O futuro da Amazônia e o ‘Amor Fati’: razões para se respeitar o destino

Me perguntaram recentemente se um homem é obrigado a aceitar uma sorte que lhe fora imposta pelo destino e que desagrada sobremaneira o seu coração. Respondi o óbvio, sem, todavia, ser raso na resposta e sem deixar de examinar o desgosto do meu interlocutor. Argumentei com ele dizendo que essas coisas são desafios, e que há destinos – por assim dizer – que temos alguma chance de mudar, caso específico em que há em nós o dever de lutar para transformar os seus efeitos, sendo o fator reação uma característica central da superação dos desafios. Noutros casos, quando nada podemos fazer para mudar as consequências da realidade, aí temos que invocar o espírito do que os estoicos chamavam de “amor fati”, isto é – em sentido latino –, dizer sim ao não, e agir com objetividade posicional aceitando o destino, ainda que ele nos pareça cruel e frustrante. Ser estoico não representa exatamente uma tarefa das mais fáceis. Encarar o destino com a visão fria e resiliente, de um indivíduo que se sente sobrepujado pelas urnas, é algo assim insólito.

A Amazônia, nesse sentido, quanto ao seu futuro e à atmosfera animosa das manifestações contra o resultado das Eleições Presidenciais, está sendo – como sempre foi – ignota. Sobre os insatisfeitos com o resultado das urnas, dizem que determinadas atitudes de quem busca o exercício da liberdade, afrontam e violam a mais crucial tarefa principiológica do Estado Democrático de Direito, que é o de assegurar o princípio da constitucionalidade, da democracia, do sistema de direitos fundamentais, da justiça social, da igualdade, da divisão de poderes, da legalidade e da segurança jurídica. Se esses indivíduos não consideram os preceitos normativos, quanto mais reputarão preciosismo à Amazônia, que eu chamo de a “Primeira-Mãe”. Liberdade substantiva não guarda verossimilhança com insubmissão e com o desregramento protestativo. O momento é de resignação e pelejas pelo futuro da Amazônia.

A propósito de destino, a verdade cabe aqui como um arpão certeiro no peito do pirarucu: a história política brasileira não tem sido assim tão benigna com a Amazônia concernente às suas mais cruciformes necessidades. Nossas ‘comunidades vegetais’ não vislumbram ainda a guardianidade estatal ovacionada (e não consagrada) na pluralidade dos códigos; as comunidades humanas ainda perecem na miséria logística, na pouquidade de elementos produtivos eficientes, e na carência limítrofe de condições; as organizações e o empreendedorismo amazônicos quase não gozam… Quase não gozam, no sentido do desiderato e do usufruto de expertise para o aprimoramento, e de atenção à necessidade de investimentos; as instituições científicas e de ensino não dispõem de aparato digno para o exercício da Ciência, da Pesquisa e do Conhecimento necessários.

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O que se pode historicamente afirmar acerca dos cuidados governamentais com a Amazônia, é que muito pouco se fez por ela até aqui. Mas, para os que acham que a esperança é a última que morre, convém afirmar que aqui, nestes biomas do amor futurístico – tão proféticos e ao mesmo tempo escatológicos quanto este artigo –, a esperança nasce a cada novo governo, a cada nova oportunidade, feito cada hectare incendiado que teima em voltar à vida. É nesse mesmo diapasão que nós, homens e mulheres amazônicos, valsamos, desde que nascemos, nos acordes de uma música meio ilusória, mas que nos encanta, porque suas partituras sempre têm muito de esperança.

Eu nunca seria tolo de duvidar que os prosélitos do quase-ex-presidente Bolsonaro demorarão um paneiro de tempo inteiro para admitir que foram derrotados legitimamente nas urnas, e que a Democracia devorou os seus anelos, e que a liberdade de escrutínio gritou dentro dos ouvidos quase-moucos daqueles mais vergonhosamente exaltados. Eles não respeitam o destino, e desconhecem o “amor fati”, e quando marchavam nos portões dos quartéis, vociferando seus desgostos bradados e imitando de maneira esdrúxula os integralistas (outros ensandecidos arremedadores de Mussolini, aquele espírito maligno putrefato), também acamparam nas vizinhanças urbanas, perturbando o repouso dos idosos, apoucando a já parca quietude das crianças autistas, e dilacerando o sossego das famílias que tiveram os seus dias ultrajados por atitudes que habitavam corpos cheios de cretinices e loucuras.

Quanto ao destino propriamente dito, para nós que respeitamos os resultados da Democracia, não podemos também cruzar os braços e dar lugar à inércia, como fizemos até aqui. Temos que exercer doravante a nossa capacidade de defesa concreta da Amazônia, cobrando, fiscalizando, ‘policiando’ os passos dos novos governantes, ofertando ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao governador reeleito, Wilson Lima, o concurso necessário e intransigente visando à eclosão de um progresso real e verídico, mormente nos âmbitos da Pesquisa, da Ciência e do Conhecimento. É preceito nosso respeitar as governanças e coadjuvar com eles no desenvolvimento dos povos amazônicos, pugnando por um destino decente, agregador, glorioso… Isso sim, depende de nós todos!

Não seria tão impróprio dizer que nós, os que acreditam e respeitam o destino, estamos dando mais uma vez ao presidente Lula e ao Governador Wilson Lima o benefício da confiança… A confiança pelo respeito verdadeiro à Amazônia. Para os prosélitos, o que nós estamos fazendo mesmo é escancarando uma janela enorme de ambiguidades, precedentes perigosos para esculhambar de vez o destino. Mas, claro, ainda que tivessem algum número de razão, não podemos dar ouvidos a eles, pois eles marcharam, sujaram os arredores de seus acampamentos, emporcalharam as praças e ruas, precarizaram a higiene urbana, e eles são extremistas de direita, aspirantes de que a mera insatisfação seja a instância derradeira da Justiça.

O futuro da Amazônia não são apenas os governos, somos nós, e não devemos cultivar o pessimismo, ao contrário, devemos nutrir razões suficientes para se acreditar que experimentaremos mudanças reais, que tornarão a Amazônia mais feliz. É isso: devemos nutrir razões suficientes, respeitando sempre o destino, pois razões de sobra seria exagero cultivar.

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(*)Escritor, Antropólogo, Jornalista, Professor de Ciência Política, Antropologia Jurídica e Direito Constitucional.

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