzia o efeito de sensibilizar, mobilizar, mas o clipe poderia dar forma visual ao sentimento e à luta que a letra carrega. “Queríamos algo que transcendesse o entretenimento e se tornasse um instrumento de conscientização”, disse Pascarelli.

Questionado sobre a repercussão da produção audiovisual na esfera pública, o desembargador garante que a iniciativa deve ser entendida como um instrumento de enfrentamento à violência, uma resposta clara e firme à trágica realidade em que vivem milhares de mulheres. “A arte não substitui políticas públicas ou o sistema de justiça, mas ela tem um papel transformador: sensibiliza, provoca e cria conexões humanas que o discurso técnico nem sempre alcança. Se o clipe ajudar a gerar debates, fortalecer a autoestima das mulheres e incomodar quem naturaliza a violência, já terá cumprido uma função social importantíssima”, enfatizou.
Para Giselle Falcone, transformar a violência contra a mulher em arte é um ato de coragem e resistência. “É dar voz às silenciadas, transformar dor em denúncia e, ao mesmo tempo, inspirar força e mudança. A música pode atravessar barreiras que leis e discursos não alcançam. “O corpo é meu’ é esse grito coletivo que ecoa por todas nós”, exclamou a advogada, que também é Ouvidora da Justiça Eleitoral do Amazonas, ex-Diretora da Escola Judiciária Eleitoral.

A deputada estadual Alessandra Campêlo acredita que a arte, ao longo da história, foi ferramenta para questionar injustiças e promover mudanças sociais. “E a música, com sua linguagem universal, pode mudar as mentes e os corações, ela toca na alma e dá voz às mulheres que são silenciadas todos os dias! A música ‘O Corpo é Meu’ denuncia em cada verso a nossa dor e ajuda a transformar isso em luta!”, completou a parlamentar, que atualmente é a procuradora especial da Mulher da Aleam.

A ministra do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, também parabenizou a ação, enfatizando a importância da arte como meio de expressão dos problemas sociais.
A ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, que integra o Superior Tribunal Militar desde 2007 e atualmente preside a Corte, sendo a primeira e única mulher a ocupar o cargo em mais de dois séculos de história, também parabenizou a ação, enfatizando a importância da arte como meio de expressão dos problemas sociais.
“Transformar a violência contra a mulher em arte é fundamental para resgatar a voz das vítimas e confrontar a sociedade com a dura realidade da opressão de gênero, quebrando o silêncio e mobilizando a todos na luta por um futuro de respeito e igualdade”, afirmou a ministra.

O lançamento é parte do projeto Conexão Rio Manaus, realizado em colaboração com a Pontes Comunicação e Arte, a Saga Publicidade e a Hype Brazil. As gravações ocorreram em Manaus, com uma proposta de roteiro que buscou reunir elementos capazes de envolver o público em torno de um assunto urgente e de interesse global, sem perder de vista o conceito de regionalidade.
“Manaus é minha casa, é onde vivo e trabalho. Além disso, a cidade é um espaço simbólico para essa mensagem: ela reúne diversidade cultural, resistência histórica e também enfrenta desafios sociais que não podemos ignorar. Quis que o clipe carregasse essa identidade amazônica, mostrando que a luta contra a violência à mulher é global, mas também profundamente local”, ratificou o magistrado.
Em todo o processo de produção, o qual reuniu aproximadamente 60 mulheres (em diversas funções – direção, roteiro, maquiagem, elenco etc.), o principal desafio concentrou-se em equilibrar o cuidado estético com a sensibilidade do tema; impedir que o sentimento de dor fosse explorado de forma sensacionalista, sem que a mensagem perdesse sua força, potência. Encontrar esse ponto de equilíbrio exigiu muito diálogo entre todos os envolvidos, da direção à equipe técnica, passando pelos músicos e figurantes. De forma que o resultado atendeu às expectativas dos compositores.
“Fiquei muito satisfeito com o resultado. O clipe conseguiu traduzir, em imagem, a força e a emoção que colocamos na música. Gostaria de destacar a interpretação da Joyce, que entregou não apenas sua voz, mas também sua expressão cênica, e a sensibilidade da direção, que captou a essência da canção sem desviar do propósito: afirmar que “o corpo é meu” é, acima de tudo, um grito de liberdade e respeito”, finalizou Pascarelli.
Leia o artigo ‘O mito da posse: o corpo da mulher não é propriedade’, de autoria de Giselle Falcone Medina:
Durante séculos – e em muitos lugares, até hoje – o corpo da mulher foi tratado como território alheio, como se pertencesse a alguém que não ela própria. Essa crença brutal se manifesta, de forma extrema e cruel, nas práticas de mutilação genital feminina, ainda hoje presentes em mais de 30 países.
Sob o manto da tradição ou do controle religioso, o que se esconde é o mesmo argumento secular: a mulher deve ser contida. Seu prazer, silenciado. Sua autonomia, vigiada. Seu corpo, submetido à autoridade do marido, do pai, do clã ou do Estado. A violência contra o prazer feminino – como a mutilação do clitóris – não é apenas física: é simbólica. Representa a negação da dignidade da mulher enquanto sujeito de direitos, enquanto pessoa completa.
É urgente nomear isso pelo que é: um crime de dominação. Quando se afirma que o prazer da mulher é um veneno, uma ameaça, uma loucura a ser contida com o corte, com o ferro, com o silêncio, está-se reeditando a lógica perversa da posse patriarcal. Não por acaso, os argumentos que sustentam essas práticas lembram os da escravidão: “é para o bem da comunidade”, “é a cultura do povo”, “sempre foi assim”.
Mas nenhuma tradição pode justificar a dor. Nenhum costume pode autorizar o controle do corpo alheio. E nenhum texto sagrado pode ser manipulado para legitimar aquilo que é essencialmente injusto. É revelador que o próprio Alcorão, frequentemente citado, nada diga sobre a mutilação genital feminina, e que o profeta Maomé jamais tenha tocado no assunto.
A luta das mulheres por seus direitos é, também, uma luta pelo direito ao próprio corpo. Pela liberdade de dizer não. De sentir prazer. De existir sem medo. De ser plena.
É por isso que, como mulher, jurista e cidadã, recuso – e denuncio – qualquer forma de controle legitimado pelo mito da propriedade. Não somos extensão de ninguém. Nem esposa, nem filha, nem serva. Somos inteiras. Somos livres. E é assim que devemos ser tratadas pelo direito, pela cultura e pela sociedade.
O corpo da mulher não é campo de batalha nem moeda de controle. É território sagrado de autonomia e dignidade. E isso não é negociável.
Veja a letra da música na íntegra:
O Corpo é Meu (Joyce Cândido, Flavio Pascarelli e Guilherme Sá)
Trancaram meu riso, cerraram meus olhos, roubaram da boca o direito de ser.
No fio da lâmina, no peso do aço, tentaram calar o prazer de viver.
Diziam: é ordem, é cultura, é costume, É pelo bem de quem nem perguntou…
Mas eu, com meu sangue, com minha fome, cantei mais forte que a dor que ficou.
O corpo é meu, não é de ninguém, nem do pai, nem do santo, nem do capitão.
Não se vende, não se doma, não se corta também — O corpo é inteiro, é alma e é chão.
Rasgavam meu nome nas páginas velhas, E em nome de Deus me mandavam calar.
Mas a minha memória é forjada em centelhas, e o fogo da história não vai se apagar.
Não há tradição que amanse a verdade, nem há ferro quente que possa deter a mulher
que sabe que ser liberdade É nascer de novo a cada amanhecer
O corpo é meu, não é de ninguém, nem do pai, nem do santo, nem do capitão.
Não se vende, não se doma, não se corta também – O corpo é inteiro, é alma e é chão.
O corpo é meu… É meu… É meu.